Os Jogos Olímpicos sempre foram vistos como um momento de união dos povos. Ao longo do tempo, o evento sobreviveu à duas Guerras Mundiais, que até provocaram o cancelamento das edições de 1916, 1940 e 1944, mas que jamais apagaram a chama olímpica, assim como os boicotes de 1980 e 1984, embalados pela Guerra Fria.
Em 2020, os Jogos foram adiados em virtude de uma pandemia mundial de coronavírus. Um quarto cancelamento sequer foi cogitado, porque como declarou o presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), o alemão Thomas Bach, um ex-esgrimista ganhador da medalha de ouro nos Jogos de 1976.
E nesse momento em que todos estão em casa para evitar que o vírus se propague, o esporte é uma fonte de memórias afetivas que servem para aplacar momentos difíceis. Este 6 de abril marca os 124 anos de inauguração da primeira edição dos Jogos Olímpicos da Era Moderna. E GaúchaZH traz aqui, alguns momentos daquela tarde de segunda-feira de Páscoa, em Atenas.
Cerimônia de Abertura
Berço do olimpismo, a Grécia foi escolhida para sediar os Jogos. O apoio do Rei George I foi decisivo para que o evento ocorresse. O comitê organizador foi presidido pelo príncipe herdeiro Constantino, que conduziu um processo de arrecadação de verbas para a realização da Olimpíada, em meio a uma crise político-financeira vivida pelos gregos.
Para erguer ou restaurar locais que abrigariam as nove modalidades que compuseram o primeiro programa olímpico, Constantino vendeu ingressos, conseguiu doações da população, criou e vendeu selos especiais e contou com a imprescindível colaboração do empresário George Averoff, que pagou do bolso a restauração do Estádio Panatenaico, que custou 920 mil dracmas de ouro, o que representou 25% do total de 3 milhões 740 mil dracmas de ouro que custaram os Jogos. Por aproximação, significaria cerca de R$ 300 milhões .
Como pagamento, o governo grego ofertou para Averoff uma estátua, que foi erguida na entrada do Panatenaico, estádio construído em 330 a.c. A escultura do mecenas até hoje ornamenta o local. Pontualmente às 14h de 6 de abril, 241 atletas de 14 países participaram da Cerimônia de Abertura, presenciada por cerca de 60 mil pessoas. Homens em trajes gregos tradicionais se misturavam com europeus de terno. As mulheres usavam grandes leques de papel para protegê-las do sol. Os guarda-sóis foram proibidos porque poderiam atrapalhar a visão dos espectadores.
Em seus documentos oficiais, o COI descreve que pouco antes das 15h, o Rei (George I) e a Rainha da Grécia (Olga) chegaram e foram formalmente recebidos pelo príncipe herdeiro e seus irmãos, o presidente do Conselho de Ministros da Grécia e pelos membros do Comitê Helênico e do Comitê Olímpico Internacional. O príncipe herdeiro e presidente do comitê organizador, Constantino, fez um breve discurso, no qual abordou a origem do empreendimento, e os obstáculos superados para concretizá-lo e na sequência pediu ao Rei que proclamasse a abertura dos Jogos Olímpicos.
— Declaro a abertura dos primeiros Jogos Olímpicos Internacionais em Atenas. Viva a nação ! Viva o povo grego ! — disse um entusiasmado George I, dando início a história do maior evento esportivo mundial.
Declaro a abertura dos primeiros Jogos Olímpicos Internacionais em Atenas. Viva a nação ! Viva o povo grego !
REI GEORGE I
O primeiro vencedor
Logo depois, um hino composto especialmente para a ocasião por Spyridon Samaras, com letra de Kostis Palamas, foi então cantado por um coro de 150 pessoas. Em 1958, a música seria oficializada como o hino olímpico. A festa de inauguração dos Jogos Olímpicos foi um sucesso. Para se ter ideia, o correspondente do The Times, em seu despacho para a edição do dia seguinte do jornal escreveu.
— O sucesso do festival agora está garantido. O Parthenon é mais bonito que a Torre Eiffel, mais interessante que a Roda Gigante; a Acrópole dificilmente poderá ser melhorada por ser de tamanho bom gosto, e o céu estrelado de Ática pode dispensar chuvas de foguetes variados. Se for necessária uma novidade, a renovação do Estádio Panatenaico fornece um objeto de interesse que é ao mesmo tempo novo e antigo.
E no mesmo dia, as disputadas foram iniciadas. O atletismo teve no norte-americano Francis Lane, o primeiro vencedor. Com 12s2, ele foi o ganhador da série número 1 das eliminatórias dos 100 m rasos, que é apontada como a primeira prova olímpica da história. Mas o primeiro campeão olímpico seria outro atleta dos Estados Unidos, país que terminou os Jogos com o maio número de primeiros lugares - 11 no total. O estudante de Harvard, James Connolly, "deu dois saltos no pé direito e depois pulou", como descreve a revista The Field, para atingir 13,71m e ganhar a prova do salto triplo.
Como prêmio, Connolly recebeu uma medalha de prata, enquanto o francês Alexandre Tuffèri, segundo colocado, ficou com uma de cobre. À época, apenas os dois primeiros eram premiados. O terceiro, o grego Ioannis Persakis levou para casa um ramo de oliveira, assim como seus companheiros de pódio. A introdução de medalhas de ouro, prata e bronze para os três melhores de cada prova passou a vigorar a partir dos Jogos de Saint Louis, Estados Unidos, em 1904. Por isso, o COI atribuiu retroativamente medalhas de ouro, prata e bronze aos três primeiros colocados dos eventos de Atenas 1896 e Paris 1900.
Orgulho e preconceito
Além da Grécia, 13 países participaram dos Jogos (Brasil não esteve): Estados Unidos, Alemanha, França, Grã-Bretanha, Hungria, Áustria, Austrália, Dinamarca, Suíça, Bulgária, Itália, Suécia e Chile (só os últimos quatro não ganharam medalhas). A primeira edição permitira que atletas individuais compusessem times mistos com atletas de outros países.
A equipe norte-americana acabou em primeiro no quadro geral, com 11 ouros. Mas os donos da casa terminaram com 46 atletas entre os três primeiros colocados.
Nenhuma mulher participou da primeira edição olímpica, já que o Barão Pierre de Coubertin, francês responsável pelo recriação dos Jogos, acreditava que "mulheres não tinham o direito de competir porque sua inclusão seria impraticável, desinteressante, antiestética e incorreta".
Além do atletismo, houve duelos em esgrima, levantamento de peso, ciclismo, tiro, tênis, ginástica, luta e natação. O alemão Carl Schuhmann, foi o grande destaque ao vencer três competições de ginástica e uma de luta greco-romana, além de participar do levantamento de peso e das provas de salto triplo, salto em distância e arremesso de peso.
Outra curiosidade: a natação aconteceu no porto da Baia de Zea, já que os gregos optaram por não construir piscinas para economizar a verba disponível, o que também fez com que cada participante providenciasse seu alojamento, já que uma Vila Olímpica não foi erguida.
Números de Atenas 1896:
Datas: 06 a 15 de abril
Países participantes: 14
Modalidades: 9 (atletismo, esgrima, luta greco-romana, ginástica, levantamento de peso, ciclismo, natação, tiro e tênis)
Atletas: 241 (todos homens)
Maior delegação: Grécia (169 atletas)
Maior número de medalhas de ouro: EUA (11)
Maior número de medalhas: Grécia (46)
Total de medalhas: 122
Primeiro vencedor de prova: Francis Lane (EUA) - eliminatória dos 100m rasos
Primeiro campeão: James Connolly (EUA) - salto triplo
Fonte: COI
Orçamento:
Custo dos Jogos: 3.740.000 dracmas de ouro
* Os gregos equiparavam a dracma ao denário (moeda romana), que correspondia ao valor diário recebido por um trabalhador. Com um denário seria possível comprar cerca de 8 quilos de pão.
1 dracma = 8 quilos de pão
8 quilos de pão = R$ 80 (média nacional)
3.740.000 dracmas = R$ 299,2 milhões
* O Brasil estima ter investido R$ 41 bilhões na Rio 2016, ou seja, 137 vezes mais do que Atenas 1896. Tóquio 2020 estimou gastar US$ 12 bilhões, que pelo câmbio atual passaria dos R$ 60 bilhões, exatamente 200 vezes mais cara do que a primeira edição.
Ouça abaixo o programa Memória Olímpica, que foi ao ar em 2012, que retrata Jogos de Atenas 1896: