Mais até do que um hábito, acompanhar Inter x Corinthians, na quinta-feira (25), com um rádio colado no ouvido será essencial para saber se ainda pode sonhar com o tetra. Dois pontos atrás do Flamengo nessa última rodada do Brasileirão, o time de Abel Braga precisará vencer o adversário e torcer para que os cariocas não ganhem do São Paulo. Essa combinação de resultados dá o troféu aos gaúchos pelo saldo de gols, critério de desempate quando há igualdade de pontos e de vitórias.
No Rio Grande do Sul já existe essa cultura. É comum torcedores com fones de ouvido ou rádio, mesmo dentro de casa, seja para saber como estão os demais resultados (normalmente secando o time rival) ou para acompanhar um ritmo diferente de narração. Na quinta-feira, os olhos estarão voltados para o Beira-Rio, e os ouvidos, ligados no Morumbi. Mas e entre os jogadores? É melhor ficar sabendo o que ocorre em São Paulo ou o ideal é não falar nada? Como esquecer do resultado paralelo?
Para o ex-zagueiro Bolívar, multicampeão com o Inter, o mais adequado é não dar atenção ao que está fora do alcance:
— Não tem como não ficar ligado no outro jogo. Mas de nada adianta pensar lá e não fazer o que precisa em casa. São dois confrontos complicados, tanto para o Flamengo quanto para o Inter. Então, o importante mesmo é cuidar de si.
Fabián Carini, goleiro uruguaio, estava no banco de reservas em Udine em 5 de maio de 2002 quando a Juventus venceu a Udinese por 2 a 0 e, graças ao resultado paralelo (Lazio 4x2 Inter de Milão), conquistou o Campeonato Italiano. Ele disse:
— Tivemos sorte de fazer 2 a 0 com um gol aos 70 segundos e outro aos 10 minutos. Então pudemos esperar com mais tranquilidade o resultado de Roma. Foi uma grande festa, especialmente quando retornamos a Turim.
Nos últimos anos, o Inter viveu três momentos intensos de não depender apenas de si. Em dois deles, ambos na disputa pelo título, o resultado não veio. No outro, lutando contra o rebaixamento, a rodada terminou em felicidade.
Na quinta-feira, Por mais que tente não saber o que ocorrerá entre São Paulo e Flamengo, o Inter estará atualizado da situação no Morumbi. Assim como já ocorreu em outras ocasiões, integrantes da comissão técnica serão avisados por rádio do andamento da outra partida que interessa. Apesar disso, publicamente tratarão apenas do foco no Corinthians.
Abel Braga deu o tom sobre o comportamento:
— Temos de fazer nossa parte. Não vamos entrar preocupados com nada. De repente, se o São Paulo fizer um gol, eu aviso.
O meia Praxedes concorda:
— A nossa obrigação é vencer o Corinthians primeiro. O que acontecer do outro lado a gente vai ficar sabendo depois.
Em um estádio lotado, a reação dos torcedores naturalmente seria percebida. Como haverá apenas credenciados, diminui a intensidade.
Apesar de evitar passar informações enquanto a bola estiver rolando (a não ser em casos especiais ou nos últimos instantes), a curiosidade é natural. Duas rodadas atrás, quando Flamengo e Inter jogaram ao mesmo tempo, jogadores perguntaram, ainda no intervalo do jogo contra o Vasco, em São Januário, como estava o confronto do Maracanã (àquela altura, Fla e Corinthians empatavam em 1 a 1, mas os cariocas venceram no segundo tempo).
Veja as demais partidas recentes que o Inter precisou de resultados paralelos.
Brasileirão 2002
- 17/11/2002
- Paysandu 0x2 Inter
- Clemer; Luiz Alberto, Chris e Vinícius; Claiton, Alexandre, Cleitão (Duílio), Daniel Carvalho e Chiquinho (Cássio); Mahicon Librelato (Fabiano Costa) e Fernando Baiano. Técnico: Cláudio Duarte.
Olhos em Belém, ouvidos em muitos outros lugares e coração quase saltando do peito. A luta no Brasileirão de 2002 era para não ser rebaixado e na última rodada, o Inter precisava vencer o Paysandu no Mangueirão lotado e torcer por resultados paralelos. Serviam derrotas ou empates de Palmeiras (versus Vitória) e Paraná (contra o Figueirense). Se ambos não ocorressem, ainda seria salvo se Portuguesa e Bahia empatassem.
Depois de fazer tudo errado na competição, a rodada derradeira foi iluminada. O Inter ganhou por 2 a 0, o Palmeiras levou 4 a 3 na Bahia e o Paraná ficou no 2 a 2 com o Figueirense.
Os atletas ficaram sabendo dos resultados na parte final do jogo, pela reação do banco de reservas, e comemoraram muito, aliviados, a permanência na Série A.
— Falei depois daquele jogo: "Eu nunca mais vou ser treinador do Inter" — declarou o técnico Cláudio Duarte, que garante ter sentido constrangimento ao ver aquela festa de um clube que ajudou a ser campeão brasileiro.
Brasileirão 2005
- 4/12/2005
- Coritiba 1x0 Inter
- André; Élder Granja, Bolívar, Vinícius e Jorge Wagner; Edinho, Tinga, Ricardinho (Márcio Mossoró) e Fernandão; Rentería (Gustavo) e Rafael Sobis. Técnico: Muricy Ramalho
Teve jogo repetido, teve pênalti não marcado no confronto direto e teve jogos concomitantes para Inter e Corinthians na última rodada do Brasileirão de 2005. O Brasileirão mais polêmico desde a implementação dos pontos corridos ainda deu ao time gaúcho uma última chance de ser campeão, passando por cima de STJD, erro de arbitragem e até declarações pouco republicanas do ex-presidente corintiano Alberto Dualib, que usou a palavra "roubado" para se referir ao jogo entre os dois.
Na rodada final do campeonato, o Inter visitou o Coritiba desesperado lutando contra o rebaixamento enquanto o Corinthians foi à Goiânia enfrentar o Goiás. Para ser campeão, o time de Muricy precisava vencer, esperar uma derrota corintiana e ainda tirar cinco gols de saldo.
Parte do resultado paralelo ocorreu: mesmo no Serra Dourada lotado pela Fiel, o Goiás venceu por 3 a 2. Só que no Couto Pereira, o Inter também perdeu, 1 a 0, e acabou três pontos atrás. Houve uma tímida celebração dos colorados, que ainda alimentavam esperança de resolver o campeonato nas vias judiciais. Mas as ações foram abandonadas depois de ameaças de punição ao clube.
Brasileirão 2009
- 6/12/2009
- Inter 4x1 Santo André
- Lauro; Danilo Silva, Índio, Bolívar e Kléber (Talles Cunha); Sandro, Andrezinho (Fabiano Eller), Giuliano e D´Alessandro; Taison e Alecsandro (Marquinhos). Técnico: Mário Sérgio
Se o Brasileirão de 2005 teve a carga emocional do confronto Inter x Corinthians e da reviravolta jurídica, o de 2009 enveredou para o folclore. Na última rodada, o Inter começou como segundo colocado e teria pela frente o rebaixado Santo André no Beira-Rio. Para ser campeão, precisava de uma vitória combinada a um (atenção para a coincidência) empate ou derrota do Flamengo. O problema é que o adversário carioca era o Grêmio.
Sem nada para fazer no Brasileirão, o Tricolor mandou um time recheado de garotos ao Maracanã. Antecipou férias e tinha o interino Marcelo Rospide como técnico. Nesse cenário, até surpreendeu quando Roberson abriu o placar para os gaúchos, mas com gols de Adriano e Ronaldo Angelim, o rubro-negro virou e foi campeão. De nada adiantou a goleada colorada por 4 a 1.
Ficaram os memes de colorados torcendo e comemorando gol do Grêmio e a declaração de Douglas Costa ao canal Pilhados:
— Imagina a gente com o time reserva vencer o melhor time do Brasil e dando o título para o Inter? Como que ia ficar? Eu dava umas pedaladas pra cá outras pra lá, mas tudo longe do gol. Não podia entregar porque ficaria feio, mas tem que jogar pra não ganhar. No final deu tudo certo, né?