Ricos, famosos, atléticos, badalados. Essa é uma combinação comum aos jogadores dos grandes clubes de futebol do Brasil. É o que embala sonhos de crianças que querem se transformar em ídolos. Por trás dessas luzes da indústria que virou o futebol, no entanto, há sombras que sufocam seus nem sempre iluminados protagonistas.
O caso envolvendo o atacante Nilmar, ex-Inter, no ano passado, que assumiu sofrer de depressão, trouxe o assunto à tona. O jogador havia voltado de duas temporadas no Al-Nasr, clube dos Emirados Árabes Unidos. Viveu com a família na nababesca Dubai. Está com a vida financeira organizada após uma carreira em grandes times do Brasil, como Inter e Corinthians, além de passagens pela Espanha (Villarreal) e pelo mundo árabe. Aos 33 anos, parecia pronto para apenas desfrutar do futebol quando se acertou com o Santos, em julho de 2017. Só parecia.
Foram só dois jogos e 39 minutos em campo. Até que foi afastado antes de uma partida, no final de setembro. Publicamente, por causa de conjuntivite. Dias depois, no entanto, o clube revelou a verdadeira razão: Nilmar estava com depressão, sem prazo para retomar as atividades. O atacante voltou a Porto Alegre, recolheu-se com a família e teve apenas duas aparições públicas neste ano. A primeira, em um jantar comemorativo aos 10 anos de D’Alessandro no Inter. Na ocasião, em uma entrevista coletiva improvisada, abordou pela primeira vez o tema.
— Foram três ou quatro meses complicados de uma situação nova, que muitos jogadores vivem no futebol e que não é exposta. Ainda mais por sermos homens. No início, tive dificuldade de expressar, mas o tratamento ajuda. Hoje, estou bem, mas não foi fácil, não. A imagem que passa para o torcedor é de que a gente tem tudo, é famoso, tem dinheiro. Não é assim. Eu também me perguntava por quê. Mas quem manda é o homem lá de cima — disse, à época.
Segundo amigos, Nilmar concedeu a entrevista porque foi pego de surpresa. Ainda não está pronto para aprofundar-se sobre o tema. Sintomas da doença apareceram em uma manhã. Ele acordou e sentiu um mal-estar. Fazia dias que estava com sinais da depressão, mas não havia percebido. Primeiro, foram dores musculares e o cansaço dos treinamentos na volta ao Brasil. Depois, veio um desconforto com as exigências de intensidade na marcação e aplicação tática além dos limites físicos impostos pelos 33 anos e pelas duas cirurgias de reconstrução dos ligamentos cruzados anteriores dos joelhos. Após entrar no segundo tempo em dois jogos, o atacante procurou ajuda do psicólogo.
Queria entender as razões de sua melancolia. Foi quando recebeu o diagnóstico que mudou sua vida.
Trata-se de um inimigo silencioso, que assola a sociedade. Segundo a Organização Mundial de Saúde, 11,5 milhões de brasileiros sofrem de depressão. A doença não discrimina ninguém. Nem mesmo ídolos que, para muitos, passariam incólumes. Em meio ao preconceito que norteia os comportamentos no futebol, o tema ainda é velado. Mas começa a sair do fundo das gavetas dos vestiários.
— Os atletas estão falando mais sobre isso. Acredito que antes havia um preconceito maior. Trata-se de um universo em que existe bastante cobrança. Por isso, é propenso a desenvolver determinados transtornos — diz a psicóloga do esporte Camila Salustiano.
A verdade é que o futebol brasileiro ainda está pouco preparado para cuidar da saúde mental dos seus jogadores. Como a Lei Pelé obriga a presença de psicólogos apenas nas categorias de base, boa parte dos clubes negligencia a questão com os profissionais. Mas é na fase adulta que geralmente ocorrem as mudanças vertiginosas de status social, com maior assédio da imprensa, o aumento da pressão por resultados e a rotina estressante de jogos, treinos, viagens e concentrações — que tornam os jogadores propensos à depressão.
— O futebol tem vários fatores estressantes: a questão da alta performance, de o atleta estar sempre vivendo no limite, dando o máximo. Esse estresse muitas vezes leva à depressão — aponta Dionisio Banaszewski, psicólogo do Atlético-PR.
O clube paranaense é um dos cinco, entre os 20 times da Série A do país, a contar com psicólogo exclusivo ao time principal. O profissional de saúde mental faz parte da comissão técnica, usa uniforme do clube e vai para o gramado na hora do treino. Banaszewski aponta ainda a crise de identidade como outro fator determinante para o jogador de um grande clube ficar vulnerável. É como se o profissional se apoderasse da identidade do indivíduo.
— A profissão exige empenho grande. Demanda que o atleta abra mão de um monte de coisas. Ele passa a viver basicamente o papel profissional, vive muito a persona, sua imagem pública, e pouco o indivíduo em si. Toda vez que se vive muito a persona, o individual fica de lado. Quando isso acontece, ele pede socorro de algum modo. A depressão é uma dessas formas — diz o psicólogo.
Foi o que aconteceu com Nilmar e, entre outros casos, com o ex-meia do Inter Alex, 36 anos. A pressão e a dificuldade de conviver com algumas práticas do futebol derrubaram o canhoto, campeão da Libertadores pelo clube gaúcho. Já o ex-meia Pedrinho, 41, que fez sucesso com o Vasco, e, mais recentemente, o atacante Thiago Ribeiro, 32, hoje no Londrina, sucumbiram. Deixaram o glamour dos grandes jogos para viver à sombra da fama construída anteriormente.
— Ainda estou esperando o 7 a 1 da psicologia. A goleada que o Brasil sofreu na Copa do Mundo de 2014 foi o marco na questão do uso da estatística no futebol brasileiro. Serviu para deflagrar uma grande mudança. Já o cuidado com a saúde mental do atleta, que há 20 anos está inserida na comissão técnica da Alemanha, isso ainda não chegou aqui — lamenta o psicólogo Maurício Marques, diretor da Associação Brasileira de Psicologia do Esporte.
Quem tem psicólogo?
Dos 20 clubes da Série A do Brasileirão, 12 não contam com profissional para o time principal. São eles:
- Bahia
- Botafogo
- Ceará
- Chapecoense
- Corinthians
- Cruzeiro
- Grêmio
- Inter
- Paraná
- Santos
- Sport Recife
- Vitória
O Sport Recife contava com um psicólogo, mas ele saiu à época da demissão do técnico Nelsinho Baptista, em abril. Já o Cruzeiro, que também integra o time dos 12 que não têm psicólogo, é atendido por um coach que atua na área de suporte emocional e faz acompanhamentos individuais.
Entre os outros oito clubes, cinco têm um psicólogo exclusivo para o grupo profissional de jogadores:
- Atlético-MG
- Atlético-PR
- Flamengo
- São Paulo
- Vasco
Dois contam com psicólogos que atendem simultaneamente profissionais e jogadores das categorias de base:
- Fluminense
- Palmeiras
O América-MG é o único que tem psicólogo "por demanda". Ou seja, um profissional da área atua como colaborador; ele é chamado para fazer o atendimento no clube quando necessário.
O mundo ficou cinza para Alex Raphael Meschini justamente quanto ele estava em um lugar no qual se sente iluminado. O então meia do Inter estava em Garopaba curtindo as férias, no final de 2016, quando a conta pesada do futebol chegou. Alex lembra dia e local exatos. Era tarde de 16 de dezembro. Estava estacionado na estrada de acesso a Garopaba, a poucos metros da BR-101, à espera dos pais e da família do irmão, que chegariam à praia catarinense para emendar alguns dias de folga com as festas de fim de ano naquele início de verão. O celular tocou, e ele atendeu. Era seu empresário, Luis Carlini. Leia na íntegra.
Thiago Ribeiro sempre foi um atacante de velocidade e drible, que arrancava para cima dos zagueiros e, geralmente, deixava-os para trás usando sua força muscular. Só que, em outubro de 2014, acordou sentindo-se desanimado, com um cansaço inesperado. Acreditou ser algo passageiro, afinal, finalizava o trabalho de recuperação de uma lesão muscular e já treinava com o preparador físico. Faltava pouco para retornar ao time do Santos e ficar à disposição do técnico Enderson Moreira. Só que os dias passaram e a melancolia seguia, insistente. Leia na íntegra.
Aos 21 anos, Pedrinho era campeão da América pelo Vasco, alvo do assédio do Milan, estava cotado para jogar a Olimpíada de Sydney/2000 e vestiria a camisa da Seleção Brasileira de Vanderlei Luxemburgo, ao lado de Rivaldo, Emerson e Cafu. Dois dias antes de se apresentar para o amistoso contra a Iugoslávia, em São Luís, em 1998, o talentoso meia levou a pior em carrinho estabanado de um zagueiro do Cruzeiro. Rompeu o ligamento cruzado anterior do joelho direito. Sua mãe, três meses antes, havia sofrido um AVC. Naquele momento, começava um calvário que desaguaria, quatro anos depois, numa depressão profunda. Leia na íntegra.