Principal opositor da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) há quatro anos, o presidente da Federação Gaúcha de Futebol (FGF), Francisco Novelletto, mudou de lado. O dirigente será eleito nesta terça-feira um dos oito vice-presidentes da entidade, na chapa única encabeçada por Rogério Caboclo.
Em 2014, o gaúcho foi uma das poucas vozes de peso no futebol brasileiro a discordar da eleição de Marco Polo Del Nero, hoje suspenso pela Fifa e impedido de sair do Brasil por conta de denúncias de corrupção. Quatro anos depois, Novelletto alega que o trabalho da CBF no último biênio o convenceu a mudar de posição.
— Os caras acertaram. Aí eu vou ficar sendo oposição, dando porrada, e o futebol gaúcho sendo prejudicado? Não posso. Me rendi. Com a entrada do Caboclo, a CBF virou um case mundial. Já que o adversário está forte, tu te alias a ele — justifica.
Rogério Caboclo, 45 anos, é braço direito de Del Nero desde os tempos em que trabalhava na Federação Paulista de Futebol. De estilo discreto, hoje trabalha como diretor-executivo na CBF. Novelletto não acredita que ele será um "testa de ferro" do atual presidente.
A eleição do dia 17 de abril deveria ocorrer apenas em 2019, mas foi antecipada em um ano em uma manobra da atual direção. O pleito será apenas uma cerimônia protocolar, pois, como de praxe, a chapa de situação foi a única a conseguir o número de assinaturas necessárias – de pelo menos oito federações e cinco clubes. Assim, Rogério Caboclo será aclamado presidente, sem enfrentar nenhum opositor.
Na composição da chapa, o pupilo de Del Nero prestigiou as federações. Além de Francisco Novelletto, também serão eleitos outros três presidentes de entidades regionais: Antônio Aquino Lopes (AC), Castellar Guimarães Neto (MG) e Ednaldo Rodrigues (BA). Os atuais vice-presidentes, o maranhense Fernando Sarney, o capixaba Marcus Vicente, o paraense Antônio Carlos Nunes e o alagoano Gustavo Feijó, permanecerão, totalizando oito vices.
Nesta semana, Novelletto recebeu a reportagem de GaúchaZH na sede da FGF para uma entrevista de 40 minutos, na qual explicou os motivos que o fizeram mudar de lado e também adiantou o que pretende fazer como vice-presidente da CBF.
— Tenho certeza que, para o futebol gaúcho, a melhor coisa que pode ter acontecido nos últimos cem anos é a minha ida para a CBF como vice — finalizou.
Confira a entrevista completa:
O senhor era oposição à direção da CBF. Como acabou virando candidato a vice-presidente na chapa única de situação?
Primeiramente, eles sentiram em mim uma certa influência, uma certa capacidade, pelos meus 15 anos à frente da FGF. Eu fiz um bom trabalho, não me convidaram pelos meus lindos olhos. Como o futuro presidente Rogério Caboclo é um CEO, um gestor, ele não tem aquela expertise. Eu estive em clube de futebol, eu conheço o outro lado. Ele está usando isso, o fato de eu ser um presidente de federação que deu certo. Ele (Caboclo) ficou de três a quatro dias dias aqui e ficou deslumbrado. Perguntou se o governo do Estado tinha ajudado a construir o prédio da federação. O Feldman (Walter Feldman, secretário-geral da CBF) me conheceu mais profundamente em Abu Dhabi (com o Grêmio) e me fez o convite: "Novelletto, eu preciso da tua experiência, eu sou alguém de gestão. Campo não é comigo". Acho que foi a minha capacidade que despertou o interesse deles.
O senhor não sente embaraço em fazer parte de uma chapa apoiada por Marco Polo Del Nero, que foi suspenso pela Fifa, que não pode sair do Brasil e é alvo de denúncias de corrupção?
O percentual de mancha na minha gestão é de -1%. Esse propósito vem de berço. Se eu ficar mais quatro anos ou toda a vida, vai continuar o mesmo. Vem de berço. No caso da CBF, eu fui a grande oposição na última eleição (em 2014, quando Del Nero foi eleito), que já vai fazer quatro anos. Realmente, lá a coisa estava mal, estava errada. Mas o (ex-presidente, José Maria) Marín não está mais com a gente, está nos EUA, está preso. O Marco Polo Del Nero foi denunciado nos EUA. Mas ele fala para quem quiser ouvir: "Não vão encontrar nada". Deram duas punições para ele porque houve uma delação. Eu não estou aqui defendendo o Marco Polo Del Nero, mas vamos condená-lo se não conseguirem achar nada? A grande bronca foi por que os EUA queriam a Copa de 2022, e o Catar, parece, deu uma rasteira. Já deram duas punições ao Del Nero, mas sem provar nada. Eu tenho de acreditar nas pessoas, ele disse que não fez nada. Mas isso é um caso à parte. Ele não voltará mais a ser presidente da CBF. Foi dali em diante que foi feito o convite. Ele (Del Nero) nos reuniu lá no Rio e deixou claro: "Não vão achar nada, mas eu estou estragando a imagem da casa e de vocês, presidentes, e vou me retirar". Daí ele indicou o Rogério Caboclo, e veio o convite à minha pessoa. O Marco Polo Del Nero não faz mais parte.
Mas, mesmo assim, por que apoiar essa gestão e ter um cargo de vice-presidente?
Eu fiz um corte. Há quatro anos, estava muito tumultuado, muito nebuloso, e eu fui oposição. Só que eles foram acertando o ponto, acertando a mão. Fiz um corte de dois anos para cá. Estou acompanhando o trabalho deles. Senti que deu certo. O faturamento hoje da CBF, que era de R$ 220 milhões com o ex-presidente Ricardo Teixeira, passou a R$ 850 milhões nas mãos do Caboclo. Eles patrocinam 19 campeonatos. O mais enciumado e com dor de cotovelo hoje na CBF é o Novelletto. A FGF é a única federação que faz tudo de graça, não cobra nada de ninguém, paga arbitragem... Eu batia no peito: "Sou o cara". Aí hoje apareceu a tal da CBF fazendo tudo. Não cobram um centavo de nada, promovem 19 campeonatos, pagam tudo. Arrumam mais R$ 1 bilhão e pouco pro Campeonato Brasileiro, arrumam R$ 350 milhões para a Copa do Brasil, revolucionaram o futebol gaúcho. Agora, todo mundo quer participar da Copinha, pela possibilidade de jogar a Copa do Brasil, onde, se só entrar em campo, já são R$ 500 mil. Essa gestão foi campeã olímpica. Está aí com o trabalho do Tite, que é impossível dar errado. Os caras acertaram. Aí eu vou ficar sendo oposição, dando porrada, e o futebol gaúcho sendo prejudicado? Não posso. Me rendi. Dois anos atrás não me servia. Agora, com a entrada do Rogério Caboclo, eu senti que eles acertaram. A CBF virou case mundial.
De onde surgiu Rogério Caboclo? Ele tem capacidade para gerir a CBF?
Ele começou no São Paulo, que era um case no tempo dele, e hoje está atrasando salário. Passou pela FPF, que é outro case. E aí foi para a CBF e puxou a receita para faixa de R$ 800 milhões, sem dinheiro público. Faz tudo pelos clubes, a metade da receita é gasta com os clubes. Da mesma maneira que ele reconheceu o Novelletto, eu admito que ele é um sujeito capaz, é um CEO com todas as letras maiúsculas.
O senhor realmente acredita que Marco Polo Del Nero vai se afastar totalmente da CBF? Não acha que há um risco grande de o Caboclo ser um "testa de ferro" de Del Nero?
Quando eu assumi a FGF, todo mundo dizia que eu ia comer na mão do ex-presidente Emídio Perondi. A relação continuou, é meu grande amigo, mas não teve nada a ver. O Luciano Hocsman, vice-presidente da FGF (pré-candidato à sucessão de Noveletto) teve problema outro dia no clube dele (Grêmio). Falaram que "não vai mudar nada, ele vai ser mandado pelo Noveletto". É como jogador de futebol, Fernandão e tantos outros. Penduram a chuteira e não dão mais um chute na bola. Assim vai ser o Novelletto. Vou passar na frente, mas virei aqui (na FGF) duas ou três vezes por ano. Deixa o homem trabalhar. E assim imagino que ocorrerá com o Marco Polo Del Nero. Até porque os olhares estão voltados para ele. O Del Nero tirou o Caboclo do São Paulo e o levou para a FPF. De lá, o levou para a CBF. Agora, deu o maior cargo do futebol brasileiro para ele. Evidentemente que esse vínculo continua, ele tem uma amizade com o cara. Vai ficar um vínculo, mas não podemos criticá-lo por ser amigo do outro. Eu acredito na competência do Caboclo e no que eu vi nos últimos dois anos na CBF.
Mais uma vez, por conta da cláusula de barreira e da antecipação do pleito, a eleição na CBF ocorrerá com chapa única. O senhor não acha isso antidemocrático? Não seria mais democrático que o Rogério Caboclo disputasse uma eleição contra um outro candidato, para os clubes e federações escolhessem qual seria o melhor?
Não foi chapa única. Houve a oportunidade para todo mundo entrar, mas teria de fazer um trabalho, ter se planejado. Aqui (na FGF) nunca veio ninguém. Foi chapa única nas minhas quatro eleições porque foi feito um bom trabalho. Na CBF, qual louco vai se meter com o trabalho que eles estão fazendo, um case mundial? Tu achas que o Novelletto não queria botar uma chapa? O Novelletto queria. Mas os caras estão acertando. O trabalho deles foi tão eficiente que não apareceu ninguém. É igual aqui, tu achas que ninguém queria botar uma chapa aqui pra concorrer comigo? A CBF não é uma estatal. É como uma empresa. Tu pões o mais competente. Eu não concordo que é chapa única. Arruma as (assinaturas das) federações e te candidatas.
O senhor realmente acredita que não surgiu outro candidato para disputar com o Caboclo por que ninguém quis? Não seria por que a cláusula de barreira é muito alta, e a eleição foi antecipada em um ano?
Tinha eu, tinha o cara da Bahia (Ednaldo Rodrigues), do Rio (Rubens Lopes), todo mundo querendo. Mas como tu vais derrubar os loucos se os caras acertaram o ponto? Então, se o adversário é mais forte que tu, tu te alias. Eu não posso prejudicar o futebol gaúcho por egoísmo. Vou prejudicar o futebol gaúcho? Essa p... aqui não é minha. É de todos. Então, já que o adversário está forte, tu te alias a ele. Tenho certeza de que, para o futebol gaúcho, a melhor coisa que poderia ter acontecido nos últimos cem anos é a minha ida para a CBF como vice. Lá, eu vou ter voz ativa. Já disse que "não vim aqui para dizer amém". Mas nem precisou eu me manifestar. Ele (Caboclo) me deu essa liberdade: "Eu te quero do meu lado, tu é um cara diferenciado". Ele me chama de "nine".
Por que "nine"?
"Nine" de nove, matador. Ele disse: "Eu te quero do meu lado". Isso vai ter beneficio para a FGF e para o futebol gaúcho. Os caras são bons.
Como será a rotina do senhor na CBF? O senhor vai morar no Rio?
Ele (Caboclo) me quer do lado dele. Daqui a pouco, pode me convocar para um cargo, uma diretoria. Pode ser até que eu more lá. Não acertamos esse detalhe. Ele só disse: "Eu te quero do meu lado". Pesquisaram o meu dia a dia, o meu trabalho, é visível... Não caí de paraquedas.
Que ideias o senhor acredita ser possível implementar na prática como vice-presidente da CBF?
É muito cedo, nem eleito eu fui. Claro que perder eu não vou (risos). Primeiro é mexer nas federações. O único lá dentro que conhece as 27 federações é o Novelletto. Tem federações mesmo que não sobrevivem, não têm Grêmio e Inter. Agora, tem de ver o que faz com o dinheiro. Tem de prestar conta. Tem de dar condições, tecnologia, mas tem federação que tem de se mexer. Dar condições, mas exigir. O que está fazendo com esses 75 pilas (as federações recebem um repasse mensal médio de R$ 75 mil da CBF)? Melhor gestão, profissionalizar e ensinar. Se não sabe, vamos ensinar. Não esqueçam que eu fui candidato, eu conheço as 27 federações. Tem federação que não tem futebol. Tem de buscar investidor, vamos oxigenar, criar um grupo de trabalho...
Qual será o salário do senhor como vice-presidente da CBF?
Parece que é R$ 25 mil.
O senhor pretende entrar na linha sucessória para ser presidente da CBF no futuro?
É a porta de entrada, mas não vou atropelar ninguém, não vou passar por cima de ninguém. Vou mostrar meu trabalho. O que despertou o convite foi o meu trabalho na FGF. Pode despertar o convite lá... Estando mais próximo, a possibilidade é maior.
Após a última mudança de estatuto, o voto das federações passou a ter peso três. Um grupo de parlamentares, liderados pelo senador Romário, pede a suspensão da eleição de terça, alegando que os clubes não participaram dessa assembleia. O senhor acha justo o voto das federações ter peso maior do que o dos clubes?
Não sou jurista nem advogado. Mas o estatuto da CBF manda que se convoque os 27 presidentes de federações, não fala em clubes. Foram convocados os 27. Na tua empresa, na minha, tu vais te resguardar. Posso não achar justo, mas a federação é, a princípio, quem faz a gestão dos clubes – consequentemente, ela está acima. Aí entra a preservação. Vai no Grêmio e no Inter e vê se as diretorias não se resguardam também.
Se resguardar significa evitar que o presidente seja alguém não apoiado pelas federações?
Os clubes se resguardam para que pessoas sem condições não tomem conta do clube. A mesma coisa está acontecendo na CBF. Já tivemos a Primeira Liga, um exemplo em que a gestão caiu na mão dos clubes. Olha a merda que fizeram. Uma vergonha. Participei de uma reunião da tal de Liga aí. A CBF não pode cair na mão de quem não entende. Só fizeram lambança. E isso que são dirigentes de clubes. Já tinham experiência. Imagina se pegar o Zé Mané da rua. Estamos preocupados que possa cair na mão de quem não tem competência. É a preocupação da CBF.
A CBF tem como tradição colocar políticos ou parentes de políticos nas suas vice-presidências e diretorias, como os deputados federais Marcus Vicente (PP/ES), Marcelo Aro (PHS/MG) e Vicente Cândido (PT/SP) e Fernando Sarney (filho do ex-presidente José Sarney). Neste ano, foi nomeado diretor o ex-deputado estadual de Minas, Gustavo Perrella, filho do senador Zezé Perrella e dono de um helicóptero apreendido com 445kg de cocaína. Qual a sua opinião sobre esta proximidade entre a CBF e a política partidária?
Não sou vice ainda. Mas vou dizer uma frase antiga. Política e futebol não podem andar juntos. Isso é o que eu penso. Vê se aqui (na FGF) tem algum político? Política e futebol não podem andar juntos.