A versão D'Alessandro organizador do Lance de Craque é quase tão agitada quanto a D'Alessandro jogador e, mais recentemente, D'Alessandro diretor esportivo do Inter. Entre uma reunião e outra para o evento marcado para 14 de dezembro, no Alfredo Jaconi, em Caxias do Sul, o agora dirigente colorado recebeu a reportagem de Zero Hora para uma entrevista. Ele falou sobre diversos temas: a rotina da nova função, a relação com Roger e com os demais dirigentes, o momento do time, a proximidade com a base, entre outros. Confira a seguir.
Era mais fácil organizar o Lance de Craque nos tempos de jogador ou agora, como diretor?
Agora tem mais coisas para fazer. Antes era só treinar, estar lá. Agora, quando não tem treino, tem reunião, tem planejamento para o ano que vem, tem visita de empresário, tem conversa com atleta. Não diria que é puxado, porque eu gosto.
Do que gosta?
Gosto de estar no clube.
Estar lá, falar com jogadores...
Não faço quase nada diferente dos tempos de jogador, só não treino e não faço parte do grupo. Tenho um limite com o grupo. Tenho de ter um timing muito claro com os jogadores. Quanto menos intervenções eu tiver, melhor. É sinal de que as coisas funcionam. Roger tem sido um parceiro muito bom, não tenho nada a falar.
Conhecia ele antes?
Já tínhamos nos enfrentado lá atrás, em um River contra Grêmio (em 2001).
E depois ele treinador e você atleta.
Isso. Mas não nos conhecíamos. Tínhamos amigos em comum que já tinham me falado muito bem dele, e as referências dele como pessoa, pude confirmar agora, nesses dois meses em que estou trabalhando no clube. O importante para mim é que essa proximidade com os jogadores e com o treinador depende deles. O meu trabalho depende deles. Tem sido muito bom. Minha parte é não passar dos limites de comissão técnica e atletas. Não é fácil. Mas minha experiência me dá vantagem de saber quando falar ou ficar quieto.
Minha parte é não passar dos limites de comissão técnica e atletas. Não é fácil. Mas minha experiência me dá vantagem de saber quando falar ou ficar quieto.
D'ALESSANDRO
Diretor esportivo do Inter
É uma função nova essa de diretor esportivo. Como se aprende a executar?
Antes já tinha diretores, alguns eram mais participativos. Mas todos tinham limite. No meu caso, consigo entender, pelos 22 anos de carreira, o que o atleta não gosta.
E o treinador também?
E o treinador também. Mas estou aprendendo. No Cruzeiro era um pouco diferente, porque era SAF, o que muda o andamento. Vou indo, meio aos trancos e barrancos. Tento não errar. E nessas coisas, que já conheço, não posso errar. Conheço o atalho, não posso errar. Posso errar em outras coisas que são novas para mim. Nisso, me permito, mas nessa relação com os jogadores, tenho muito cuidado.
Como é a relação com os dirigentes políticos?
Estou aprendendo. É uma relação muito diária. Acho que uma vantagem é estar entrando junto com o (André) Mazucco, nosso diretor executivo. Estamos construindo juntos, dentro do que já tinha no Inter. Não fizemos mudanças drásticas porque seria incoerente querer mudar tudo o que já vinha andando. Sinto que nos conhecemos há muito tempo, mesmo que sejam só dois meses. Temos uma relação muito próxima e tem de ser assim com o diretor-executivo e com o (José Olavo) Bisol, nosso vice de futebol.
E com o presidente (Alessandro Barcellos)?
Temos uma relação muito próxima, mas sempre dissemos para ele que um presidente precisa se preocupar com outras coisas, muito maiores. Disse: "Não se preocupe com essas coisas que só vai gastar tempo e esforço. Deixa aqui para nós. Tem muitos outros compromissos". Estamos organizando pequenas mudanças que entendemos trazer bons resultados.
E resultados...
Sim. Não podemos esquecer os resultados. Só estamos aqui, numa boa, porque a comissão técnica conseguiu os resultados que esperavam. O trabalho está dando frutos, então estamos com mais confiança e sossego.
Um, dois, talvez três jogos seja possível ganhar "por sorte", você sabe. Mas ficar 12 sem perder...
Sim, é possível ganhar algumas sem rendimento. Que sabemos que é temporário. Doze, não. Estamos tendo bom desempenho, dando sequência ao trabalho. O que dá força é esse rendimento.
Então: esses 12 jogos de invencibilidade são a causa ou a consequência dessa tranquilidade que vemos em você, desse rendimento do time?
Primeiro, quero deixar claro que somos um complemento, tá? Apenas damos sequência à comissão. O que faço é estar próximo deles e dos jogadores, aliviar o trabalho de todos. Deixar que Roger se preocupe só com o campo. E, assim, ele faz essa gestão do grupo. É um cara que se preocupa com isso. É o comandante, o nosso treinador. Mas fazemos o que pudermos para tirar dele do dia a dia, para não perder o foco, poder trabalhar, permitir que Paulo Paixão trabalhe.
Tem um sentimento de torcida também que importa, certo? Por exemplo, quando Roger chegou, tinha uma "desconfiança" pela história dele no Grêmio. O começo de trabalho, como muitos técnicos, foi de oscilação. Ao mesmo tempo, ninguém duvida de o D'Alessandro ser colorado. Isso ajudou também ou é algo só de torcida?
É profissão. E profissionalismo. Não podemos esquecer da história do Roger como atleta, é inegável. Foi pelo outro lado, com outra camisa. Mas temos de aproveitar o vencedor que ele foi, a experiência que teve de um cara que conquistou tantos títulos. Ele tem um caminho, um atalho. Quando fala, passa um recado. A parte de torcida fica na arquibancada. E os nossos resultados ajudam a deixar tudo mais leve.
O quanto pesa resultado?
Não concordo que tudo seja resultado. Porque se pega um jogo como o de quarta (30), contra o Flamengo, não poderíamos achar que foi ruim se não tivéssemos feito o gol. Temos de estar convictos do que estamos fazendo, do nosso trabalho a partir da mudança de treinador.
Mas a sensação que deu no estádio foi de que mesmo se o Valencia não tivesse feito o gol, não haveria vaia. A torcida parecia estar reconhecendo o esforço do time. Claro, é impossível saber.
Perder é do jogo também. Não que a gente se conforme. Aliás, isso é um ponto que reforçamos. Não pode ser igual perder ou ganhar. Por isso, fico tranquilo quando vejo que, depois do jogo de quarta ou daquele contra o Bragantino, os jogadores saíram insatisfeitos, com um sentimento de frustração. Eles sentiram o empate, não gostaram. Fico feliz de saber que eles queriam mais, e deram tudo para isso. O adversário era muito forte também, o Flamengo está na final da Copa do Brasil.
E não preservou ninguém, nem tirou o pé.
É sinal de que nos respeitam, sabem do nosso momento. Poderiam ter tirado todo mundo para a final e não fizeram. E nem reduziram o ritmo. Quer dizer que estão olhando para o Inter de maneira diferente, ao menos neste fim de campeonato.
Qual foi o momento mais feliz nessa volta?
Se eu disser que foi o Gre-Nal, alguém vai falar... Mas não tem como não ser. Foi meu primeiro clássico como diretor, importante pelo contexto, pelo que significa o clássico, pelos três pontos. Mas além do Gre-Nal, acho que meu primeiro jogo também foi especial.
O 1 a 0 sobre o Cruzeiro?
Isso. Eu não teria gostado de começar meu trabalho perdendo.
Conversando com algumas pessoas que têm convivido com você, todas falam sobre sua relação com as categorias de base.
Eu gosto. Quando posso, vou. Nosso treinador, quando pode, vai. Nosso diretor também. Essa integração tem de existir. Eu não acredito em dois clubes dentro de um. Até pela história do Inter, né? De revelar jogadores importantes, que fizeram o clube ter, naquela época, recursos para poder contratar, para poder formar grandes times, vencedores. Precisamos da base, acredito na integração. Claro que não vai ser de um dia para o outro. Tem coisa para melhorar? Tem. Teve movimentos na base? Teve. Chegou gente que já conhecia o clube, como Jorge Andrade, que está lá como cabeça do departamento. Tem gente muito competente, que se preocupa muito não só com a parte do atleta, mas também com a parte pessoal dos jogadores.
A atual geração, tipo o Gabriel Carvalho, nascido em 2007, colorado desde criança, deve ter sido seu fã. Como é lidar com essa geração e com essa idolatria?
Quando você tem um jogador de 14, 15 anos que está sem a família, precisamos nos preocupar. Quase ninguém chega pronto na parte de cima, já com o que o treinador quer. O Gabriel é um exemplo muito claro, porque ele estreou com 16 anos. Eu, por exemplo, foi com 19. Com 16, eu estava indo para a noite. Meu filho, agora, tem 16 anos. Eles têm que saber o preço que se paga.
Nossa adolescência não é a mesma que a de um adolescente normal. Tudo tem um preço, que precisa ser pago. Ser profissional de elite não é só chegar no clube, treinar e ir embora. O futebol evoluiu, é muito mais difícil, muito mais físico.
D'ALESSANDRO
Diretor esportivo do Inter
Tem um sacrifício.
Sim. Eles têm de deixar coisas de lado. Nossa adolescência não é a mesma que de um adolescente normal. Temos de falar com eles, lá embaixo, para saberem que tudo tem um preço, que o preço precisa ser pago. Que ser profissional de elite não é só chegar no clube, treinar e ir embora. O futebol evoluiu, é muito mais difícil, muito mais físico.
E fora do campo?
Tem muitas coisas externas que hoje são mais difíceis de controlar do que antes. Tem muitas coisas que te levam a perder o foco. Então, é um pacote muito grande. Mas fazemos, ou tentamos fazer, a nossa parte. Só que também tem a responsabilidade deles, de ouvir, aprender. Depende deles também. Acredito na meritocracia no futebol, o cara tem de merecer. Tem de querer. Eu não posso querer mais do que ele. O treinador não pode querer mais do que eles.