Um dia depois do incêndio que matou 10 jovens promessas da base do Flamengo, o país inteiro segue se perguntando de quem é a culpa de tamanha tragédia. Espero que as autoridades sejam fortes dentro da lei para levar luz aos fatos e que sejam revelados os possíveis réus deste processo. Nossa sociedade não aguenta mais impunidade.
Diz a letra da canção: "o acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído", e esse parece ser o lema de um país onde não há nenhuma cultura de risco e prevenção. Aliás, se todas as autoridades e instituições que vem prestando condolências às famílias dos atletas do Flamengo, aos familiares de Brumadinho e tantos outros "pseudo acidentes" agissem em favor da prevenção, da redução de riscos com leis, regras e rigor, talvez hoje estaríamos falando de futebol.
E por falar em futebol, o que aconteceu no Ninho do Urubu poderia ter acontecido em qualquer outro clube brasileiro. A grande maioria das categorias de base vive em situações abaixo do aceitável: alojamentos caindo aos pedaços, saneamento básico relativo, alimentação irregular (um clube grande alimentava seus atletas com salsichas e biscoitos) e zero cultura de prevenção a riscos.
Há no "país do futebol" uma cultura de se romantizar a falta de respeito dada às categorias de base. Ela nasce e é incentivada pela turma do "futebol testosterona" dentro dos clubes e por muitos ex-boleiros que trabalham junto aos jovens e que repetem como mantra o "No meu tempo não tinha essa mordomia toda não".
O CT de Cotia do São Paulo FC muitas vezes é criticado por essa turma por ter uma infraestrutura diferenciada, com muita qualidade e profissionais de primeira linha. Dizem que estão "mimando demais" aos jogadores e eles saem "sem alma" da base. Essa cultura sustenta que jogador tem que "sofrer" na base para se tornar um "guerreiro" no profissional.
Em um país que ainda não se livrou das correntes escravagistas em nossas relações pessoais, pensar que para formar um jovem profissional ele precisa "comer o pão que o diabo amassou" é revoltante. Ainda mais sabendo que pouquíssimos daqueles jovens vingarão como profissionais e sempre são vistos como um "ativo financeiro" do clube, do empresário e até mesmo da família, que tem que aceitar essa cultura em nome de uma chance de mudar de vida.
E é assim que vamos construindo nossa nação. Em cima de deslizamentos, enchentes, incêndios, demolições e desastres. Descasos. A maioria poderia ter sido evitada. Uma tragédia sucede a outra e nossa inércia nos conduz a ter espasmos de revolta nas redes sociais. Choramos e já estamos prontos para a tragédia do dia-a-dia, que não é pouca.
Que sirva pelo menos para que nos olhemos no espelho e tenhamos consciência: a responsabilidade disso tudo é nossa. Não adianta só votar, tem que participar, cobrar e exigir. Não adianta só torcer, tem que levar valores do esporte para a vida. Não adianta só rezar, tem que ter empatia e compreensão com os que mais precisam. Se não, vamos terminar cantando a vida inteira Epitáfio dos Titãs e a culpa sempre será dos outros.