Aos 69 anos, Abel Braga anunciou nesta quinta-feira (30) o fim da sua carreira de treinador. Entre competições estaduais, nacionais e internacionais, ele acumulou quase 20 títulos nos 37 anos em que esteve na casamata. Mas nenhum deles foi mais importante que o conquistado naquele 17 de dezembro de 2006 em Yokohama, no Japão. Já havia sido levantada a esperada taça da Libertadores, mas o Mundial de Clubes sobre o poderoso Barcelona selou de vez a relação entre Abelão e o Inter.
GZH conversou com integrantes daquele time colorado sobre o que treinador deixou marcado naquele triunfo eterno para os colorados.
"Paizão" sempre é uma expressão usada para falar de Abel Braga. Mas o lado estrategista também é exaltado por quem viveu aqueles dias no Japão. Para quem esteve no vestiário do Inter naquele ano de 2006, Abelão deixou a marca que somente os grandes técnicos sabem conciliar, de unir a relação humana com os ensinamentos táticos e técnicos.
Um símbolo do tamanho do feito de Abel Braga sobre o Barcelona é Wellington Monteiro. O volante, que iniciou a temporada de 2006 jogando pelo Caxias, foi titular do meio-campo colorado que encarou no mesmo setor um trio formado por Thiago Motta, Deco e Iniesta e que teve nada mais nada menos que Xavi entrando no segundo tempo. Monteiro diz que é impossível falar de Abel Braga sem exaltar o alinhamento entre trabalho dentro e fora dos gramados.
— A importância do Abel naquele título eu divido em duas partes. A primeira é a pessoal. Ele tinha muito equilíbrio nisso. Pessoalmente, um paizão para todos. Não fazia diferenciação entre os atletas. Fora do campo é fenomenal, sempre foi sincero, honesto, muito homem. Quando gostava do jogador abraçava a situação do cara. Exemplo foi o Gabiru. Na época havia uma resistência com o Gabiru e o Abel abraçou a causa, disse que ia para o Mundial porque estava com ele desde o começo. Abel chegou a dizer "se ele não for, eu não vou também" — cita o ex-volante.
— Como profissional me faltam palavras. Parte tática, ele conhece, técnica sempre teve uma visão. É um cara que fala a linguagem do atleta, uma comunicação importante no vestiário. No Mundial: de 100 pessoas, 99 torciam contra. O Abel nos demonstrou que mesmo que tivéssemos 1% de chance para ganhar, poderíamos vencer, que iríamos vencer. Ele mostrou que o nosso 1% viraria 100% — continua.
Agora técnico de futebol, Wellington Monteiro diz o que ouviu de Abel Braga em sua primeira conversa no Beira-Rio é usado por ele com seus comandados.
— Logo que cheguei ao Inter, o Abel me ensinou algo que guardo até hoje quando trabalho como treinador. Ele falou: "O simples se torna extraordinário, esse tem de ser o volante e isso você tem. O volante é suporte de todos, mas não tem suporte. Ou seja, você não pode errar. Você precisa fazer o simples e pode não aparecer, mas o seu discreto vai aparecer para quem conhece futebol". Isso agregou muito na minha vida. Na parte tática, ele me ensinou a ter uma melhor leitura de jogo, a ter uma inteligência maior. Ele parava o treino e mostrava situações que nunca tinha visto antes e pensava: não é que ele está certo? Ali que fui entender. Tive vários treinadores, mas o único que teve a paciência de explicar e ensinar — relembra.
A primeira conversa com Abel também foi marcante para Fabián Vargas, contratado após o título da Libertadores para suprir a saída de Tinga. É verdade que a primeira impressão não foi tão positiva, mas depois o colombiano entendeu que o treinador estava fazendo um teste com ele.
— Me recordo da prova que me propôs no dia que cheguei. Estava na academia, ele veio me cumprimentar e perguntou como eu jogava, em qual posição. Eu disse que era volante e ele disse que tinha os dois melhores do Brasil na posição, (Wellington) Monteiro e Edinho. Eu disse que estava bom e que era melhor que eles. Ele apertou minha mão e saiu. Isso foi impactante para mim, que o meu treinador não sabia como eu jogava. Aí depois conversando com o Iarley (haviam sido companheiros no Boca Juniors), ele me contou que o Abel havia perguntado sobre mim. O Iarley tinha dito como eu jogava e falado da minha personalidade. Depois da conversa que tivemos, Abel procurou o Iarley e disse que ele tinha razão sobre o que havia falado do meu caráter. Esse recebimento do Abel me fez querer mostrar que tinha a capacidade de estar na equipe — relembra o colombiano.
Assim como Wellington Monteiro, Vargas, que havia sido campeão mundial em 2003 com o Boca, cita que ficou impressionado com o detalhamento na preparação de Abel para a final do Mundial. Ele cita como determinante a forma como o treinador levantou a confiança do elenco logo após a semifinal, quando o Inter passou com sustos pelo Al-Ahly, do Egito, e o Barcelona goleou o América, do México.
— O mais importante do Abel foi o planejamento do jogo. Ele estudou muito bem o rival, deu tranquilidade ao grupo depois do primeiro jogo, da semifinal. Havia muito nervosismo no ambiente porque havíamos sofrido para vencer e o Barcelona goleado. Ele tinha tudo bem planejado, até as mudanças pensadas. Antes de começar o jogo me disse para eu aquecer porque iria entrar no segundo tempo. Isso mostrou que ele havia planejado o jogo e sabia das mudanças que precisaria para conquistar a vitória. Abel planejou bem tudo que iria fazer naquele dia — completa.
Xodó bancado contra bronca da torcida
A campanha do Inter da Libertadores de 2006 teve um nome que não estava nas graças da torcida. Isso, porém, não impediu que Michel fosse titular ao longo de toda a fase de grupos, quando marcou três gols – inclusive o primeiro da campanha. O ex-atacante recorda que as cobranças externas não entraram no vestiário porque recebeu de Abel Braga a confiança necessária para manter a cabeça em pé.
— O Abel sempre foi um cara especial. Além de um grande treinador, ele consegue ter o vestiário na mão, e isso é importante demais no futebol. Não é fácil lidar com um grupo de 30 jogadores, onde só 11 jogam. O Abel conseguia deixar todos unidos com ele, isso é algo que poucos treinadores conseguem. O Abel fez a diferença de confiar em mim. Ele confiava na minha leitura de jogo, eu sabia entender a parte tática e ele reconhecia isso — conta.
Michel destaca outra característica daquele trabalho de Abel Braga. Ele aponta que aquela comissão técnica do Inter conseguia passar para os jogadores um detalhamento dos adversários que era incomum há 16 anos.
— O fundamental para sermos campões foi a entrega dos atletas ao modelo de jogo que ele escolheu para a final. A gente teve uma leitura sabendo que podia confiar no que ele passou. O Abel estudou muito bem o adversário e isso fez a diferença. O Abel foi estrategista, mexeu em peças do nosso esquema, como no posicionamento do Fernandão, para encaixar. O sistema de jogo montado por ele fez a diferença. A comissão técnica do Inter conseguiu trazer muitas informações dos adversários. O Abel é muito estrategista. A gente vê o Abel paizão, o cara do vestiário, mas ele tem uma leitura muito boa. Fazíamos grandes jogos porque tínhamos um treinador muito estrategista. A marca do paizão ficou no Abel, muitos atletas têm carinho por ele, mas, além disso, ele sempre foi um cara muito estrategista — ressalta.
O ano de 2006 marcou uma das sete passagens de Abel Braga pelo Inter. Ao todo, ele comandou o clube em 340 partidas tendo conquistado além da Libertadores de 2006 também dois campeonatos gaúchos (2008 e 2014). Mas o Mundial de Clubes do dia 17 de dezembro foi o ponto mais alto da carreira que oficialmente terminou nesta quinta-feira.