Quase 3 mil pessoas vivem do futebol no Rio Grande do Sul, entre os 48 clubes inscritos nas três divisões estaduais. Com esse cálculo, economistas apontam que cerca de 12 mil pessoas, pelo menos, dependam da bola para pagar as contas e sobreviver, entre familiares e dependentes. Neste cálculo estão contabilizados apenas quem tem carteira assinada. Trabalhadores eventuais, como porteiros, bilheteiros, maqueiros, gandulas, vendedores ambulantes, seguranças e agentes de saúde não entram no levantamento. A seguir, conheça histórias desses trabalhadores em tempos de pandemia.
Massagista sem pernas para "consertar"
Pode-se dizer que José Carlos Maragno Gruber (na foto acima), o Seu Zé Gruber, dedica sua vida ao São Luiz. É no clube de Ijuí que vai há mais de 50 anos, praticamente todos os dias, cuidar das pernas dos jogadores. Massagista da equipe desde 1959, nunca ficou tanto tempo ser ir ao Estádio 19 de Outubro. Afastado, por ser do grupo de risco, passa entediado, no máximo arriscando uma caminhada.
– É brabo isso, é o dia inteiro em casa, homem! – brada, com o sotaque típico da região noroeste do Estado.
Aos 79 anos, conta os dias para voltar às atividades. Sua história se confunde tanto com a do clube que chegou a ser matéria em ZH quando o São Luiz decidiu com o Inter o primeiro turno do Gauchão de 2013. Sete anos depois, tem saudade daqueles dias de agito e emoção.
– Sinto falta do dia a dia do clube, do serviço, de fazer qualquer coisa – lamenta.
E não vá pensar que ele se fardou para aparecer na foto que o traz de volta às páginas do jornal, desta vez por uma razão triste, e não pela expectativa de um título que até não veio, mas serviu para dar ao clube o troféu de campeão do Interior naquela temporada. A camisa do São Luiz é sua vestimenta preferida, desfila com ela pela cidade. Quer dizer, quando pode, né? Porque mesmo com quase oito décadas de vida, Zé Gruber viveu para ver o mundo parar por conta de uma doença.
– Nunca pensei que fosse passar por isso na minha vida.
O roupeiro que não tem a quem vestir
O Tupi dá uma bela força na vida de Elton Ruppenthal. Aos 52 anos, o apaixonado por futebol, ex-jogador, dirigente e tudo mais na várzea encontrou no clube não só uma forma de se sustentar, mas também uma moradia. O Estádio Rubro-Negro, em Crissiumal, é a casa do roupeiro que agora não tem atletas para vestir os uniformes.
Não faz muito, inclusive, que se encontrou na profissão. Até dois anos atrás, buscava seu sustento na cidade pulando de bico em bico, principalmente ligado ao campo. O famoso “pegava a enxada e ia capinar”. Porém, sua paixão por futebol e alguns contatos com a direção ajudaram a mudar de rumo. E encontrou nova vocação convivendo com os atletas.
O vestiário do estádio guarda os uniformes rubro-negros que só foram usados três vezes em 2020. A Divisão de Acesso parou e sua demanda de trabalho também. Por morar no estádio, acaba cuidando da casa do clube que o acolheu.
– Agradeço aos diretores que me deram essa oportunidade de morar aqui. Se tivesse que pagar aluguel, não sei como faria – comenta.
Elton entrou no programa emergencial do governo. De vez em quando, consegue algum trabalho extra para ajudar. Tem duas filhas, mas ambas já são adultas e moram na Serra. O sustento é mais para si mesmo. Agora, aguarda a decisão sobre uma eventual retomada da Divisão de Acesso para poder voltar a fazer o que gosta:
– Vivi no futebol minha vida inteira e tem sido muito difícil esse período sem poder trabalhar. Queria que passasse rápido.
A solitária do Farroupilha
O ideal é não repetir informação em um mesma reportagem, mas nesse caso é importante: Olgair Dias de Oliveira não gosta de futebol. A Dona Olga, como é conhecida, garante não ter ido mais do que três ou quatro vezes até o campo do Estádio Nicolau Fico, a casa do Farroupilha, onde trabalha, entre idas e vindas, há mais de 20 anos.
– Eu nem sou do Fragata, moro no centro e venho para cá todos os dias – diz.
Fragata, o bairro mais populoso de Pelotas, é onde está localizada a sede e que virou uma espécie de extensão. Quando alguém fala no Farroupilha no sul do Estado, quase sempre acompanha por “O Fantasma do Fragata”. Por isso, as afirmações sobre não gostar de futebol e não ser do bairro são ainda mais relevantes.
Para dona Olga, o futebol nem diversão é. Em seu caso, ainda que nutra admiração pelo clube e use palavras respeitosas para falar de todos, o esporte é, mesmo, um emprego. Ela vai todos os dias para ajudar a manter o clube. Precisa estar lá para receber as mensalidades dos bravos associados que ainda pagam em dia.
- Alguns já não gostam muito de pagar, se chegam aqui e não tem ninguém, daí realmente não voltam - aponta.
Também organiza a secretaria, paga as contas e cumpre as burocracias. O salário nem sempre cai no dia, ela entende, faz parte. Mas ele ajuda a complementar a renda da família.
Campeão gaúcho de 1935, quando ainda era um clube do exército (e recebia o nome de 9º Regimento), o Farroupilha atualmente está na terceira divisão estadual e pena para se manter vivo em meio à crise. Precisou mandar para casa a maior parte dos atletas, dispensou momentaneamente a comissão técnica e quase qualquer serviço é feito pelos próprios dirigentes.
E, claro, por dona Olga. Logo ela, que nem gosta de futebol e nem mora no Fragata.