Alguns centímetros de imperícia farão Enner Valencia conhecer a face mais pressionada do Gre-Nal. Tivesse convertido uma das três chances claras que teve contra o Fluminense (verdade que duas delas foram criações exclusivas suas), o clássico de domingo, 16h, seria a chance de buscar a apoteose em seus primeiros meses com a camisa colorada, em frente à torcida. A queda na Libertadores, porém, dá um ar de obrigação de resposta imediata para evitar manchar uma história que começou tão bem.
Os primeiros dias de Valencia foram de idolatria antes mesmo de entrar em campo. Com Mano Menezes, na estreia escalado como ponteiro e na sequência isolado na frente, mal deram a impressão do que viria. Foi com Eduardo Coudet, mais especificamente na Libertadores, que mostrou seu talento. Entre oitavas, quartas e jogo de ida das semifinais da competição continental, fez quatro gols e deu uma assistência. E ainda converteu sua cobrança na disputa de pênaltis contra o River Plate. Estava se candidatando a ídolo quando veio o terror do segundo tempo da volta com o Fluminense.
Valencia deixou o campo arrasado. No apito final, atirou-se ao chão, incrédulo. Na zona mista, optou por não falar. Estava claramente abalado. Nas análises da partida, assumiu o papel de vilão. Nas redes, virou meme. E, na triste realidade sul-americana, foi alvo de ofensas racistas até por torcedores que não têm qualquer ligação com o Inter.
É assim que aparece o Gre-Nal. Sua apresentação ao clássico em campo será ainda mais intensa do que tem ouvido desde que desembarcou em Porto Alegre. Em entrevista ao Grupo RBS, mostrou o que sabia:
— Vi muitos jogos entre Inter e Grêmio como espectador, inclusive o último que, infelizmente, perdemos por 3 a 1. Já tinha assinado e sofri assistindo na Turquia. Agora estou aqui e sempre pergunto aos companheiros como se vive. Sou muito de perguntar. Vivi os dérbis de Istambul (entre Galatasaray, Fenerbahçe e Besiktas), que se vive na semana com uma paixão incrível. Me falaram que aqui é assim ou até muito mais.
Valencia é uma das peças que o Inter conta para dar a volta por cima imediatamente no Brasileirão. E além disso, terá o país natal de olho em seu desempenho no clássico. Segundo a jornalista Vivi Sánchez Bonilla, da Radio Sensación 106.5FM, de Guayaquil, a atuação na quarta-feira (4) e a expectativa para o Gre-Nal foram temas de debates esportivos no Equador. Até porque, depois do jogo, ele se apresentará à seleção para dois jogos das Eliminatórias, contra Bolívia e Colômbia.
— Enner é um ídolo, é nossa referência. Já estamos falando dele desde quarta-feira. Esperamos que mude a página pelo que ocorreu e que recomece sua história no Inter, que se reencontre psicologicamente e também fisicamente para os jogos da seleção — resume Vivi.
Valencia também tentará cravar seu nome na história do Gre-Nal. Clássicos, até em razão das equipes que defendeu, não são exatamente uma marca em sua carreira. O retrospecto em duelos locais engloba confrontos atuando por Emelec (contra o Barcelona), do Equador, Everton (contra o Liverpool), da Inglaterra, Tigres (contra o Monterrey), do México, e Fenerbahçe (contra Galatasaray e Besiktas), da Turquia. O Pachuca não tem um rival local e o West Ham não enfrentou o Milwall quando ele estava lá.
Em levantamento feito pelo titular da Central de Esportes, Marcos Bertoncello. No total, são 28 dérbis na vida de Enner Valencia, com quatro gols marcados. Um deles no clássico de Guayaquil, entre Emelec e Barcelona, na temporada de 2012 pelo campeonato equatoriano, que terminou empatado em 1 a 1 no Estádio Monumental. Outros dois foram feitos pelo Tigres em dois empates diante do Monterrey, em 2017 e 2018, ambos no Estádio Universitário. O último foi atuando pelo Fenerbahçe. Na derrota para o Besiktas por 4 a 2, em abril deste ano, o equatoriano balançou as redes de pênalti, diante de sua torcida. O jogo foi válido pelo campeonato turco. Seu desempenho nesses clássicos apresenta quatro vitórias e 13 derrotas, além de 11 empates (aproveitamento de 27,3%).
A história não é favorável, o cenário é duro, e a missão é árdua. É nessa hora que Enner Valencia precisará honrar o apelido: Super Homem.