Talvez nem todos saibam, mas às 22h desta sexta-feira (6) a seleção mais vencedora do futebol vai estar em campo. A maior grife da modalidade joga uma partida de Copa do Mundo, ainda que em Eliminatórias. E ainda assim, será difícil que alguém tenha deixado de lado algum programa pessoal nesta noite para acompanhar Brasil x Equador, que se enfrentam em Curitiba. Em mais de 100 anos de história, estamos vivendo, atualmente, o momento de maior desconexão da equipe com o país. E de maior descrédito fora daqui.
É verdade que nem sempre existe o interesse da torcida com a Seleção como no caso de clubes. Especialmente no Rio Grande do Sul, que historicamente resiste e está mais atento à dupla Gre-Nal. Mas o sentimento está espalhado pelos outros Estados. E uma série de fatores explicam essa situação.
O primeiro é o óbvio: resultado. É difícil manter a atenção para uma equipe que não ganha. No caso da Seleção, especificamente a Copa do Mundo. O Brasil, com Tite, até foi campeão da Copa América. E com André Jardine e Rogério Micale, conquistou medalha de ouro nas Olimpíadas. Mas pouco disso importa para um povo que tinha como hábito dominar o esporte.
A falta de títulos mundiais desde 2002 pesa tanto quanto as quartas de final que o time não ultrapassou em 2006, 2010, 2018 e 2022. E quando foi além, com Luiz Felipe Scolari, entrou para a história com o 7 a 1 em uma semifinal em casa, em 2014. A atualidade é dura: o Brasil caiu nas quartas também na base, nos Mundiais sub-20 e sub-17, e nem se classificou para os Jogos Olímpicos de Paris.
Por isso, o pesquisador Antônio Júnior, dono de um dos maiores acervos sobre a Seleção no mundo, garante: nunca houve tanto desinteresse. E ele elenca uma série de fatores:
— A Seleção joga pouquíssimo no Brasil e apenas por obrigação. Em alguns lugares, está sem aparecer há anos ou décadas. Não temos jogadores que estejam por aqui. Dorival Júnior até convocou alguns, mas todos devem ficar no banco. Não temos mais tantos craques.
Esse aspecto pesa. Na lista de 30 escolhidos da France Football para a Bola de Ouro, só tem um brasileiro, Vinicius Junior. Em todas as décadas anteriores teria, no mínimo, dois: Ronaldo e Rivaldo, Ronaldinho e Kaká, Romário, Zico, entre outros. Apesar disso, a Seleção atual tem três atacantes do Real Madrid (Vini, Rodrygo e Endrick), um do Manchester City (Savinho) e oito atletas da Premier League, considerado o melhor campeonato do mundo.
Mesmo com essa junção de atletas, há alguns desconhecidos. Tem uma brincadeira nas redes sociais: se alguns jogadores da Seleção caminharem de uma ponta à outra em um shopping center, não serão parados para tirar foto. A isso, some-se o fato de o time não engrenar. Com Fernando Diniz, que tinha contrato de um ano, desabou nas Eliminatórias. Com Dorival, caiu nas quartas da Copa América.
Isso tudo, para Antônio Júnior, é a ponta de um iceberg chamado CBF. A desorganização da entidade ficou ainda mais evidente com a situação da presidência. Ednaldo Rodrigues está no cargo graças a uma liminar concedida pelo ministro do STF Gilmar Mendes, após ter seu mandado suspenso pela Justiça. Ele assumiu interinamente o cargo após o afastamento de Rogério Caboclo, acusado de assédio. Caboclo havia substituído Marco Polo del Nero, que está banido do futebol por envolvimento em corrupção. Antes eles, o presidente era José Maria Marin, que ficou preso nos EUA por oito anos. Esse cenário dificulta desde a organização do calendário até a contratação de um técnico de peso, como Carlo Ancelotti, que chegou a negociar e declinou da proposta com as polêmicas da entidade.
E, claro, causa reflexo fora daqui. O colombiano Faustino Asprilla afirmou que a Seleção não mete medo em mais ninguém. A afirmação é considerada exagerada por analistas consultados pela reportagem. Mas todos concordam que a grife diminuiu.
Para o inglês Miguel Delaney, chefe de esportes do jornal The Independent, a Inglaterra ainda enxerga o talento brasileiro. Mas se questiona a razão de não funcionar como time:
— Por muitos anos, o Brasil foi sinônimo de time ofensivo. Depois, a partir de 1982, quando venceu, conseguiu com equipes mais funcionais. A equipe voltou a ter brilho com Neymar, mas ele não teve o poder de decisão de outros jogadores. Na Copa do Mundo, ele fez um golaço, mas a vantagem não foi mantida. Talvez seja reflexo de que a elite tática não está mais aí. Espanha e de certa forma Itália estão na vanguarda. Em termos mais simples, o estilo de Guardiola é o que detém a fantasia do esporte. E o Brasil vive uma crise de identidade que impede de maximizar o talento.
Para o italiano Nicola Balice, do jornal La Stampa, o time até está em curva ascendente após a consolidação de Vinicius Júnior no Real Madrid. Ele aponta:
— Faltava o extraordinário, ainda mais se levar em conta as lesões de Neymar em momentos importantes. Isso ficou nítido na Copa de 2014, e o tombo na semifinal parece ter afetado a Seleção. Não estamos melhores aqui na Itália, mas realmente dá a impressão de ter acabado, ou diminuído, aquela magia da Seleção.
Entre os vizinhos (e atuais campeões), há quem tenha uma visão menos pessimista. O jornalista Juan Pablo Méndez, do Olé, da Argentina, afirma:
— Claro que não é a melhor versão do Brasil. Mas sempre se respeita a Seleção. Quando sai na frente, é difícil que perca. A capacidade natural de desequilíbrio dos brasileiros é maior do que a dos europeus. E agora tem o potencial em Endrick e a atualidade de Vini. Isso deixa o Brasil como candidato na próxima Copa, ainda mais se Neymar voltar a ficar bem.
Até a próxima Copa, porém, há um ciclo a cumprir. Claro que, por mais que não esteja no melhor momento, é quase impossível não se classificar para o Mundial. E aí entra a máxima do torneio curto, de um mês, que pode criar heróis em sete partidas.
Dorival está otimista em relação ao futuro da Seleção e em reconquistar a confiança da torcida brasileira, conforme entrevista do técnico na quinta-feira (5) ao SporTV:
— Futebol são processos, e temos de respeitá-los. A Seleção está em mudança. Todos pediram que buscássemos alternativas, que déssemos oportunidades a atletas jovens e a valores que estão no futebol brasileiro. Estamos tentando, por merecimento, ter uma Seleção que se identifique com o seu público. Voltaremos a ter uma Seleção confiável e vamos trabalhar para termos protagonismo no futebol mundial novamente.
O pesquisar Antônio Júnior finaliza com um projeção que vai além do campo:
— Para quem curte superstição. O único momento que vi o Brasil tão desacreditado foi pouco antes de 1994. Foi a maior seca de títulos mundiais. Aquela também era uma Copa com final nos Estados Unidos. Será algum sinal?