As experiências que tiveram Riograndense e Novo Hamburgo não foram as primeiras de Garrincha com um clube do Rio Grande do Sul. Um ano e quatro meses antes, o 14 de Julho, de Passo Fundo, havia contratado o craque para que ele participasse de um amistoso contra o Atlântico, de Erechim. Era um esquema semelhante ao que seria registrado nos dois jogos do ano seguinte: o craque figuraria como astro maior em uma única partida.
Uma curiosidade: nem 14 de Julho, nem Atlântico têm departamento de futebol profissional atualmente. Enquanto os passo-fundenses ensaiam um movimento de retorno, os erechinenses se firmaram como uma das grandes potências brasileiras no futsal, deixando o futebol de campo de lado.
Mas, 51 anos atrás, havia uma certa rivalidade, inclusive pela proximidade das cidades. Contra o vermelho e verde do Atlântico, Mané vestiu o vermelho e branco do 14 de Julho.
Segundo o jornalista Lucas Scherer, autor do Anuário do Futebol de Passo Fundo, uma obra que reúne todas as partidas disputadas pelos times do município, Garrincha foi buscado em Porto Alegre no domingo, dia do jogo, pelo então presidente do clube, Hilário Rebechi. Ele almoçou na casa do mandatário, em um evento que contou com a presença do prefeito Mário Menegaz e do bispo Cláudio Colling.
Depois da refeição, rumou para o Estádio Celso Fiori, que hoje já não existe mais. E não teve uma de suas jornadas mais inspiradas. Pouco tocou na bola, pouco foi acionado, pouco driblou. Scherer colhe um relato da época dizendo que, na única jogada digna de registro que provocou, Garrincha conseguiu acertar a trave. Ficou em campo por 40 minutos. E chegou a ser vaiado. O Atlântico venceu por 1 a 0.
— Eu era juvenil do 14 de Julho, fui ao jogo e lembro. A cidade estava em polvorosa, acompanhou o craque desde a sua chegada. O estádio ficou lotado. Mas ele não estava bem, não conseguiu empolgar. Passados alguns dias, começaram a aparecer alguns boatos de que ele tinha bebido muito no sábado, e a consequência foi aquele domingo ruim – diz Carlos Alberto Romero, atual presidente da Associação dos Torcedores do 14 de Julho.
A má atuação abriu caminho para outro boato, ainda naquele domingo do jogo – o de que Garrincha poderia ser preso, em Passo Fundo mesmo, caso não repassasse para Nair Marques, sua primeira esposa (com quem teve oito filhas), o cachê de 2 mil cruzeiros novos (R$ 40 mil, em valores atualizados). Scherer conta que emissoras de rádio de Rio de Janeiro e São Paulo alertavam para uma possível detenção do jogador, devido ao não pagamento de pensão para os rebentos. A imprensa local noticiou: “Garrincha, procurado pela Justiça, poderá ser preso, segundo despacho do juiz da 6ª Vara de Família do Rio de Janeiro, Aureo B. Carneiro. Ele poderá ficar até três meses recolhido à Penitenciária Lemos de Brito”.
No fim, nada disso ocorreu. Garrincha não chegou a ser preso, mas o alcoolismo, o ostracismo e o abandono acabaram privando-o de seguir a vida como ídolo da nação. Quando esteve no Rio Grande do Sul, ele já não era mais o irreverente ponta que chamava os adversários de “João”, tendo comparado a Tchecoslováquia, adversária da final da Copa do Mundo de 1962, ao time do São Cristóvão-RJ.
Para os gaúchos, Garrincha foi reverenciado — antes dos jogos, pelo que fizera no passado. Era já um um homem triste, enfrentando seus maiores problemas. Alegria do povo, só mesmo a escrita em sua lápide, no cemitério de Magé, onde seu corpo descansa desde 20 de janeiro de 1983.