A Seleção Brasileira deu o primeiro passo rumo ao sonhado hexa ao golear a Bolívia por 5 a 0, no Itaquerão, e depois venceu o Peru por 4 a 2, no Estádio Nacional de Lima, no início deste mês. E começou com o pé direito. Passadas duas rodadas, o Brasil lidera a competição pelo saldo de gols.
Em novembro, enfrenta a Venezuela, no dia 13, no Morumbi, e o Uruguai, no dia 17, em Montevidéu. Em um bate-papo que vai ao ar neste sábado, às 13h, no programa No Mundo da Copa, na Rádio Gaúcha, Tite comenta o início da trajetória, fala sobre Arthur e Everton Cebolinha, dá indícios de que pode dar oportunidade a um novo centroavante, elogia atletas da dupla Gre-Nal e até escolhe o seu melhor do mundo na temporada. Confira trechos da entrevista:
Foram duas boas vitórias contra Bolívia e Peru. Mais do que os resultados, o rendimento foi o que você esperava?
Para nós, começou a Copa do Mundo. Ficar um ano sem atividade gerou uma expectativa muito grande. E sobre o desempenho, foi acima da minha expectativa. Há, ainda, muito a evoluir, tenho consciência de que é um processo de evolução e confirmação. Vamos para os dois próximos jogos para confirmar o nível de atuação e resultado que tivemos. Agora, principalmente uma vitória lá contra o Peru, saindo com o resultado adverso e a equipe mesmo assim tendo a força para reagir, nos credenciam a ter dois bons resultados com duas boas performances.
Pela primeira vez após a Copa do Mundo foi possível perceber uma mudança na Seleção. Essa é a reinvenção que tanto se falou ou ainda é cedo para dizer isso?
A gente passa por um processo de afirmação. Falando em termos táticos, reinventar parece que é algo que vamos inventar de novo. Na verdade a gente se ajusta, se adapta. Por exemplo, o Renan Lodi é um jogador fundamentalmente ofensivo. Quando a equipe tem a necessidade de ser ofensivo, ele vai te dar armas para isso. O Neymar, onde a evolução dele se deu? É o Neymar do Santos? É o Neymar do início da Seleção Brasileira? Ou é o Neymar que ampliou a sua área de ação e virou um arco e flecha e não só flecha. Temos de entender tudo isso. O grande desafio do técnico é procurar montar uma estrutura que permita aos jogadores fazerem o seu melhor. Então, nesse ajuste de peças, o que nós tínhamos antes era o Paulinho como quinto homem de ataque. Hoje o quinto homem de ataque é o nosso lateral-esquerdo. Pode ser o lateral-direito? Pode. Mas é a necessidade desse nosso quinto homem de ataque dar uma liberdade mais criativa para o Neymar.
Você promoveu a volta do Arthur. Qual a expectativa em relação a ele?
Às vezes, a gente cria expectativas demasiadamente rápidas e altas e tem que se confirmar tudo. Voltando um pouquinho atrás, o Arthur do Grêmio teve uma projeção muito boa, muita alta, sendo um dos principais jogadores na conquista da Libertadores. Quando ele foi e nós visitamos o Barcelona, o que tinha lá? Uma expectativa baixa. Tudo o que tu fizeres a mais deslumbra. Temos de ter calma para a maturação do Arthur. Ele fez uma grande Copa América, foi um dos destaques da equipe, esteve na seleção da Copa América, mas no retorno ao Barcelona oscilou, teve algumas atitudes extracampo que o prejudicaram, ficou sem jogar por algum tempo e foi para Juventus. Está voltando a jogar e nós esperamos que ele reafirme aquele Arthur do Grêmio e da Copa América, da Seleção Brasileira.
O que você imagina da equipe sem o Philippe Coutinho, cortado por lesão?
Nos amistoso pós-Copa América, o Couto ficou no banco. Com outro modelo, com outra formatação da equipe. Lembro que em um dos jogos estava Cebolinha na esquerda, Gabriel Jesus na direita e Neymar e Firmino à frente, em um 4-4-2, com dois atacantes e o Coutinho no banco. Nós procuramos outros modelos, outras formas também. O que o Coutinho tem é que ele é um jogador versátil. Se pegarmos o Liverpool, ele jogava em um tripé de meio-campo, num 4-2-3-1, pelo lado. Na Seleção ele jogou pelo lado direito lá no início. Depois ele veio ser um meio-campista mais central no tripé. No Bayern, ele estava jogando como um meia-atacante central. Ele tem essas características. O que a gente procura, e o Paquetá entra nessas características, é um jogador que faça a função do meia-atacante mais criativo.
Sobre posicionamento, nós nos acostumamos a ver o Everton Cebolinha jogando pela esquerda, mas talvez não tenha espaço para ele na Seleção por ali. Onde ele pode brigar por posição?
A posição e a função do Cebolinha são as mesmas do Neymar. É lado esquerdo, aberto ou liberando ele para vir por dentro. O Renato fez isso muitas vezes com ele no Grêmio. Fez uma grande Copa América jogando dessa forma, foi o goleador da equipe, mas numa dinâmica um ponto diferente. Ele era agudo aberto, porque eu gostava da ideia de deixá-lo isolado para o um contra um. Por que eu trouxe ele para o lado direito? Conversando com ele, relatou que jogou por dentro, como meia, mas ao longo da carreira foi adquirindo a capacidade de jogar por fora e não tem problema em jogar do lado direito. Trouxe ele para a direita para treiná-lo, para ele se desenvolver. Não é o mesmo desempenho, mas tenho de ter um discernimento para saber que há um tempo de adaptação para que ele possa atuar ali.
O pensamento, então, é aquele do Zagallo na Copa do 1970: "Todos jogam na mesma posição, mas tenho de colocar todos no mesmo time"?
Desde que não prejudique o contexto e a individualidade. Confesso que no início do jogo contra a Bolívia, com ele pela direita, pensei que poderia estar prejudicando o Everton. Mas pensei que poderia externar publicamente e assumir essa responsabilidade. Nesse aspecto, eu tinha de respaldar o atleta. O gol que ele perdeu, não é culpa do técnico, é culpa dele. Mas o posicionamento mais aberto ou mais fechado é do técnico, porque ele não tem a mesma naturalidade desse lado. Fazer essa equação é um desafio.
Teve algum atleta de Inter ou Grêmio que você quase convocou, mas não pôde por falta de espaço no grupo?
Do Grêmio, a gente trouxe Geromel, Matheusinho, Luan. O Maicon estava numa lista de suplentes e tenho uma admiração enorme por ele. É um articular de muita capacidade. Toda vez que eu enfrentava o Maicon dizia que não podíamos dar espaço, porque se deixasse ele determinava o ritmo do jogo. O que o inviabilizou foi a idade e as lesões. O Edenilson também me sinto à vontade para falar, porque fomos campeões mundiais juntos (Corinthians). Comigo ele era lateral, depois virou meio-campista, foi para a Itália, retornou em alto nível. Trabalhamos em cima de perspectivas também. O Lomba tem feito grandes campeonatos. O Galhardo é um jogador que, quando estava no Vasco, a gente já comentava do potencial técnico. Agora goleador do Brasileirão, faz essa função do penúltimo homem, eventualmente o último. Em determinados setores temos um número excessivo de atletas que competem.
O que te preocupa mais quando fazem uma falta no Neymar: com a possibilidade de lesão ou com ele se desestabilizar?
O Neymar é visado, sim. É provocado, sim. E me faz lembrar um almoço que tive com o (Carlos) Bianchi, em 2014, quando ele estava no Boca. Ele falou da característica dos argentinos de provocar para desequilibrar facilmente os brasileiros. Fosse falando ou na pancada, o objetivo era tirar o foco do jogo. Tento passar isso para o Neymar. A busca dos adversários é irritá-lo ou inibi-lo. Mas é inevitável esse tipo de ação, tem sido na França assim também. Depende muito da lealdade dos adversários, e isso não temos como controlar. O que ele pode controlar e, é o conselho que dou, é manter o foco. Toda vez que ele fica focado em jogar ele será um diferencial muito grande. A rapidez de raciocínio e execução nas jogadas impressiona. Fico receoso em relação às lesões, mas fico torcendo sempre que ele fique focado no jogo.
Qual o segredo para se manter em alto nível por mais de 20 anos?
Um dia conversando com o Gilmar Dal Pozzo, técnico, que foi meu goleiro no Caxias, ele deu uma risada irônica e disse: "Tu és muito antenado". Perguntei o porquê. E ele disse que eu escolhia muito bem as pessoas para a minha comissão técnica. Eu disse que não tinha a condição de saber tudo, mas se eu trouxesse pessoas que têm profundidade nos seus conhecimentos, elas fortaleceriam todo o trabalho. Mas eu estudo também. Gosto do que faço, procuro me aprofundar. Isso me orgulha: no Veranópolis fomos campeões no 4-3-3, no Caxias no 4-4-2, no Grêmio no 3-5-2. E tem ainda a sintonia com departamento médico. Eles não vão determinar quem vai jogar ou não, mas dão informações para que tu possas interpretar e decidir. Agradeço, de coração, aos atletas que no início da carreira me aguentaram. Eu dava palestra de uma hora e 20 minutos. Hoje faço em 15 ou 20 minutos. Mas lá no início deveria ser um saco me aguentar.
O Neymar é o melhor da temporada e merece a Bola de Ouro?
Lewandowski, De Bruyne e Neymar. A temporada desses três foi impressionante. Vou pegar o critério do egoísta e dizer que o Neymar foi melhor por ser brasileiro, por estar próximo e querer o bem dele e que ele se desenvolva. Mas se der De Bruyne ou Lewandowski, não há argumentos para contestar.
Neste sábado tem Corinthians e Inter, dois clubes que marcaram a tua carreira. Vais acompanhar o jogo?
Tenho acompanhado os jogos. Antes da pandemia estive no Beira-Rio, visitei o centro de treinamento. Revi Guerrero, Edenilson, as pessoas todas com quem trabalhei, e o Inter tinha viajado, então só alguns atletas estavam por lá. Mas acompanho os grandes jogos, os atletas. O meu passatempo é ficar assistindo jogos, tirando os momentos de caminhada com a Rose.