Antes mesmo da metade do Brasileirão do ano passado, o Juventude já estava rebaixado. Só faltava a matemática confirmar o que o campo indicava. Mas a Operação Penalidade Máxima está mostrando que essa queda, porém, não era a decepção que sentia a torcida. Tratava-se, na verdade, do projeto de alguns jogadores, cooptados por aliciadores em busca do dinheiro das casas de aposta.
A investigação, liderada pelo Ministério Público apoiada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), ambos com sede em Goiás, apontou que o Juventude foi um dos epicentros da fraude no futebol brasileiro. Dois jogadores que fizeram parte do grupo de 2022, Paulo Miranda e Tota, são réus por infringir o artigo 41-C do Estatuto do Torcedor, que fala em solicitar ou aceitar vantagem ou promessa de vantagem para alterar o resultado de competição esportiva.
Um terceiro atleta, Moraes, fez um acordo com o MP para ser testemunha do caso. E há ainda Vitor Mendes, que segue sendo investigado, com nome citado nas conversas dos celulares apreendidos pela Polícia.
Ainda não é possível afirmar se os maus desempenhos foram causas ou consequências das apostas. Assim como ainda não é possível afirmar se o rebaixamento do Juventude veio antes ou depois dos quatro atletas (divulgados até o momento) se envolverem no esquema. E que nem era tão secreto assim.
Consultadas pela reportagem, diversas pessoas com trânsito no vestiário do clube falaram que os atletas falavam abertamente sobre apostas. Era comum jogadores comentarem sobre jogos, palpites e cotações. Por falta de informação em alguns casos e até interesse direto em outros, profissionais descumpriram uma norma básica da Fifa, que proíbe esse tipo de atividade para entes envolvidos diretamente no esporte (atletas, técnicos, dirigentes, árbitros, por exemplo).
A investigação do MP revelou que até uma chamada de vídeo de Paulo Miranda e Tota com os aliciadores foi feita antes de uma partida. E àquela altura, eles já participavam das fraudes.
— Não fazia a mínima ideia que eles estavam conversando com um apostador. Falávamos sobre apostas, mas não para participar, tomar cartão. Era sobre apostas em jogos de Espanha, Alemanha, Itália. Foi uma surpresa desagradável. Não imaginava que estava acontecendo isso durante os jogos. Fiquei em choque quando vi as notícias porque eram companheiros que estavam até pouco tempo do meu lado — diz um ex-jogador do clube, que prefere manter o anonimato.
Essa ligação ocorreu antes de Juventude x Atlético-GO, em 16 de outubro. Havia pelo menos um mês que existia contato entre os jogadores e os apostadores. Ocorreram conversas para manipulação em Palmeiras x Juventude e Juventude x Fortaleza. Mas no confronto com a equipe cearense, o alerta foi disparado.
Especialistas em apostas notaram uma queda brusca na cotação para Paulo Miranda e Vitor Mendes levarem cartões. A mudança tinha uma explicação matemática: havia entrado dinheiro demais nessa possibilidade. Essa alteração acendeu um sinal de que algo estranho estava por ocorrer. Neste jogo, os dois zagueiros levaram cartão.
No início, membros da direção lamentavam o que achavam ser uma "falta de sorte" em algumas partidas. Mas com o passar do tempo, passaram a suspeitar de algumas ações estranhas. Até então, o entendimento era de incredulidade de que jogadores com salários altos (Paulo Miranda, por exemplo, recebia cerca de R$ 250 mil, sendo cerca de 70% pagos pelo Grêmio) estivessem participando de esquemas que até então se resumiam a jogadores de divisões inferiores.
— Especificamente Paulo Miranda chamava a atenção. Porque por mais que não jogasse bem, ele era um leão nos treinos. Um líder, sempre incentivando e orientando os mais jovens — diz outra pessoa com acesso ao vestiário, que também preferiu não ter o nome citado.
O presidente do Juventude, Fabio Pizzamiglio, avisou que pretende processar os jogadores e os demais participantes do esquema. Em sua visão, essas pessoas mancharam a imagem da instituição e são responsáveis diretas pelo rebaixamento:
— O clube vai tomar as ações mais fortes possíveis. É algo que tem relação com o ano inteiro de trabalho, de pessoas envolvidas, torcedores, outro jogadores que se empenham. São milhares de pessoas envolvidas que se sentem prejudicadas. O clube tem obrigação de ir com toda força possível contra quem realmente fez o que não é correto.
Os jogadores citados pela reportagem não se manifestaram sobre as acusações.