As atuações cirúrgicas do Inter nos mata-matas da Libertadores são arquitetadas desde fevereiro. Foi quando duas das três cartadas decisivas dadas pelo clube no mercado de transferências foram dadas pela direção. Foi no segundo mês do ano que o retorno de Charles Aránguiz e a contratação de Enner Valencia foram alinhavadas. Outro jogador que fortaleceu a estrutura para este momento do ano foi o goleiro Sergio Rochet, contratado em julho. O trio aliou qualidade e experiência para que fosse possível passar pelo River Plate nas oitavas de final e vencer o jogo de ida contra o Bolívar, pelas quartas de final.
Considerada a principal contratação da temporada, Valencia entrou em acordo com a direção no começo de 2023, mas só foi anunciado em em 12 de junho, após encerrar sua passagem pelo Fenerbahçe. Chegou com recepção calorosa em uma fria noite de domingo. Recebeu festa no Gigantinho. Nesta quarta (23), foi ovacionado no retorno da delegação após o 1 a 0 na Bolívia.
O equatoriano aportou com o cartaz de quem marcou três vezes na Copa do Catar. Em dois meses, não despejou um balaio de gols até o momento. Até aqui, foram dois, mas tão importantes quanto se tivesse ido às redes em doses industriais. Foi dele o gol diante do River, na Argentina. Apesar da derrota, o lance permitiu seguir vivo para o confronto em Porto Alegre. Na terça-feira (22), fez o gol solitário da noite nos 3,6 mil metros de altitude de La Paz, na primeira vitória colorada na capital boliviana.
Outro mundialista, Aránguiz acertou pré-contrato com o Inter em 19 de fevereiro. O desembarque programado para o meio do ano foi antecipado para abril. Um problema muscular na panturrilha, ainda da época em que defendia o Bayer Leverkusen, o impediu que estreasse logo. Foi colocado em campo apenas em 1º de julho. Na prática, assim como Valencia, foi uma contratação da segunda janela de transferências.
Não foram necessários muitos toques na bola para perceber que a técnica da época de sua primeira passagem pelo clube se mantinha. O físico, entretanto, não é mais o mesmo. Terminar os jogos virou um desafio. Ainda assim, apesar do ar rarefeito no Estádio Hernando Siles, a partida de ida das quartas de final foi a que ele ficou mais tempo em campo desde o seu retorno. Eduardo Coudet o substituiu somente aos 40 do segundo tempo.
Em 85 minutos, o chileno quebrou o ritmo do confronto. Sofreu faltas. Acertou passes difíceis para a manutenção da posse. Segurou a bola para dar um respiro aos companheiros quando possível.
— É um jogador de muita experiência. Vai ser necessário jogadores com essa bagagem nesse momento decisivo da Libertadores. Ele acalma o time na hora certa. Ele será muito importante no restante da competição — pontua Marquinhos, meia campeão da Copa do Brasil em 1992.
Se Valencia foi uma cartada pelo alto custo de sua contratação e Aránguiz pelo aspecto físico, Rochet apresentou-se como uma jogada de risco pelo momento em que foi anunciado. Negócio de ocasião do departamento de futebol, o goleiro da seleção uruguaia no Mundial de dezembro vestiu a camisa colorada quando John afirmava-se como titular, após falhas de Keiller. A combinação gerou algumas críticas. Logo silenciadas assim que calçou as luvas.
Em oito partidas realizou um punhado de defesas difíceis e encerrou as dúvidas sobre seu status. Sua ascensão transcende ao campo. Além de vedar o espaço entre as traves, Rochet causou impacto interno pela liderança que exerce sobre os demais. Nos vídeos de bastidores divulgados pelo clube, sempre aparece com uma palavra de motivação para os companheiros.
O espírito aguerrido reflete quando a bola rola. Diante do River, além das defesas que mantiveram a classificação ao alcance, cobrou a penalidade decisiva. Contra o Bolívar, também utilizou artimanhas para minimizar os efeitos da altitude.
— Além da qualidade, ele é muito tranquilo. Passa confiança para todo mundo. Joga sem fazer força. Com a chegada dele, a equipe também começou a jogar melhor. O time cresceu com ele — opina Benítez, goleiro campeão brasileiro com o Inter em 1979 e vice da Libertadores no ano seguinte.
Além dos três, há o técnico Eduardo Coudet. Uma contratação não planejada, mas que foi peça importante. Diante dos argentinos, não se apequenou o time no Monumental de Nuñez. Contra a altitude e o Bolívar, não se constrangeu de fugir de suas características e montar um time com três zagueiros e de posicionamento mais recuado.
— A experiência para esse tipo de jogo é importante, sabendo o que o time ia sofrer. Acho que temos um time maduro, e com jovens que sabem escutar os experientes. Ajuda muito ter jogadores que têm uma carreira importante, como temos no time. Esse é o tipo de jogo que precisa ser inteligente. Ter essa capitania que o grupo tem com Mercado, Alan (Patrick), Enner, Charles (Aránguiz) e Renê é importante — destaca o argentino.
As quatro principais cartas compradas para o ano fazem o Inter jogar de mão na terça-feira, quando um empate basta para ir a mais uma semifinal da Libertadores.