Esta reportagem foi produzida por Alana Cláudia Schneider, aluna de Jornalismo na Unisinos e uma das cinco vencedoras da edição 2023 do projeto Primeira Pauta RBS
Após o sucesso do skate e do surfe na última edição dos Jogos Olímpicos, o breaking chega como a grande novidade de Paris 2024. A oito meses da estreia da modalidade, dançarinos de Porto Alegre já sentem o legado olímpico no aumento da demanda por apresentações e na valorização da prática pela comunidade. De olho no futuro, b-boys e b-girls — como são chamados os praticantes — acreditam que as Olimpíadas proporcionarão ainda mais impactos positivos para a modalidade no Estado.
— Através desse recorte que realmente o breaking vai ter a possibilidade de um reconhecimento real da sua importância na cultura hip hop (da qual ele é um dos quatro elementos) e dentro do âmbito olímpico — afirma a presidente da Federação Gaúcha de Breaking (FGBRS), Claudisséia Santos, 42 anos, também conhecida como b-girl Céia.
Além de incentivar a profissionalização de atletas, o carimbo olímpico abre perspectivas para que os praticantes vivam do breaking, seja como dançarinos, treinadores ou arte-educadores. Algo que, segundo Céia, era impossível imaginar em anos anteriores.
— A gente não tinha alternativa a não ser viver da dança, mas não nessa projeção de que a gente poderia chegar além de só a dança, mas dentro do esporte.
Para o dançarino do Restinga Crew, Cesar Daniel de Oliveira, 19 anos, o breaking deixa de ser somente uma atividade artística e de lazer para se tornar um projeto de vida dos praticantes.
— A aparição nas olimpíadas é muito relevante para o nosso trabalho aqui na comunidade porque muitas crianças chegam e falam ‘bah eu to dançando porque me faz bem, mas aí depois vou ter que achar um trabalho’. Não né, agora tu vai poder dar a certeza para a criança que ela poderá trabalhar com isso futuramente
O grupo de breaking da Restinga desenvolve, há mais de 20 anos, um trabalho social com crianças e jovens da comunidade. Cerca de 40 estudantes participam das oficinas, que são ministradas num estúdio construído nos fundos da casa de Julio Cesar Oliveira, 38 anos, o b-boy Julinho.
— É uma coisa muito família, tem crianças que melhoraram o comportamento na escola, até questão de racismo — afirmou o professor e um dos idealizadores da crew (equipe, em inglês).
O grupo vive a expectativa da estreia do breaking nas Olimpíadas e já sente um maior interesse da comunidade pela modalidade. Nos últimos meses, a crew viu aumentar a procura de escolas para apresentações e oficinas.
— A gente está trabalhando bem mais do que antes. Na época que a gente trabalhava isso como um resgate social a gente tinha uma visão, mas agora com essa questão das olimpíadas aumentou muito, tipo três vezes mais — contou.
Presença feminina mais forte
Tradicionalmente o breaking é um espaço dominado pelos homens. Quando a dança surgiu na década de 1970, nos Estados Unidos, as ruas do Bronx não eram espaços seguros para as mulheres e, desde então, elas lutam para conquistar o protagonismo.
No Rio Grande do Sul, Céia foi uma das pioneiras na cena do breaking.
— Em muitos eventos eu era a única mulher competindo contra 16 b-boys. Tomei para mim essa causa, e isso me fez continuar — afirma.
Seu sonho, enquanto presidente da FGBRS e profissional da dança, é ver as b-girls dominando a cena do breaking.
— Quem sabe daqui a dez anos a gente consiga ter uma crew só de mulheres. Isso é um avanço.
Incentivar a participação do público feminino no breaking também é uma preocupação do Comitê Olímpico Internacional (COI), que determinou que federações e seleções nacionais sejam compostas pelo mesmo número de b-boys e b-girls. Nas Olimpíadas de Paris — que promete ser a primeira edição com total igualdade de gênero — serão 32 atletas disputando o ouro, 16 de cada gênero.
— Isso é uma forma de incluir a mulher no esporte, uma luta de muitos anos. E como o breaking também vem de uma situação que é muito masculina, com essa junção das olímpiadas e a força dada pelo Comitê Olímpico Internacional, a representatividade feminina deve ser bem mais forte — comenta Céia.
Essa mobilização motiva e empodera outras meninas, fazendo com que jovens como Sara Alves dos Santos, 17 anos, não parem de dançar. Questionada sobre o desejo de estar nas Olimpíadas, a integrante do Restinga Crew é direta:
— Não só sonho, como vou. Um dia estarei lá em cima.
Inclusão em políticas públicas
Para os dançarinos, o reconhecimento da modalidade, enquanto esporte e cultura, é uma das medalhas a serem conquistadas pelos atletas brasileiros.
— Temos a chance de mostrar nosso produto, chamando atenção para os projetos sociais e mostrando a importância de investirmos na base para lançarmos mais atletas a partir de 2028 — afirma a presidente da FGBRS.
O efeito olímpico já tem ajudado a desmarginalizar a dança e, aos poucos, a expectativa é atrair patrocinadores.
— A pessoa que vive da arte, do breaking, geralmente é taxada como marginal. Mas não é isso, exige muito empenho, muita dedicação e sem apoio é muito difícil. Tenho fé que com a popularização do breaking, questão de patrocínio vai ser muito mais fácil. De as pessoas certas enxergarem a nossa arte — destaca o dançarino Lucas Graminha, 28 anos.
B-boy Julinho enxerga potenciais atletas olímpicos dentro do Restinga Crew, e, em toda a cena gaúcha, mas diz ser preciso fomentar a prática com políticas públicas.
— No Rio Grande do Sul tem muito pessoal que manda bem no breaking, seja da parte masculina como feminina. Só falta o investimento mesmo, para a gente poder cada vez aumentar o nosso nível e ter um suporte melhor — ressaltou.
Para os próximos 10 anos, a Federação projeta um cenário de valorização à modalidade, com maior protagonismo das mulheres e a consolidação de projetos de formação de atletas. A mudança da cena gaúcha de breaking já está em curso e o desejo é de que os Jogos de Paris possam impulsionar ainda mais esse processo.
— As olimpíadas vão nos deixar um legado promissor de novos adeptos, de novas pessoas dentro dessa cena do breaking tanto no Rio Grande do Sul como no Brasil — diz Céia.
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