O Beira-Rio havia sido inaugurado pouco menos de três meses antes. Já tinha recebido Eusébio, Pelé e Figueroa. Faltava Garrincha deixar suas pegadas tortas no gramado.
O Teatro Leopoldina havia sido inaugurado pouco menos de seis anos antes. Localizado na esquina da Avenida Independência com a Rua João Telles, tornou-se uma casa tradicional, com um clássico piano de cauda e um andar inferior perfeito para fazer festas luxuosas. Já tinha recebido alguns dos principais artistas brasileiros. Faltava Elza Soares.
Na primeira semana de julho, Beira-Rio e Teatro Leopoldina abrigaram as duas celebridades. Com uma diferença: enquanto Elza podia se resguardar e conservar sua voz potente, Garrincha precisava treinar. Segundo as edições daquele período de Zero Hora, ele estava três quilos acima do peso ideal.
Por isso, ficou uns dias treinando com os colorados, no Estádio dos Eucaliptos. Percebendo a oportunidade, o Esporte Clube Novo Hamburgo resolveu se adiantar. Ofereceu 2 mil cruzeiros novos (em valores corrigidos e atualizados, algo como R$ 30 mil) para que Garrincha jogasse pelo clube um amistoso que faria contra o Inter em 2 de julho. O craque ficou animado. A ponto de cogitar voltar à Seleção na Copa do Mundo do México, que seria disputada no ano seguinte.
A ZH, Garrincha sugeriu que Jairzinho fosse escalado centralizado no ataque, o que abriria um lugar para ele na ponta direita. Na mesma entrevista, garantiu que não estava fora de forma e que em pouco tempo poderia atuar em alto nível. Afirmou ter recebido proposta de um grande clube italiano, mas que não a aceitaria por causa do sonho de ser tricampeão mundial pela Seleção. Disse que poderia assinar contrato com o Grêmio, que buscava um ponteiro. Mas nada se concretizou. Elza deu apoio ao parceiro. Ao jornal, reforçou sua confiança e prometeu acompanhá-lo na Europa caso decidisse aceitar a proposta.
Após assinar compromisso com o Novo Hamburgo para esse jogo único, Mané foi treinar também no Estádio Santa Rosa, a antiga casa do clube no Vale do Sinos. Lá, recebeu de presente uma camisa. E, na noite de 3 de julho, alcançou algo inédito até então (e poucas vezes visto até hoje): vestindo azul, foi aplaudido de pé pela torcida do Inter.
— Ele fez um bom coletivo, marcou gol. Então convenceu o treinador de que poderia jogar. Na cidade, ficou com boa fama. Tomou café no Avenida, um lugar tradicional da época, e foi simpático, conversou com as pessoas. Ganhou uma força do Bira, que era de Novo Hamburgo mas saiu cedo para jogar no Botafogo no início da década. Eles ficaram amigos. Isso ajudou também na partida — conta Rafael Weber, uma das memórias do clube e atual vice-presidente de patrimônio.
Pelo relato de ZH, Garrincha buscou os dribles, sempre em cima de Jorge Andrade, o lateral-esquerdo colorado. Teve sucesso algumas vezes, fez bons cruzamentos e deu até um bom passe para Dirceu chutar na trave. Mas, apesar das fintas e do esforço, pouco pôde fazer para, em 60 minutos em campo, evitar a vitória do Inter por 3 a 1 naquela que foi a estreia do Novo Hamburgo no novo estádio da Capital.