Do simbólico Passo das Emas à Arena da Baixada. O Inter terá a chance, a partir da próxima semana, de se reconciliar com a sua história. Não que o rebaixamento de 2016 seja apagado. Pelo contrário. É daqueles episódios que jamais devem ser esquecidos — até para que não sejam repetidos por gerações vindouras. Mas a possibilidade de voltar a conquistar um grande título nacional surge uma vez mais na vida colorada.
Depois de viajar de Varginha a Caruaru, passando por situações constrangedoras durante a temporada 2017, o Inter pode ser uma vez mais campeão da Copa do Brasil, torneio que venceu 27 anos atrás. E boa parte do elenco atual esteve na caravana da Série B e é responsável pela reconstrução atual. A goleada sobre o Cruzeiro, além de colocar o clube na final da competição, emprestou ao Inter uma confiança ratificada pelo sorteio ter colocado a finalíssima no Beira-Rio.
Uendel, D'Alessandro, Nico, Dourado, William Pottker, Víctor Cuesta, Edenilson, Danilo Fernandes e Marcelo Lomba, além de Klaus, Daniel e Dudu, todos estavam naquela campanha recheada de percalços, com três técnicos diferentes, que teve início no Estádio do Café, com final (quase) feliz na Arena Barueri.
— Assumimos o clube, em janeiro de 2017, em uma situação muito difícil, com a base sucateada, e precisando mudar grande parte do elenco — recorda o vice de futebol do Inter, Roberto Melo. — Precisamos ter muita convicção e resiliência para chegar até aqui, à final da Copa do Brasil. Naquele ano, tivemos uma grande frustração que foi perder o Gauchão (para o Novo Hamburgo, na decisão por pênaltis). E, depois, tivemos um momento de grande pressão interna, quando não tínhamos outra alternativa a não ser retornar à Série A. O jogo com o Oeste (o primeiro do breve interinado de Odair Hellmann, e quando o Inter confirmou a volta para a Primeira Divisão) foi o momento de maior pressão e de tensão. Porque não poderíamos arriscar ir para as duas rodadas obrigados a vencer (o Goiás, fora, e o Guarani, em casa). Odair é fruto da convicção que o clube teve em um trabalho, estruturado e com tempo — acrescenta Melo.
Para remontar o elenco, o Inter deu alguns lances ousados para quem foi ao mercado com pouco dinheiro. Buscou Uendel, no Corinthians, Edenilson, no Genoa, William Pottker, na Ponte Preta, e Víctor Cuesta, no Independiente (ARG).
— Tivemos dificuldades na largada da Série B porque montamos o grupo pensando em um time para pelo menos dois anos. Não fomos atrás de jogadores especialistas em Segunda Divisão, com quem poderíamos assinar por uma temporada apenas, e que depois não nos dariam retorno na Série A. Na hora de formar o grupo, pensamos em jogadores vencedores, mas ainda com fome de conquistas. A pressão por títulos é natural e tem que existir, é claro. Há vários jogadores que compraram o nosso projeto desde a Série B. Mas nem todos quiserem vir — conta o vice de futebol colorado.
Se Uendel foi um dos reforços de peso para uma época de recursos (mais) escassos, uma vez que trocou o Corinthians em alta por um clube que estava na Série B, outros nomes não aceitaram as ofertas do Inter. Um deles foi Bruno Henrique, hoje estrela do Flamengo e da Seleção Brasileira. O atacante, então com 27 anos, havia pedido para deixar o Wolfsburg (ALE) e voltar ao Brasil. Quando soube do interesse colorado, esboçou o retorno, mas desistiu porque não teria a vitrina da Primeira Divisão. Acabou assinando com o Santos.
— Eu apostava nisso (que o Inter voltaria breve a disputar um grande título). Apostava que a Série B seria uma passagem. Me senti honrado com a procura do Inter. Muitos não entenderam. Mas, para mim, estava claro que era uma chance única. Fiz todos os esforços para vir e deu certo. Olhando agora, com a gente na final da Copa do Brasil, posso dizer que foi uma escolha certa. Não só por isso. Sentimos orgulho em ter devolvido o time de volta à Série A, em ter colocado a equipe na Liberadores e em uma final. É algo gratificante para todos nós. Poder olhar para o Inter disputando todos os títulos possíveis mostra que nosso trabalho está sendo muito bem feito - disse o lateral-esquerdo Uendel.
Se a falta de taças incomoda muitos torcedores, como a derrota para o Novo Hamburgo na final do Estadual de 2017, além de ascender à Série A sem vencê-la — ainda que alguns torcedores sequer desejassem a conquista da Série B —, a temporada 2018 foi de reconstrução. O Inter não atingiu a final do Gauchão, mas surpreendeu no Campeonato Brasileiro, ficando na terceira colocação e voltando à Libertadores. Para jogadores que não chegaram a render o que se esperava, contratados em meio ao aperto financeiro, como Felipe Gutiérrez, Camilo, Alemão, Lucca, Rossi, Carlos, Roberson, Carlinhos e Marcelo Cirino (que enfrentará o Inter na final da Copa do Brasil), o clube deu um tiro certo e ousado em Paolo Guerrero. Apostou e ganhou um novo goleador.
— Temos um grupo com uma fome muito grande por vitórias. Uma fome muito grande por vencer. A turma que roeu o osso desde lá atrás, agora está aqui, na final. E eles merecem muito esse momento — entende Roberto Melo.
A passagem à final da Copa do Brasil e os R$ 21 milhões em prêmios já garantidos afastam o Inter um pouco mais da crise financeira a que foi atirado em 2016. Caso seja campeão, o prêmio será de R$ 52 milhões.
— Tenho certeza de que estaremos ainda melhor no ano que vem, independentemente do que ocorrer na final. Mas queremos o título, queremos ser campeões. E tiramos um grande aprendizado do jogo do Maracanã (a derrota por 2 a 0 para o Flamengo, o que acabou gerando a eliminação na Libertadores) para que não aconteça de novo. Naquele jogo, estava dando tudo certo até os 30 minutos do segundo tempo. Aprendemos. Cada jogo tem uma história — conclui Melo.
A partir desta quarta-feira, em Curitiba, o Inter terá a chance de começar a se reconciliar com a sua história de grandes títulos. E deixar o retorno ao Passo das Emas somente para o dia em que a Luverdense chegar à Série A.
Da queda aos títulos
Há bons exemplos recentes de reconstrução de elencos e de clubes no futebol brasileiro. Há vida depois do descenso. Talvez o caso mais evidente seja o Corinthians de 2009, e que, para azar do Inter, envolve uma decisão de Copa do Brasil no Beira-Rio. Rebaixado em 2007, no Estádio Olímpico, após empate por 1 a 1, e devido a uma combinação de resultados que não o favoreceu, o Corinthians buscou no Grêmio o técnico Mano Menezes e investiu pesado em reforços. O principal deles, Ronaldo Nazário, que havia deixado o Milan e estava treinando no Flamengo — mas acabou não assinando com o clube carioca. Campeão da Série B, o Corinthians voltou à Primeira Divisão em 2009 e, de cara, aos grandes títulos. Venceu o Inter na final da Copa do Brasil (2 a 0, no Pacaembu, e 2 a 2, no Beira-Rio) e coroou o seu retorno.
Ao lado, o Inter tem um ótimo exemplo. Rebaixado em duas oportunidades, o Grêmio se reinventou e retomou grandes conquistas. Após o primeiro descenso, em 1991, beneficiado pelo retorno de 12 clubes da B para a Série A (até 1990, subiam apenas oito), o Grêmio se classificou em nono e, em anos seguintes, encarreirou campanhas com grandes títulos em sequência, como a Copa do Brasil de 1994, a Libertadores de 1995, e o Brasileirão de 1996, todos na Era Felipão.
A chance de grandeza está aberta uma vez mais para o Inter. Resta aproveitá-la.
Os exemplos de quem foi ao fundo do poço e voltou com taças
Corinthians
Rebaixado em 2007
Campeão da Série B em 2008
Volta à Série A em 2009
Campeão da Copa do Brasil em 2009
Grêmio
Rebaixado em 1991
Disputou a Série B em 1992
Campeão Gaúcho em 1993
Volta à Série A em 1993
Campeão da Copa do Brasil em 1994
Campeão Gaúcho em 1995
Campeão da Libertadores em 1995
Campeão Gaúcho em 1996
Campeão Brasileiro em 1996
Campeão da Recopa Sul-Americana em 1996
Campeão da Copa do Brasil em 1997
Rebaixado em 2004
Campeão da Série B em 2005
Campeão Gaúcho em 2006
Volta à Série A em 2006
Campeão Gaúcho em 2007
Vasco
Rebaixado em 2008
Campeão da Série B em 2009
Volta à Série A em 2010
Campeão da Copa do Brasil em 2011
Palmeiras
Rebaixado em 2012
Campeão da Série B em 2013
Volta à Série A em 2014
Campeão da Copa do Brasil em 2015