A quarta década do Beira-Rio começou como provação aos colorados. A promessa de um grande time para buscar o tetra brasileiro desmoronou ao longo de 1999. Na Copa do Brasil, o Inter foi eliminado pelo Juventude nas semifinais com contundente 4 a 0 em Porto Alegre. O resultado deixou nos torcedores um misto de melancolia e desesperança. O time havia perdido o Gauchão e brigava contra o rebaixamento. Chegou à última rodada do Brasileirão precisando vencer o Palmeiras de Paulo Nunes e Felipão, então campeão da América.
Naquele 10 de novembro, o estádio estava lotado de torcedores apreensivos. O ar pesava nas arquibancadas. Aos 37 minutos do segundo tempo, Dunga fez o gol salvador. O tempo que faltava foi marcado por chance perdida pelo Palmeiras, luz apagada e o que mais de drama que possa haver em uma praça esportiva.
No meio daquele sofrimento todo, o motorista Geison Garcia, hoje com 30 anos, conheceu a casa colorada. Os ingressos a R$ 1 deixaram as arquibancadas cheias. E, da coreia, o torcedor de 11 anos viu, com seus irmãos, o enredo da história que livrou o Inter da Segunda Divisão:
— O Palmeiras era uma máquina. Era pequeno, não entendia muita coisa. Mas o que não sai da minha memória é o peixinho que o Dunga deu.
Mesmo na dificuldade, o guri havia cumprido a promessa que fizera para a vó Deny da Luz Garcia três anos antes, quando ela lhe ofereceu um presente para que deixasse de lado a ideia de torcer para o Grêmio:
— Ela fez uma proposta quando eu tinha oito anos: "Se tu fores colorado como a vó, te dou um fardamento completo". Troquei de time na época em que o Inter estava mal. O meu amor não nasceu de taça. Foi um sentimento puro, de criança.
Valeu a pena manter aquela promessa. Infelizmente, a avó Deny morreu em 2000 e não pôde ver o neto ter orgulho dos resultados do time. Mas Geison estava lá. E, enfim, foi exaltado.
Havia um sentimento de revolta na torcida em 2006. O título do Brasileirão de 2005 tinha sido tomado por uma decisão polêmica de tribunal, com remarcação de jogos que beneficiou o Corinthians. Assim, a Libertadores do ano seguinte era o objeto de desejo para o time de Abel Braga, o substituto de Muricy Ramalho.
No Beira-Rio, a equipe terminou a competição invicta. Foram sete jogos, cinco vitórias e dois empates. O segundo empate foi o mais importante da história do estádio. Era 16 de agosto de 2006. Uma semana antes, Rafael Sobis havia marcado os dois gols da vitória sobre o São Paulo por 2 a 1. Por isso, era grande a expectativa para o segundo jogo da final, em Porto Alegre. Quase 58 mil colorados viram um time corajoso e determinado abrir 1 a 0, gol de Fernandão. Tentaram não se abater quando Fabão empatou. Renovaram a esperança quando Tinga fez 2 a 1. Temeram quando ele foi expulso na comemoração. E sofreram do gol de Lenilson até Horacio Elizondo apitar o final no 2 a 2 da decisão da Libertadores. Era o êxtase. Talvez não fosse possível ser mais feliz do que naquele dia.
Era. Em 19 de dezembro, uma legião de colorados espalhou-se por Porto Alegre ainda em transe por aquilo que haviam visto pela TV dois dias antes. Em Yokohama, aquele time que ganhara a Libertadores acabava de vencer o Barcelona por 1 a 0. Adriano Gabiru, o mais criticado dos jogadores colorados, era o herói improvável. A delegação voltou do Japão e foi carregada até o Beira-Rio onde as arquibancadas estavam cheias para recepcionar os campeões mundiais. O capitão Fernandão pegou o microfone e comandou a festa, primeiro com um discurso emocionado e depois cantando as músicas da torcida com a multidão.
Meio ano depois, o estádio foi coroado com mais uma conquista, a Recopa Sul-Americana. Em 2008, a equipe treinada por Tite e que já contava com D'Alessandro conquistava a Copa Sul-Americana. O Inter era o campeão de tudo. Às vésperas do centenário, o clube vivia um de seus momentos mais gloriosos. Para os torcedores, como Geison, era a consagração.
— O Beira-Rio significa as raízes do clube do povo. Nasci e me criei em uma zona pobre, onde imagino que 70% das pessoas são coloradas. A gente se sente dentro da nossa casa, onde a gente abraça o cara do lado, faz amizade com quem está perto — finaliza.
Na década seguinte, o cenário — de desalento à euforia — inverteu-se, como veremos na última matéria dessa reportagem especial.