Senti um certo constrangimento ao descobrir o quanto os japoneses já têm tudo planejado nos mínimos detalhes para os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020. Daqui a quatro anos, um trinômio conceitual espantará o planeta: respeito reverencial a tradições milenares, tecnologia ultramoderna e verdadeira obsessão por energia limpa, não poluente. O plano é mostrar que um outro mundo é possível, para além de ouros, pratas e bronzes. E, pode, apostar, vai ser um show.
Aperitivos de como será este banquete puderam ser degustados durante as competições que se enceram neste fim de semana. O governo japonês e a prefeitura de Tóquio, em parceria com seus patrocinadores, montaram a Casa Japão Tóquio 2020 na Cidade das Artes, na Barra da Tijuca. Uma espécie de quartel-general mesmo, sem dispersões. Os medalhistas japoneses da Rio-2016 tinha de bater ponto ali no dia seguinte das provas. Sem exceções.
– No Japão, o horário, o prazo, a pontualidade, tudo isso é lei de vida. Não existe a hipótese de deixar para depois. Eles compreendem este jeito brasileiro de relaxar com tais questões, sobretudo na esfera pessoal. Entendem como algo carinhoso. Mas, para os japoneses, são coisas diferentes, que não se misturam. Se você assume um compromisso, cumpra tal qual lhe foi designado, com ou sem carinho. Tóquio assumiu um compromisso com o mundo, de organizar a Olimpíada. Então... – explica Masako Tanaka, que nasceu em Kobe, mora no Brasil há 15 anos e trabalha com a TV estatal NHK, espécie de BBC do Japão.
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Numa metrópole com cada vez menos espaço, vários ambientes da Olimpíada de 1964 serão reformados, conforme as novas exigências do COI, hoje muito mais amplas do que há mais de meio século. Parece o Brasil, que ergueu arenas para o Pan de 2007 e, menos de 10 anos depois, fez quase tudo de novo. E por que o reaproveitamento será possível? Porque tais arenas passaram por manutenções periódicas, para não se perderem no tempo. Uma nítida responsabilidade financeira, já que haverá dinheiro público envolvido.
Será preciso construir do zero em alguns casos, é claro. Cinco novas modalidades estrearão: skate, surf, karatê, escalada. O beisebol, paixão nacional, ganhará arena própria ao lado do Estádio Olímpico Nacional, a mais grandiosa das obras e cartão de visitas de Tóquio 2020. Com capacidade para 68 mil pessoas, o projeto está prontinho e aprovado. É só tocar. A inauguração prevista é novembro de 2019, quase dois anos antes de a pira ser acesa. A altura será a mais baixa possível, apesar dos cinco andares e dois subsolos, para se conectar com os bosques e construções dos arredores. Você lembrou que há obras da Copa de 2014 que ainda não estão prontas, em Porto Alegre? Eu também.
A cor dos Jogos de 2020 é o verde. A iniciativa privada erguerá a Vila Olímpica na Baía de Tóquio, em prédios que depois serão residenciais. Suponho que não haverá fiações e problemas no encanamento quando os atletas chegarem, como aconteceu no Rio. Nas fachadas de cada pavimento do futuro estádio, um elemento essencial da tradicional arquitetura japonesa: os nokihisashi. São beirais de vegetação em quatro camadas que bloqueiam a luz solar direta, criando uma corrente de ar agradável. Quase um bosque no meio do concreto, por assim dizer. No terraço, mais vegetação e pistas de caminhada, com vista para a cidade.
Em cada área de competição tem de haver um toque do Japão antigo, como se vê. E, junto, a tecnologia de ponta. A transmissão será toda em 8k. Na Rio-2016, em parceria com a OBS, empresa responsável pelas imagens impressionantes que você vê na TV, técnicos japoneses estão fazendo simulações em 8k em todas as competições como se estivessem no ar, ao vivo. Um teste em tempo real com quatro anos de antecedência. Fechando o trinômio conceitual de Tóquio 2020, o Japão quer mostrar ao mundo que uma outra lógica de vida é possível mesmo no corre-corre das grandes metrópoles.
– Eles falam muito em Olimpíada limpa. É algo que escuto o tempo todo aqui. É uma obsessão – revela Luciana Salles, jornalista carioca encarregada de tudo referente ao Brasil na Casa Japão.
Assim, veículos movidos a hidrogênio singrarão Tóquio. No cano de descarga, em vez de fumaça poluente e agressiva, um suave vapor d'água. A Prefeitura planeja investir R$ 1,4 bilhão, com patrocinadores, para desenvolver protótipos e criar estações de abastecimento perto das instalações esportivas. Um tanque cheio dá para 600 quilômetros. A ideia é a Vila Olímpica, após os Jogos, virarem um conjunto residencial que tenha o hidrogênio como única fonte de energia. Fala-se em disponibilizar táxis sem motorista, com rotas definidas por um aplicativo. Quase como alugar uma bicicleta no Marinha do Brasil.
Em um dos tantos papos relâmpagos que engatei no corre-corre que é uma Olimpíada, um diz muito sobre como será a próxima Olimpíada. Foi no Centro de Imprensa, com um colega japonês, enquanto servíamos um brasileiríssimo cafezinho. Arrisquei uma pergunta em tom de brincadeira, naquele clima de integração na torre de babel. Ainda faltam quatro anos para Tóquio 2020, pensei. É um tempão, puxa vida:
– E Tóquio, como está? Tudo pronto?
A resposta do japonês, séria, serena, educada e, aparentemente, preocupada, quase se desculpando:
– Tudo não, mas quase tudo.
E saiu correndo para cuidar da sua vida, o japonês.
Para eles, Tóquio 2020 já começou. E vai ser um show, pode apostar.