Thiago Ribeiro sempre foi um atacante de velocidade e drible, que arrancava para cima dos zagueiros e, geralmente, deixava-os para trás usando sua força muscular. Só que, em outubro de 2014, acordou sentindo-se desanimado, com um cansaço inesperado. Acreditou ser algo passageiro, afinal, finalizava o trabalho de recuperação de uma lesão muscular e já treinava com o preparador físico. Faltava pouco para retornar ao time do Santos e ficar à disposição do técnico Enderson Moreira. Só que os dias passaram e a melancolia seguia, insistente.
— Pensei: "Não estou muito legal, mas é só um mal-estar, logo vai passar" — conta o atacante, hoje com 32 anos e disputando a Série B pelo Londrina.
Não passou. Então Thiago procurou a psicóloga do Santos. À época, o clube contava com uma profissional que dava expediente diário no vestiário, sempre atenta a qualquer sinal de desequilíbrio emocional dos atletas. A conversa foi rápida. Thiago saiu dali direto para o psiquiatra. E, de lá, foi para casa com a prescrição de três medicamentos e ordem para seguir o tratamento à risca. O atacante adquirido um ano antes junto ao Cagliari-ITA, por 3 milhões de euros, estava com depressão.
No início, Thiago escondeu a doença. Até porque nem ele próprio entendia o que roubava sua energia. Foram nove meses de tratamento. Tomava de dois a três medicamentos diários. Mesmo sem notar qualquer sinal de melhora. Por outro lado, percebia o declínio físico em campo. Saía dos treinos esgotado. Jogar aos domingos e às quartas-feiras virou um martírio. Exigia-lhe um esforço hercúleo, fosse um jogo desinteressante do Paulistão ou um clássico nacional pelo Brasileirão.
— Comecei a me sentir meio estranho, sem vontade. Tudo aquilo de que gostava de fazer, de repente, começou a perder o sentido — conta.
Filho único, nascido numa cidade de 3 mil habitantes próxima a São José do Rio Preto, a pequena Fonte Gestal, Thiago se sentiu perdido. Logo ele que havia saído de casa cedo para jogar no Rio Branco, de Americana, e com 18 anos, já estava no Bordeaux, da França. Foi lá que o São Paulo buscou-o em 2005. Surgiu como um projeto de craque. Ainda rodou por Catar, Itália e Cruzeiro antes de chegar ao Santos, com 27 anos bem vividos e já pai de uma menina de três anos. Thiago era um jovem maduro, viajado e bem resolvido financeiramente. Não parecia haver sentido naquele sentimento ruim.
— Os dias passavam e eu percebia que não melhorava. Pelo contrário, sentia que piorava. Foi quando comecei a falar com as pessoas mais próximas. Não tudo, mas algumas coisas. Sem entrar em detalhes, porque as pessoas não entendiam. Para os outros saberem do que se trata, só se passassem pelo que passei. E isso eu não desejo para ninguém. Porque é terrível — rememora.
Preparadores físicos e fisiologistas apontam essa fase (entre os 27 e os 28 anos) como o auge da carreira de um jogador. É quando ele geralmente combina a maturidade de um adulto com o fôlego de um jovem. Com Thiago, foi ali que sua carreira estagnou. A queda de rendimento fez com que o Santos o emprestasse. Primeiro, para o Atlético-MG e, em março de 2016, para o Bahia.
A vida em Salvador tinha tudo para recuperar a cor. Sua contratação foi saudada como um lance ousado do clube para voltar à Série A. A torcida o recebeu de braços abertos na alegre Salvador. Mas foram dois gols em 23 jogos. Depois de quatro meses, o clube o afastou. Thiago terminou a temporada treinando em separado.
Os pais passaram a acompanhá-lo. Os amigos de infância também se aproximaram. A base da recuperação, ele garante, foi a fé. Em paralelo ao tratamento, passou a frequentar cultos evangélicos. Converteu-se e até foi batizado, com direito ao ritual em que é mergulhado na água.
— Mesmo quando comecei a fazer o tratamento, já estava me apegando a Deus. Algo me falava assim: "Pode fazer o tratamento, mas não é isso que vai te curar". Era como se Deus estivesse falando comigo — descreve.
No ano passado, quando voltou ao Santos para cumprir o último ano de contrato, já se sentia mais disposto e apresentava rendimento nos treinos semelhante ao do período anterior ao "problema". Aliás, esse é um ponto curioso. Em 30 minutos de entrevista concedida a GaúchaZH, em nenhum momento o jogador usou a palavra "depressão". Sempre se referiu à doença como "problema" ou "situação". Mas não se furta de abordar o assunto em entrevistas.
A temporada no Santos coincidiu com o drama vivido por Nilmar. Às vésperas de um jogo, os companheiros souberam que o atacante ex-Inter havia sido cortado sob alegação de estar com "conjuntivite". Dias depois, souberam no vestiário que a razão do afastamento era depressão. Nem houve tempo para que Thiago desse conselhos ou se aproximasse do companheiro. Também foi impossível perceber qualquer mudança de comportamento do parceiro de ataque. Nilmar ficou apenas dois meses no clube e atuou em somente duas partidas. Em ambos, Thiago estava no banco.
A reserva em boa parte da temporada é um dos saldos negativos da depressão, aponta Thiago. Os gols escassearam. Em 2015, foram 12. Em 2016, dois. Em 2017, também só dois. Nem mesmo os raros momentos de alegria com a bola na rede e a adrenalina da torcida o preenchiam.
— Quando estava passando por aquele problema, mesmo na hora de fazer gol, não sentia praticamente alegria. Era, realmente... Olhando para a minha vida, era algo que nunca imaginei que aconteceria — desabafa.
Quando terminou o contrato com o Santos, Thiago voltou para Pontes Gestal. A depressão havia colocado nele um rótulo, e o mercado já não lhe abria portas. O que ninguém sabia era que, depois de três anos e meio, o mundo começava a ganhar cores mais vivas para ele. Já sentia a velha disposição para jogar. Os treinos, em uma academia, se tornaram mais produtivos. Até o namoro ficou mais sério. Ele e a companheira, Carla, se conheciam de longa data — ela morava na vizinha Votuporanga.
Em abril deste ano (a saída do Santos fora quatro meses antes, em dezembro do ano passado), o telefone tocou. O Londrina o queria para reforçar seu time na Série B. Estava longe de ser o cenário ao qual Thiago estava acostumado. Sempre foi jogador de Primeira Divisão e de times que disputavam títulos. Mas a combinação de um estado emocional reconstruído com a chance de voltar a jogar fez do time paranaense a melhor chance do mundo. Thiago se reencontrou. Hoje, quatro anos depois de cair em depressão, o atacante afirma, com convicção:
— Agora, faz pouco tempo, que me sinto muito melhor, que me sinto de novo disposto a fazer as coisas, com ânimo, vontade, dormindo bem, comendo bem, com alegria e disposição. Isso não foi um processo do dia para a noite. Como você pode ver, demorou um tempo.