A equipe de Esportes do Grupo RBS promove uma série de entrevistas para discutir os Jogos do Futuro em um cenário de incertezas para o esporte olímpico no mundo pós-pandemia. Fechamos a série conversando com Renan Dal Zotto, técnico da seleção masculina de vôlei, medalhista olímpico como jogador da modalidade e ex-dirigente de clubes de vôlei e futebol e da Confederação Brasileira de Voleibol (CBV).
É um ano atípico, em que não aconteceu absolutamente nada para as seleções nacionais, com exceção da Polônia, que inclusive tem amistosos marcados com países que não foram tão afetados pela pandemia.
RENAN DAL ZOTTO
Técnico da seleção brasileira masculina de vôlei
Qual foi o impacto do adiamento da Olimpíada no trabalho de vocês?
Foi uma decisão acertada transferir os Jogos Olímpicos para 2021. Teve um impacto bastante importante na vida de todos os atletas, porque não só os Jogos foram adiados, como todas as competições internacionais previstas para 2020 também foram canceladas. Tentamos, de todas as maneiras, eu e o Zé Roberto (Guimarães, técnico da seleção feminina), em reuniões com a confederação de vôlei (CBV), ficar um tempo em Saquarema (RJ), todo mundo treinando junto, porque é sempre muito bom resgatar o espírito olímpico dentro do nosso centro de treinamento.
Tivemos de pensar acima de tudo na segurança e na saúde dos atletas, das comissões técnicas e de todos que trabalham no CT, então decidimos não concentrar. É um ano atípico, em que não aconteceu absolutamente nada para as seleções nacionais, com exceção da Polônia, que inclusive tem amistosos marcados com países que não foram tão afetados pela pandemia. A grosso modo, foi um ano bastante diferente e muito triste. Era o ano olímpico e voltou a ser um ano pré-olímpico.
Como vocês estão se reorganizando para 2021?
Tivemos um acompanhamento virtual e a distância com quase todos os atletas. Uma coisa interessante é que, na pandemia, os padrões de cada atleta ficam mais aflorados. Têm jogadores extremamente inquietos e que não conseguem ficar parados. Outros já são mais sossegados, então você tem de provocá-los, ligar: "Vamos fazer alguma coisa!".
O mais importante é que todos eles, de alguma maneira, se mantiveram em atividade. Claro que longe do ideal, porque esses atletas nunca ficaram tanto tempo sem tocar em bola, sem ir para uma quadra. Defini com a confederação ficar em tempo integral só com a seleção justamente para poder acompanhar os jogadores, inclusive os que vão para a Europa. Já estou com a programação de duas idas para a Europa, pelo menos, para acompanhar, na Turquia, na Itália, na Polônia, na França, vários atletas hoje estão jogando por lá. Uma coisa importante: como não têm havido competições internacionais e as competições nacionais em todos os países, teve um acordo mundial para que todas elas comecem e acabem mais cedo no ano que vem para que tenhamos um pouco mais de tempo para começar os trabalhos nas seleções. Neste ano, sairíamos da Liga das Nações direto para os Jogos Olímpicos.
Para o ano que vem, a federação internacional (FIVB) antecipou a Liga das Nações para que se tenha mais tempo para os Jogos. Tudo isso respeitando a integridade física dos atletas. Sabemos do impacto enorme que irão sofrer com essa enorme parada e a falta de treinamento intenso como são naturalmente acostumados.
Hoje o vôlei é extremamente profissional, mas você despontou no momento em que a modalidade engatinhava, saindo do amadorismo para a entrada de grandes empresas, na década de 1980. O quanto cresceu o vôlei em todo esse período, em 40 anos, e de que forma ele conseguiu se organizar no Brasil para virar essa potência?
Comecei jogando voleibol em 1971, em Porto Alegre. Nós praticávamos porque éramos apaixonados pelo voleibol. Não havia perspectiva, na época, de viver do voleibol. Não era profissionalizado, não tinha representatividade alguma no cenário nacional. Depois dos Jogos de Moscou (1980), houve uma reformulação muito grande nas seleções brasileiras. Quando começou esse projeto, em 1981, um grande personagem teve influência muito forte, Antônio Carlos de Almeida Braga, o Braguinha, que investiu na primeira equipe profissional do voleibol brasileiro, a Atlântica Boavista, como também o engajamento do Luciano do Valle (narrador falecido em 2014).
A imprensa teve um papel fundamental do desenvolvimento do produto voleibol. Em 1982, a gente já foi vice campeão mundial e campeão do Mundialito. Em 1983, fomos campeões pan-americanos e aconteceu um fato histórico, que até hoje está no Guiness Book: o jogo de maior público de esportes olímpicos, no Maracanã, num dia de chuva, Brasil e na época União Soviética. Vencemos por 3 a 1. Estávamos com medo de que o estádio estivesse vazio e teve 96 mil pagantes, quase 100 mil pessoas, uma festa maravilhosa. A partir daí o voleibol se fixou como uma segunda modalidade brasileira. Fico muito feliz por ter feito parte desse processo todo como atleta, depois como treinador, gestor, treinador de novo aqui e fora do Brasil, e hoje na seleção brasileira.
Em 1982, fomos campeões do Mundialito e vice-campeões mundiais. Jogava no Boavista e morava na Lagoa Rodrigo de Freitas com mais três gaúchos, em um apartamento no segundo andar. Minha cama era colada na janela, e embaixo dela tinha uma quadra poliesportiva. Num domingo de manhã, acordo com uma molecada batendo bola e escuto: "Montanaro sacou... William... Renan, ponto do Brasil".
RENAN DAL ZOTTO
Técnico da seleção brasileira masculina de vôlei
Vocês ficaram conhecidos como a geração de prata, que até então era uma medalha inédita, e hoje o Brasil é tricampeão olímpico. Além da organização fora da quadra, esse empurrão foi fundamental para firmar o vôlei como potência?
Muita gente pergunta: "Em que momento realmente o voleibol assumiu uma posição de reconhecimento nacional?". Muita gente acha que foi com a medalha olímpica, mas não, foi um pouco antes dela. Em 1982, fomos campeões do Mundialito e vice-campeões mundiais. Jogava no Boavista e morava na Lagoa Rodrigo de Freitas com mais três gaúchos, em um apartamento no segundo andar. Minha cama era colada na janela, e embaixo dela tinha uma quadra poliesportiva. Num domingo de manhã, acordo com uma molecada batendo bola e escuto: "Montanaro sacou... William... Renan, ponto do Brasil". Falei: "Cara, eles estão falando nossos nomes". Abri a janela e olhei, eles não estavam jogando futebol, estavam jogando vôlei. Molecada de 15, 16 anos. Aquilo ali marcou muito para mim. Um momento histórico, porque não imaginava que o voleibol poderia ter essa condição de entrar na casa de todo mundo.
Na visão de gestor, o quanto você imagina que a crise que estamos vivendo pode impactar o esporte, não só o vôlei?
Claro que a pandemia, esse momento em que estamos vivendo, vai deixar sequelas. Mas o esporte brasileiro já vinha sofrendo antes da pandemia devido à falta de investimentos, de modelos de negócios, de incentivos fiscais e, principalmente, de um projeto de desenvolvimento. Devemos incentivar mais o esporte na escola, é a solução para o esporte brasileiro. Temos de fazer essa garotada realmente ver a importância do esporte, e que toda a escola tenha condições de oportunizar a prática esportiva. Temos de ver as leis de incentivo ao esporte, porque muitas vezes os projetos são facilmente aprovados, mas depois você não consegue realizar, captar, porque é bastante complexo.
O Comitê Olímpico do Brasil (COB) faz a parte dele, tenta apoiar de todas as maneiras, é um parceiraço na seleção brasileira, mas temos de pensar na nossa base esportiva, no nosso trabalho de formação. Estou muito preocupado como nosso trabalho de formação. Se o voleibol está bem em posicionamento, com boas marcas, com pessoas capacitadas à frente de vários projetos e clubes, e estamos em dificuldade, posso imaginar outras modalidades menos favorecidas. O momento agora é de encontrar meios através de leis de incentivo, principalmente para empresas privadas poderem investir no esporte, reformatar as nossas competições também, integradas com as competições internacionais. Perdas, nós vamos ter nesse momento, é irreparável. Mas temos de ser muito responsáveis e tomar decisões importantes agora para minimizar essas perdas.
O futebol tem processo em que o clube perde o seu principal ídolo, perde treinador, ou muda de presidente, e o clube continua sendo retroalimentado por todo o sistema. O voleibol e outras modalidades olímpicas ainda dependem das pessoas fazerem acontecer.
RENAN DAL ZOTTO
Técnico da seleção brasileira masculina de vôlei
A seleção brasileira sempre teve jogador gaúcho nas formações mais importantes dos últimos anos. Você fez parte de uma equipe precursora, o Sulbrasileiro, o RS já teve times campeões nacionais. Há outra explicação, além da falta de investimento, para o Estado não ser representado hoje por uma equipe na Superliga?
O RS é sem dúvida um dos maiores celeiros de atletas para o voleibol, diria para todas as modalidades. Na história do voleibol, nunca ficamos sem ter pelo menos dois ou três gaúchos na seleção principal. É um Estado que forma muitos atletas, tem bons profissionais trabalhando e desenvolvendo isso. O RS tem uma história dentro da Superliga, com Frangosul, Ulbra, Bento Gonçalves, UCS, sem falar lá atrás: Sogipa, União... Tive a oportunidade de trabalhar dois anos no futebol (foi dirigente do Figueirense). A diferença para o esporte olímpico é que o futebol não depende só de pessoas. O futebol tem processo em que o clube perde o seu principal ídolo, perde treinador, ou muda de presidente, e o clube continua sendo retroalimentado por todo o sistema. O voleibol e outras modalidades olímpicas ainda dependem das pessoas fazerem acontecer. Quando essas pessoas acabam se desmotivando e vão para outras áreas, aquele projeto acaba.
Ainda precisamos rever uma série de coisas, como um projeto maior para o Brasil, que facilite às empresas aportar recursos nesses projetos, porque temos grandes treinadores no Brasil, grandes formadores e pessoas interessadas em dar continuidade. Precisamos realmente criar esses mecanismos para que facilitem a entrada, sem criar muita burocracia das empresas para investir no esporte. Tivemos de pensar acima de tudo na segurança e na saúde dos atletas, das comissões técnicas e de todos que trabalham no CT, então decidimos não concentrar. É um ano atípico, em que não aconteceu absolutamente nada para as seleções nacionais, com exceção da Polônia, que inclusive tem amistosos marcados com países que não foram tão afetados pela pandemia.