A segunda década do Beira-Rio começou e terminou com vitórias memoráveis. O período entre 1979 e 1989 teve início com a conquista do tricampeonato nacional em um título invicto e, pouco antes do 20º aniversário do estádio, uma virada em um Gre-Nal histórico significou a classificação para a decisão do Brasileirão e a consequente vaga na Libertadores. O miolo da década, porém, passou sem que houvesse grandes títulos – ainda que estrelas tenham sido reveladas. O maior feito colorado da década de 1980 ocorreu a 10 mil quilômetros de distância, a medalha de prata na Olimpíada de Los Angeles.
— Pode até não ter sido a época mais vitoriosa do Inter, mas foi um período importante para mim. Na época, jogava nas escolinhas do clube, que ficavam no entorno do Beira-Rio. Quando os treinos acabavam, corríamos para o estádio para ver os atletas. Na época, os jogadores davam entrevistas no pátio e chegávamos bem perto para acompanhar. Era uma época em que os ídolos não estavam na TV, estavam na nossa frente — lembra o colorado Marcelo Cardoso da Silva, 44 anos.
Foi basicamente isso o que deixou de legado a década de 1980. Saíram da base Cléo, Gilmar, Luiz Carlos Winck, Aloísio, Pinga, Taffarel, Dunga, Kita. De fora, chegaram Geraldão, Ademir, Ruben Paz, Ademir Alcântara, Silvinho. Todos acabaram campeões das grandes competições, mas não com o Inter, que só levantou taças de Gauchão (tetra de 1981 a 1984).
Para ver esses jogadores, Marcelo, atualmente juiz federal em Gravataí, começou a frequentar o Beira-Rio levado pelo pai, Valter Gonçalves da Silva. Com um detalhe curioso: como era diretor de árbitros da FGF, Valter só podia levar o filho ao estádio, deixá-lo na porta e ir embora.
— Meu pai fazia um trabalho sério, mas para evitar problemas maiores dizia que torcia para a Seleção Brasileira — diverte-se.
Valter morreu em 1980. Alguns anos depois, sua mãe se casou novamente. E, com o padrasto, Valdemarino Melgaré, que foi conselheiro do Inter, voltou a frequentar as arquibancadas. Agora, transmite o sentimento para o filho Tobias, 11 anos, que já começou a ser assíduo no estádio.
Quer que um dia ele possa ter a mesma sensação de fevereiro de 1989. Naquele ensolarado domingo pós-Carnaval, o Inter saiu de um intervalo sendo derrotado por 1 a 0 para o Grêmio, na semifinal do Brasileirão, para uma virada consagradora no segundo tempo. Para Marcelo, foi o estádio o principal responsável pela mudança no placar no chamado Gre-Nal do Século.
— Foi a primeira vez em que vi o estádio todo o tempo de pé. Da volta do vestiário em diante, ninguém mais sentou. Era um ambiente muito tenso e entendemos que precisávamos ajudar. Foi a relação entre time e torcida mais bonita que vivi — aponta o juiz, lembrando da festa que se sucedeu à vitória, unindo todos os colorados por Porto Alegre e pelo Interior.
Hoje, a realidade é outra. Já não há mais treinos no complexo Beira-Rio. Não há mais entrevistas no pátio. Não há mais escolinhas por lá. Ficou, para Marcelo, a memória de um lugar absolutamente democrático. Iam de milionários empresários nas cadeiras cobertas a mendigos que esmolavam para conseguir os trocados que davam lugar na coreia. Todos com o mesmo intuito, passando pelas mesmas aflições, vivendo a mesma expectativa. Rindo e chorando juntos.
— Por isso o Beira-Rio teve mais cara de casa do que de monumento para mim. Ele sempre foi um lugar de congraçamento, de encontro de gerações. Avós, pais, tios, filhos, sobrinhos, amigos. Todos caminhando a um palco eterno de esperança, alegrias e frustrações — resume.
Sobre frustrações, aliás, uma é inesquecível para Marcelo. Talvez a mais dolorida dos 50 anos do Beira-Rio. A ferida da derrota para o Olimpia, na semifinal da Libertadores de 1989, deixou a perda do título nacional para o Bahia como um pequeno arranhão. Mas isso foi depois de 6 de abril daquele ano, e é assunto para a próxima década.