É certo que o seu time de futebol tem, em campo, protagonistas negros. Na dupla Gre-Nal, Jean Pyerre e Edenilson entre as principais peças. E o mesmo ocorre com quase todos os clubes brasileiros. Mas o protagonismo fica nas quatro linhas. Fora delas, negros têm pouco espaço. Só há um técnico afrodescendente entre os 20 clubes da Série A: Jair Ventura, do Sport. Presidentes de clubes são, sem exceção, todos brancos. A falta de representatividade de minorias étnicas em posições de liderança no esporte é mais uma face do racismo estrutural — um conjunto de práticas institucionais, históricas, culturais e sociais que coloca um grupo étnico em posição desfavorável.
— A questão da representatividade negra menor em posições de liderança tem a ver com dois fatores. O primeiro fator é o efeito de classe. Há uma relação entre a classe em que a pessoa nasce e a cor, a classificação racial. Pessoas negras tendem a nascer em famílias com menos recursos. Isso as leva a ter menos escolaridade, isso leva a uma condição de menor prestígio no mercado de trabalho. E tem o segundo que é de raça mesmo, da classificação racial, do que a gente chama de discriminação. Pessoas com escolaridade semelhante, com experiência semelhante, acabam tendo oportunidades diferentes em função da sua classificação racial — analisa André Salata, professor do programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUCRS.
Os reflexos do racismo no esporte não se limitam ao Brasil — a questão étnica nos Estados Unidos é até mais acirrada. Ao mesmo tempo em que o ambiente de segregação cria dificuldades maiores na busca pela igualdade, deixa mais óbvia a necessidade da implementação de políticas afirmativas.
— Essa identidade racial nos Estados Unidos, por uma série de motivos, esse conflito racial tende a ser mais aberto. Portanto, isso cria condições políticas mais favoráveis para você justificar esse tipo de política — complementa Salata, pontuando as diferenças no impacto do racismo nos dois países.
Há, portanto, racismo estrutural nos dois países. É fato. Mas como atletas negros, nos EUA, conquistaram mais espaço fora das quadras na comparação com os jogadores afro-descendentes brasileiros? A reportagem de GZH conversou com especialistas em NFL e NBA para compreender como os avanços foram obtidos, nos EUA, e o que pode servir de referência para o jogadores e clubes de futebol brasileiros.
Um dos bons exemplos nos EUA é a NFL, liga profissional de futebol americano, que criou a chamada "Rooney Rule". A regra força os 32 times da liga a entrevistar candidatos de minorias étnicas — latinos e indígenas, por exemplo, também são incluídos na classificação — quando abrem a posição de técnico principal ou dirigente de alto patamar. A contratação não é obrigatória, mas as entrevistas inclinam os donos das franquias a conhecer melhor os profissionais e abrem novas oportunidades para que treinadores e dirigentes em ascensão tenham um espaço mais significativo para mostrar seu trabalho e personalidade.
Outro case de sucesso é NBA, a mais poderosa liga de basquete do mundo. Lá, a representatividade negra é muito maior — por questões culturais e históricas nos Estados Unidos, o basquete faz parte da construção de identidade da cultura afrodescendente no país. Por isso, ainda que não haja uma regra como na NFL para incentivar a contratação de minorias, jogadores usam sua força política dentro da organização para ter impacto na vida das comunidades de onde saíram.
Na temporada passada, quando o torneio foi retomado em uma bolha, na Flórida, em função da pandemia do coronavírus, as tensões sociais nos Estados Unidos eram fortes _ e os jogadores negociaram junto à liga para assegurar medidas práticas de combate ao racismo, além de ter mensagens sobre a busca por igualdade em suas camisetas e nas quadras. Um protagonismo impensável entre os futebolistas negros do Brasil.
Quando ainda estava na bolha, LeBron James, maior astro da NBA na atualidade, garantiu que a possibilidade de finalizar a temporada dava ao grupo uma plataforma para se fazer ouvir.
— Estar aqui nos deu força em números. É um produto de estar aqui, estar apto a usar esta plataforma, estar apto a falar sobre tudo o que está acontecendo fora da quadra. Todas as injustiças sociais, supressão do voto, brutalidade policial e assim por diante. Apesar de vivermos nisso e de ser um mundo pequeno no jogo de basquete, há muitas coisas em que você pode ter impacto. Você pode criar mudança e pode ter uma visão — declarou o astro do Los Angeles Lakers.
Nas matérias linkadas a seguir, veja como NBA e NFL permitiram que o prestígio dos atletas negros saísse das quadras e dos campos para outras esferas sociais.
Como qualquer mudança de grande porte, a Rooney Rule (Regra de Rooney) surgiu na NFL como uma resposta da liga a uma forte pressão da opinião pública.
Em 2002, o técnico Tony Dungy, do Tampa Bay Buccaneers, foi demitido mesmo com um aproveitamento positivo em seis temporadas à frente do time. Dennis Green também foi dispensado, pelo Minnesota Vikings, após ter a primeira temporada negativa em 10 anos no cargo. Leia a íntegra da matéria.
Os jogadores do Orlando Magic já estavam em quadra para a quinta partida nos playoffs da NBA contra o Milwaukee Bucks quando veio a confirmação de que não haveria jogo naquele 26 de agosto.
O boicote era uma forma de protesto após um homem negro ter sido baleado sete vezes pelas costas por um policial branco no interior de Wisconsin, Estado dos Bucks. Mais tarde, outros dois confrontos foram cancelados, e a temporada ficou paralisada por dois dias até ser retomada. Leia a íntegra da matéria.