Domingo passado, na final do Gauchão, o Rio Grande do Sul viveu sua última partida agendada para 2020 no âmbito regional. A partir de agora, o Estado terá apenas jogos em competições nacionais ou internacionais. Uma das consequências da pandemia foi a suspensão da Divisão de Acesso. A Terceirona caminha para destino parecido. Isso significará que o futebol, no RS, acabou em 2020.
Como acabou a esperança de torcedores de acompanhar seus times, mesmo que por radinho ou internet. Para além da paixão, há os aspectos econômico e humano do fim antecipado. GZH entrou em contatos com 16 clubes e chegou a um dado dramático: dos 515 profissionais empregados na Divisão de Acesso em 16 de março, data da paralisação, apenas 52 estão trabalhando. Sendo que alguns, inclusive, estão só concluindo contratos ou em auxílio-doença.
Ou seja: 10% conseguiu algo aqui no Estado ou fora dele (em clubes das séries B, C ou D) e 90% da mão de obra do principal esporte do RS está desempregada ou em outro ramo. É como se um mercado inteiro da economia tivesse terminado.
Atletas que até 16 março estavam correndo atrás da bola hoje são corretores de imóveis, motoboys, serventes, auxiliares de serviços gerais. Isso os que conseguiram se realocar. Grande parte está em casa ou em busca de sustento. Entre os treinadores, nenhum conseguiu emprego no futebol.
— Esse percentual é decorrência do momento do mundo como um todo. Se fosse um ano normal, estaríamos iniciando a Copa Ibsen Pinheiro por agora — aponta o presidente da Federação Gaúcha de Futebol (FGF), Luciano Hocsman.
A Copa, aliás, é a última esperança de futebol no Estado. É intenção da FGF organizar uma competição que dê vaga à Copa do Brasil, como motivação. Essa definição, porém, só é aguardada para a segunda metade de setembro.
Por enquanto, futebol no Rio Grande do Sul, só em fevereiro do ano que vem. Até lá, vão ser mais cinco meses de desemprego ou novas funções para os profissionais do esporte.
Dirigentes culpam calendário
Uma histórica característica das competições gaúchas é apontada como a responsável por o Estado ser o único a ter cancelado as competições de divisões inferiores. Atendendo a pedidos dos próprios profissionais do futebol, o RS tem por hábito iniciar a Divisão de Acesso enquanto ainda está ocorrendo o Gauchão. Isso aumenta o número de vagas de trabalho, segundo esses profissionais, uma vez que impede a migração em massa de quem jogou a primeira divisão para equipes da segunda.
Por já ter começado antes da chegada da pandemia, ficou impossível, de acordo com os envolvidos, seguir a Divisão de Acesso depois da paralisação. A retomada menos polêmica seria recomeçar a competição de onde parou. A FGF flexibilizou o prazo e abriu aos clubes o calendário para encerrar em campo quando possível, desde que fossem atendidas três exigências: cumprir as recomendações dos órgãos de saúde, ter a concordância das prefeituras para a realização de jogos e apresentar um protocolo de retreinamento.
Doze equipes disseram ser impossível cumprir. Com quatro interessados, ficou inviável dar sequência. A alternativa seria fazer como os paranaenses e mexer no regulamento — só que isso demandaria unanimidade, o que não ocorreu. O investimento inicial dos clubes (algo como R$ 300 mil a R$ 400 mil) e da FGF (em torno de R$ 2 milhões) foi por água abaixo.
Para o presidente do União-FW, Edson Cantarelli, uma das lideranças do Interior, se o campeonato não tivesse sido iniciado, seria possível pensar em uma versão mais enxuta. O dirigente lamentou o encerramento, mas ao menos garante ter conseguido honrar os salários em janeiro, fevereiro, março, junho e julho. Em abril e maio, os pagamentos foram por meio do programa do governo. Com nove meses de folha, será possível incluí-los em três meses de seguro desemprego.
— Acho que o União-FW até teria estrutura. Mas outros não. Estaríamos à mercê de surtos, e com pessoas do grupo de risco. Se perdêssemos alguém, me sentiria culpado. Não poderia conviver com isso — resume Cantarelli.
Como outros estados fizeram para preservar a disputa da Segunda Divisão
É claro que, para São Paulo, um centro notadamente mais rico, seria fácil manter as competições mesmo com esse cenário imposto pela pandemia. Mas outros Estados com condições semelhantes (ou até piores) do que o RS também confirmaram campeonatos. Haverá segunda divisão em Santa Catarina, Paraná, Rio, Minas Gerais, Bahia e Ceará, por exemplo.
Os paranaenses têm situação parecida com a dos gaúchos: dois clubes na Série A, dois na B, um na C e dois na D. A população, na casa dos 11 milhões, também é semelhante. O PIB de ambos passa da casa dos R$ 400 bilhões. A diferença é que eles confirmaram a segunda divisão estadual e trabalham para organizar uma terceira.
Para isso, a Federação Paranaense de Futebol (FPF) propôs uma mudança no regulamento do campeonato, previsto para abril com 19 datas — agora terá 13. A federação fez um investimento avaliado em R$ 250 mil que envolvem o pagamento de taxas de arbitragem, registros gratuitos de até 25 atletas por time. Também está intermediando as negociações com laboratórios que realizem testes de covid-19, mas os exames serão pagos pelos clubes.
— Os clubes se prepararam. E se não realizássemos, já teríamos problemas. Existe uma gama de pessoas envolvidas, que dependem disso. Aqui, foi o contrário do que aconteceu aí. Aqui os clubes forçaram para voltar — comenta o presidente da FPF, Hélio Cury.
* Colaborou Eduardo Castilhos, jornalista de GZH