O mundo ficou cinza para Alex Raphael Meschini justamente quanto ele estava em um lugar no qual se sente iluminado. O então meia do Inter estava em Garopaba curtindo as férias, no final de 2016, quando a conta pesada do futebol chegou. Alex lembra dia e local exatos. Era tarde de 16 de dezembro. Estava estacionado na estrada de acesso a Garopaba, a poucos metros da BR-101, à espera dos pais e da família do irmão, que chegariam à praia catarinense para emendar alguns dias de folga com as festas de fim de ano naquele início de verão. O celular tocou, e ele atendeu. Era seu empresário, Luis Carlini.
A notícia era ruim: o Inter estava disposto a rescindir o contrato que expiraria dali a seis meses. O chão sumiu sob os pés do meia bicampeão da América e campeão do mundo.
— Quando o empresário me ligou, já foi... (pausa) um golpe duro. Lembro que chorei pacas. Ali, já bateu uma tristeza do tipo assim: "Acabou o meu chão". Não tinha nada programado para esse tipo de situação. Infelizmente, a gente não se prepara para isso. Falo que até foi respeitosa (a condução de sua saída pelo Inter). Mas, para mim, era uma agressão muito grande nem me apresentar para aquele momento, para ajudar a tirar o time da Série B — conta Alex.
Os sintomas da depressão haviam surgido em meados de 2015, quando nenhum sinal de renovação de contrato fora enviado pela direção do clube. Alex percebia uma fritura silenciosa. Ao ponto de o técnico Diego Aguirre, recém-chegado ao Inter, procurá-lo para uma conversa em particular. Mesmo na reserva, Alex vinha jogando bem, acumulando gols.
O bom momento em campo o mantinha em evidência no mercado. Tanto que havia um acerto alinhavado com o Flamengo para seguir a carreira. Mas o vínculo afetivo com o Inter e a perspectiva de ganhar mais uma Libertadores pelo clube (que foi semifinalista em 2015) falaram mais alto. Houve uma conversa com o então presidente Vitorio Piffero, com quem acertou mais dois anos de contrato. O desejo de seguir em Porto Alegre estava alcançado. Mas o processo desgastou o atleta, e ele buscou a ajuda de um terapeuta, que apresentou o diagnóstico sem rodeios.
— Ele começou a me falar que eu estava em um quadro depressivo, que precisava ser medicado. Precisei ficar na minha — conta o ex-meia.
Os últimos seis meses do ano foram de silêncio. Geralmente extrovertido e falante, Alex entrava no vestiário mudo e saía calado. Procurava passar despercebido. Os companheiros, porém, notaram a mudança de comportamento. Indagavam sobre o que acontecia. Comentavam entre si. Não recebiam resposta.
— Perdi minha alegria de treinar todos os dias, de brincar. Isso eu sempre tive, no dia a dia. O pessoal perguntava: "O que está acontecendo?". Ficava na minha, não comentava com ninguém. Só fazia tratamento. A situação foi ficando cada vez mais difícil — recorda.
O drama solitário de Alex mostra o quanto o futebol está desprovido de mecanismos para detectar dificuldades emocionais. A algaravia do vestiário, a competição incessante e a obsessão por resultados afogam ilhas como aquela em que Alex havia se exilado do mundo ao seu redor. A temporada seguinte começou com o jogador em segundo plano no Inter. Para completar, o clube entrou em uma espiral negativa que culminou com o rebaixamento à Série B. Aliado a isso, havia uma desilusão com o futebol como um todo. Em sua percepção, a indústria que move milhões "não forma pessoas, mas máquinas". Dono de uma visão crítica e mais sensível do que a habitual no meio, Alex era consumido por esse sentimento. O telefonema recebido em Garopaba foi o desfecho de todo o processo. Derrubou Alex de vez.
— Veio uma depressão no sentido de saber quem eu era, o que iria fazer. Gostaria de ainda estar (em atividade), me sentia em condições de estar. Mas dei uma travada. No aspecto emocional, parece que só aquilo (o futebol) me fazia feliz. Na verdade, aquilo me ajudava com todos os problemas que viria a ter. Eu ia para o campo e ali podia resolver alguma coisa. Saía feliz — descreve.
Alex se refugiou no restante do verão de 2017 em Garopaba. Contratou um preparador físico e passou a treinar diariamente. Só que seu telefone não tocou mais. Nenhuma proposta chegou. Isso o corroía, ainda mais que seus índices físicos o afiançavam a jogar em alto nível. Sem a rotina de um clube, os dias ficaram intermináveis. A sonhada aposentadoria havia batido em sua porta sem avisar e sem dar tempo para que tivesse se preparado para isso.
— Quando vi, estava em casa, com todo o tempo do mundo, livre para voar, para levar os filhos à escola. Só que não estava sabendo como lidar com a situação. Acredito que todos vão acabar passando por isso. Quando você programa o emocional, está pronto para essa mudança — observa.
Aos 34 anos, Alex estava perdido em uma estrada desconhecida. Começara no futebol aos sete anos e, de repente, quase sem ter se dado conta, estava fora dele.
— É um vazio, como se fosse uma escuridão. De você estar em um lugar sem luz, sem saber para onde vai. Eu me questionava: será que é pelo ego, de aparecer, de ser reconhecido? Concluí que não, porque o positivo de estar fora é que não se perde jogo e se tem o reconhecimento na rua. O fato é que, de repente, a vida parece não ter mais sentido — explica.
A depressão fez Alex se recolher. Evitava o convívio social. Nunca imaginou que jogar uma pelada com os amigos exigiria tanto esforço. Até sair de casa para buscar os filhos na escola virou tarefa pesada. O craque dos chutes potentes, o homem-bomba do Inter, como o chamavam os narradores, estava sem forças.
— Você não consegue encontrar uma saída, não consegue ser pai, não consegue ser filho, ser marido, não consegue ser amigo dos seus amigos porque você não participa de nada. Falando no português bem claro, você perde o tesão para um simples bate-papo. Eu nunca imaginei que não teria vontade de jogar uma bola com meus amigos — confessa.
A família sofria junto. O pai, numa conversa, suplicou para que o filho deixasse de lado a persona de jogador:
— Pô, volta a ser o Raphael. Deixa o Alex para lá.
Aos poucos, o tratamento surtiu efeito. Alex nunca encerrou de forma oficial a carreira, mas foi digerindo a ideia até aceitá-la. Pouco mais de um ano após a rescisão de contrato, visitou os companheiros. Foi recebido com festa pelos funcionários e jogadores. Três meses depois, assistiu a Inter 1x0 Chapecoense. Hoje, Alex é um torcedor colorado a mais. Costuma visitar com frequência o Beira-Rio. No dia a dia, cuida de seus negócios e aproveita a família em Porto Alegre. Em agosto, como convidado, participou de simpósio em Foz do Iguaçu sobre psicologia do esporte. Abordou a depressão no futebol. Fala de frente sobre o assunto. E mostra compreender o que aconteceu.
— Falo assim para as pessoas: "Eu não pensei em me matar, mas passei a entender a razão de as pessoas fazerem isso".