Popole Misenga, 24 anos, saiu do tatame da Arena Carioca 2 orgulhoso, o queixo alinhado com o horizonte e um sorriso de satisfação no rosto. Entrou na zona mista e ali ficou uma hora em entrevistas. Ficaria mais uma ou duas se os assessores do COI deixassem. Estava tão exultante que ganhou o corredor do vestiário com a mão sobre o ombro da assessora e balançando o corpo. Minutos antes, cheio de confiança, ele mandou um recado para sul-coreano Donghan Gwak, campeão mundial, número 1 do ranking e responsável pela sua eliminação:
- Eu vou atrás dele, vou ganhar dele. Vou pegá-lo vocês verão. Já sei como enfrenta-lo. Quero revanche.
A quarta-feira foi o dia em Misenga ganhou sua medalha de ouro. Havia três anos estava fora de competições, refugiado no Rio. A guerra na República Democrática do Congo tirou-lhe sua mãe logo no primeiro dia. Estavam em casa, os soldados invadiram e a mataram. Misenga tinha nove anos. Fugiu e ficou escondido numa mata por oito dias. Foi resgatado e levado para Kinshasa, a capital, Nunca mais viu a irmã e o pai.
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O judô o trouxe ao Brasil em 2013. Ele e Yolande Misenga, outra judoca da equipe dos refugiados, vieram para o Mundial, Foram abandonados pelo técnico no hotel. Sem passaporte e sem dinheiro, acabaram acolhidos pelo Cáritas, entidade de ação social ligada à Arquidiocese do Rio. Há pouco mais de um ano, chegaram ao Instituto Reação para treinar com Geraldo Bernardes, descobridor de Rafaela Silva e medalhista com Aurélio Miguel e Flávio Canto.
Misenga pisava nas nuvens depois de ganhar do indiano Avtar Singh e só perder para o campeão mundial depois de 4min2seg de combate.
- Ele não me derrubou, e é o campeão do mundo – frisava orgulhoso.
Estava orgulhoso e emocionado. O ginásio inteiro torceu por ele. Pensou ainda que, talvez o pai e a irmã tenham visto-o pela TV. Faz 15 anos que não os vê. Também ficou imaginando a alegria da mulher, a brasileira Fabiana, e do filho, Elias, de um ano e meio. Eles estavam na arquibancada e o viram deixar o tatame como herói.
- Não consegui vê-los. Também, era tanta gente torcendo por mim. Acho que o mundo todo torceu por mim – disse um sorridente Misenga antes de entrar no vestiário balançando o corpo com a alegria de um campeão.