Como qualquer mudança de grande porte, a Rooney Rule (Regra de Rooney) surgiu na NFL como uma resposta da liga a uma forte pressão da opinião pública. Em 2002, o técnico Tony Dungy, do Tampa Bay Buccaneers, foi demitido mesmo com um aproveitamento positivo em seis temporadas à frente do time. Dennis Green também foi dispensado, pelo Minnesota Vikings, após ter a primeira temporada negativa em 10 anos no cargo.
Ativistas de direitos civis nos Estados Unidos apontaram, em estudo, que técnicos negros tinham menos chances de ser contratados e mais risco de demissão, mesmo se tivessem rendimento melhor. A diferença entre o percentual de jogadores negros e de profissionais em posições de liderança era evidente.
Por isso, a liga foi forçada a agir. Com a adoção da regra — que tem este nome em referência a Dan Rooney, ex-dono do Pittsburgh Steelers e ex-chefe do comitê de diversidade da liga —, os times passaram a ser obrigados a entrevistar candidatos negros quando se abre a posição de técnico principal ou general manager — o dirigente responsável pela montagem do elenco.
— A regra é usada da melhor forma que a NFL pode. A Rooney Rule é excelente em pelo menos estabelecer expectativas mínimas. Ela tenta, realmente. O ponto fraco dela está no fato de que pode ser facilmente contornada. Isso quer dizer que a regra força os times a entrevistar pessoas de cor, mas há pouco além disso. Muitos donos dos times da NFL, senão a maioria, ainda não se importam em contratar pessoas de cor. Esta é a fraqueza da Rooney Rule: ela não consegue acessar os sistemas de crenças de alguém — contextualiza Mike Freeman, editor de raça e desigualdade esportiva do jornal USA Today.
Por conta do incentivo, mas sem imposições mais enfáticas, a regra teve resultados variados ao longo das quase duas décadas de existência. No começo da temporada 2006, por exemplo, o número de treinadores negros subiu de dois (6% da liga), quando da implementação da medida, para sete (22%). Aos poucos, no entanto, os números caíram. Atualmente, são quatro técnicos de minoria que começaram a temporada 2020 — Mike Tomlin (Pittsburgh Steelers), Anthony Lynn (Los Angeles Chargers) e Brian Flores (Miami Dolphins), negros, além de Ron Rivera (Washington Football Team), de origem hispânica. Ao longo da temporada, outros dois técnicos de minorias étnicas assumiram o cargo de forma interina: Romeo Crennel (Houston Texans) e Raheem Morris (Atlanta Falcons).
As polêmicas em torno da regra são frequentes. Em 2003, o Detroit Lions foi multado em US$ 200 mil por contratar Steve Mariucci sem entrevistar qualquer outro candidato. A franquia argumentou que todas as tentativas de entrevistas foram recusadas, porque a escolha de Mariucci era tratada como uma certeza — assim, os candidatos não queriam perder tempo ao dar uma entrevista, já que as chances de contratação eram ínfimas.
Nos últimos dois anos, a questão voltou à tona. Primeiro em 2019, porque apenas uma das oito vagas abertas entre técnicos foi preenchida por um profissional negro — Brian Flores, contratado pelo Dolphins. E, em 2020, porque Eric Bieniemy, coordenador ofensivo do Kansas City Chiefs, era visto como um candidato com fortes credenciais e que acabara de ajudar o seu time a conquistar o Super Bowl e não recebeu oportunidades.
Por isso, a NFL fez ajustes à regra para elevar o incentivo — não só à contratação, mas especialmente à formação de profissionais de minorias étnicas. Por isso, as equipes que perderem um assistente para o cargo de técnico principal ou um dirigente para o cargo de general manager em outro time receberão uma compensação em escolhas de draft — o processo de recrutamento de jogadores universitários para a liga profissional.
— O time que perde um assistente ou dirigente para um cargo de liderança em outro time recebe uma escolha de terceira rodada em cada um dos próximos dois drafts.
— Se um time perder tanto um assistente quanto um dirigente, recebe três escolhas de terceira rodada.
Além disso, a liga também aumentou a exigência para as entrevistas. Para o cargo de treinador, agora é necessário conversar com dois candidatos de minorias étnicas para cumprir o requisito. E a regra se expande também para coordenadores, os principais assistentes das comissões técnicas e que comandam as unidades de ataque, defesa ou times especiais.
— Acredito que fizemos progresso ao longo dos últimos anos. É continuar a manter o foco nisto, adaptar, analisar para ver em que áreas nós podemos melhorar, tentar a certeza de que estamos fazendo tudo o que é apropriado para dar às minorias uma oportunidade para avançar nos rankings de técnicos em geral, nas diretorias e em outras áreas do futebol americano e muito além disso. Para as pessoas no escritório da liga, no nível dos clubes, é uma iniciativa importante da NFL — argumentou o comissário da liga, Roger Goodell.
Apesar das iniciativas e da evolução, uma realidade é clara: há desvantagens para os negros.
— Sabemos que essa desvantagem dos negros tem duplo aspecto. Imagina que tem uma corrida de um indivíduo branco e um indivíduo negro, e o ponto final é quanto eles vão ganhar no mercado de trabalho, o nível socioeconômico deles. A primeira desvantagem dos negros é que os brancos saem lá na frente nesta corrida, e os negros saem mais atrás, porque a classe de origem é diferente. O segundo aspecto é como se os negros carregassem uma mochila pesada, e os brancos não, e essa mochila é o peso da discriminação racial. Isso também vai ter um efeito sobre as oportunidades dos negros. Então, os negros sofrem uma dupla desvantagem — conclui André Salata, professor do programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUCRS.
A visão para uma nova realidade está em fase inicial no Brasil.
— O futebol brasileiro tem nas suas entranhas o racismo estrutural presente, desde sua origem. Atitudes como a da NFL são necessárias e importantes, mas estamos ainda numa pré-etapa. Reconhecer o futebol como um universo racista, de forma franca e aberta, é um fenômeno muito recente. Estamos ainda na fase de denúncias, de conscientização e de posicionamentos oficiais. É possível ir além, sim. Os primeiros passos estão sendo dados. O futebol é um potente multiplicador de causas com responsabilidade social. Promover a equidade e o respeito é dever, não favor. É isso também deverá passar pelos processos internos de qualquer clube — ressalta Najla Diniz, diretora de inclusão social do Inter.