Aos 21 anos, Pedrinho era campeão da América pelo Vasco, alvo do assédio do Milan, estava cotado para jogar a Olimpíada de Sydney/2000 e vestiria a camisa da Seleção Brasileira de Vanderlei Luxemburgo, ao lado de Rivaldo, Emerson e Cafu. Dois dias antes de se apresentar para o amistoso contra a Iugoslávia, em São Luís, em 1998, o talentoso meia levou a pior em carrinho estabanado de um zagueiro do Cruzeiro. Rompeu o ligamento cruzado anterior do joelho direito. Sua mãe, três meses antes, havia sofrido um AVC. Naquele momento, começava um calvário que desaguaria, quatro anos depois, numa depressão profunda.
Pedrinho rompeu outras duas vezes o ligamento cruzado anterior. A primeira em um jogo-treino, ainda em recuperação da cirurgia inicial. A outra no final de 2001, já pelo Palmeiras. Fez três cirurgias e, entre elas, colecionou lesões musculares. Tudo isso minou seu equilíbrio emocional. Os problemas de saúde dos pais, que o criaram em Vista Alegre, bairro de classe média-baixa da zona norte do Rio, ajudaram a compor o cenário para a depressão.
— O que desencadeou a depressão não foi um episódio. Foi um acúmulo de problemas. É como se houvesse um botãozinho, um gatilho. Quando ele dispara, você se transforma em outra pessoa na hora. Eu me tornei completamente diferente — conta Pedrinho, hoje aos 41 anos, aposentado do futebol desde 2009.
O tempo e a maturidade ajudaram o ex-meia a entender o furacão emocional que o engolfou por quase três anos. Também colaboraram para que avaliasse a dimensão e o grau da sua depressão. Pelas palavras de Pedrinho, ela foi devastadora.
— Se você me perguntar o que foi mais grave na minha carreira, eu digo: foi a depressão. Ter rompido o ligamento três vezes não foi pior. Há estágios de depressão. No meu caso, foi profunda e grave — descreve.
Pedrinho sofria em silêncio. Criou mecanismos para seguir no dia a dia do clube. Sempre teve o hábito de ser um dos primeiros a chegar ao treino. No Palmeiras, geralmente encontrava o vestiário vazio. Nesses períodos, sozinho, desaguava sua tristeza chorando. Quando os companheiros começavam a chegar, ele corria para lavar o rosto e subia para o campo. Ao final da atividade, era tomado por uma angústia sem fim. Bastava ouvir o apito final para correr de volta para o vestiário. Era o primeiro a tomar banho e a deixar o Centro de Treinamentos. Evitava o contato com os companheiros. Sentia vergonha do seu estado clínico. O medo de ser vítima de preconceito, tão arraigado no futebol, o assombrava.
Esse sofrimento solitário acabou quando Luxemburgo fitou-o em um treino. O técnico acabara de voltar ao Palmeiras. Logo percebeu que havia algo estranho com o meia convocado por ele três anos antes.
— Cara, você está com problema. Isso não está certo. Eu vou chamar a (psicóloga) Suzy Fleury — abordou-o.
Não se pode dizer que o encontro de Pedrinho com Suzy foi uma conversa. Simplesmente porque o paciente passou a sessão inteira calado.
Dali, ele foi direto para o consultório do psiquiatra Antônio Hélio Guerra. O prazo inicial era de duas a três semanas de medicação e, caso o quadro se mantivesse, partiriam para uma internação. Mas o tratamento foi mais longo. Durou quase três anos. Em determinado momento, Pedrinho tomava 14 comprimidos diários. Seguia as recomendações com disciplina. A mesma com que conduzia a carreira. Sempre foi obcecado pelos treinos. Por vezes, chegava em casa com a sensação de que deveria ter suado mais. Compensava na academia ou correndo na esteira.
A equação do tratamento contra a depressão e a devoção aos treinos, no entanto, passou a não fechar. Pedrinho começou a se cansar mais rapidamente. Acreditava que era consequência de pouco trabalho. No dia seguinte, se empenhava mais. E ficava mais cansado. Até que, um dia, observando os frascos dos remédios, percebeu que os medicamentos reduziam sua resistência. Sentia-se seguro emocionalmente, mas frustrado com sua queda física. Sozinho no seu apartamento em São Paulo, teve uma conversa franca consigo mesmo.
— Ou eu tomo os remédios e não jogo mais futebol, ou jogo futebol e não tomo mais os remédios — pensou.
Depois de alguns segundos silenciosos e tensos, decretou:
— É agora, cara, não coloco mais um comprimido na boca.
Hoje, Pedrinho alerta para a gravidade da sua decisão. Os pacientes em tratamento contra depressão jamais podem, por conta própria, interrompê-la. Há o que os médicos chamam de "efeito rebote". Ou seja, ao parar com os medicamentos, é elevadíssimo o risco de a depressão voltar galopante e avassaladora.
O ex-meia manteve em segredo sua decisão. As irmãs e a mulher se engajaram tanto em sua recuperação que sabiam de cor a escala horária dos comprimidos. Quando elas estavam por perto, ele colocava as pílulas sob a língua, tomava a água e, quando elas piscavam, cuspia fora.
Só que Pedrinho precisou fazer uma pequena intervenção no joelho, para correção na patela. Era algo rápido, sem gravidade, mas que exigia hospitalização. No hospital, durante a visita, sua mulher e as irmãs ministraram a medicação. Foi quando ele teve de contar: havia cinco meses que o tratamento fora interrompido. As duas se sentiram traídas. Afinal, sofreram com ele em todo o processo.
— Só eu sei o quanto estava sofrendo fisicamente — justifica hoje, 16 anos depois.
Pedrinho teve a sorte de a depressão nunca mais ter voltado. No ano seguinte, trocou o Palmeiras pelo Santos. O fisioterapeuta Nilton Petroni, o Filé, descobriu que a causa de suas lesões era um desequilíbrio muscular no quadril. Em 2005, Pedrinho foi campeão paulista atuando em 18 partidas. Jogou duas vezes na Arábia Saudita e ainda voltou ao Vasco antes de encerrar a carreira. Hoje, aos 41 anos, mantém uma vida ativa. Pratica exercícios, curte a família e cuida dos negócios que amealhou na carreira. O futebol, diz, fica restrito aos comentários em eventuais programas de TV e às peladas com os amigos. Ao olhar para trás, tira uma conclusão:
— Tem atletas ali que podem ter passado por coisas piores do que eu, mas são caras mais casca grossa.
A depressão, apesar do estrago que fez, ajudou Pedrinho a se conhecer — e a conhecer seus limites.