O dia 13 de janeiro de 2019 pode ter sigo emblemático para o futuro das categorias de base do Inter. Naquela tarde, em Taquaritinga, o time sub-20 era eliminado da Copa São Paulo de Futebol Júnior, levando uma goleada histórica de 5 a 0 do Guarani. O vexame ganhou uma dimensão ainda maior porque quatro gols foram marcados por Matheus Alvarenga de Oliveira, o Davó — apelido dado ao atacante porque a "vó" Helena estava presente em todos os treinos do garoto. Davó não sabia, mas antecipou uma pequena revolução na base colorada.
O técnico Ricardo Grosso foi demitido menos de 48 horas depois da pior derrota do tetracampeão da Copinha em 50 anos de história da principal competição da categoria do país. Na sexta-feira (1°), o Inter contratou Erasmo Damiani para assumir o cargo de gerente executivo da base. Ex-diretor das seleções inferiores da CBF e responsável pela seleção olímpica que conquistou o ouro em 2016, Damiani era o executivo de futebol do CRB.
Mesmo com essas mudanças, o Inter receberia outro golpe uma semana depois da eliminação na Copinha. Foi goleado por 4 a 1 pelo Grêmio na Copa Santiago, sofrendo todos os gols ainda no primeiro tempo. Mas as alterações seguiram seu curso no clube. Foi determinada a construção de novo campo de futebol no CT Parque Gigante em lugar de quadras de tênis, ao lado do gramado de treino dos profissionais, para os times sub-23 e sub-20. Também estão previstas melhorias no CT de Alvorada, já como orientação da consultoria belga Double Pass, que tem contrato para assessorar a base colorada em prazo inicial de 24 meses.
Em nota, o Inter justificou as mudanças: "Decidimos participar da Copa São Paulo e da Copa Santiago com equipes mais jovens. O time que jogou a Copa São Paulo tinha 11 atletas com idade sub-17, enquanto a equipe que foi a Santiago tinha 12 atletas sub-16. Para leigos, pode parecer que um ano não faz diferença neste tipo de competição, contudo esta pequena diferença de idade é, sim, um fator relevante. Estes resultados deixaram lições, que vamos trabalhar para que não se repitam. Mas, acima de tudo, não vamos nos deixar abalar por este revés e seguiremos lutando por um Celeiro de Ases mais forte".
A aparente seca na Morada dos Quero-Queros talvez não seja culpa apenas da baixa produção da base. Nas recentes temporadas, o Inter tem optado por buscar jogadores de talento duvidoso a investir na garotada. A grave crise financeira gerada a partir de 2015 no clube seria apenas parte da explicação para contratações de baixo custo. A ausência de jovens com chances reais no time principal pode estar freando a evolução dos novatos.
— Estamos, como clube, em um processo de reafirmação. O ano passado foi de retomada, de credibilidade, vai acontecer (o ingressos dos jovens no time de Odair Hellmann). Estamos em um momento de confirmação do que fizemos no Brasileirão do ano passado. Assim que tiver espaço, a qualidade destes jovens vai aparecer e eles vão ocupar este espaço. É a ordem natural das coisas, é o DNA do Inter — diz o diretor-executivo do Inter, Rodrigo Caetano. — Neste ano, devido ao número de competições que temos, surgirão essas oportunidades.
No mercado, uma crítica feita à base do Inter é que há preocupação maior com as conquistas de títulos do que com a formação de atletas. Muitas vezes, comentam profissionais ligados às categorias inferiores, a opção na Morada dos Quero-Queros é de jogar com atletas que estão no limite da idade ou mesmo em seu pico físico, a fim de se impor sobre os adversários.
Em defesa das categorias de base, o Inter apresenta números da gestão Marcelo Medeiros. Em 2017 e 2018, o clube justifica o investimento na garotada com 25 títulos conquistados em 42 campeonatos disputados. Do Brasileirão de Aspirantes à Copa Verde sub-11, os dirigentes se orgulham de cada conquista. Mas as questões se mantêm. Por que esses títulos não têm repercussão no grupo profissional? Por que o Inter não forma mais jogadores do quilate de Nilmar, Rafael Sobis, Alexander Pato, Luiz Adriano, Taison, Alisson, Fred?
— O Inter teve uma interrupção tardia (na produção em massa de jogadores), e a retomada também foi tardia na base. Nos últimos meses, já tivemos conquistas importantes. Acredito em formar vencedores. Meu lema sempre foi este: revelar bons valores, acostumados a vencer — pondera Caetano.
O executivo tem experiência em processos de reconstrução. Em 2005, como gerente das categorias de base do Grêmio, Caetano foi responsável por reerguer o departamento após o rebaixamento de 2004. Como resultado imediato, em menos de um ano o Grêmio já contava com Lucas Leiva, Carlos Eduardo e Marcelo Grohe.
— É preciso entender que o Inter ainda está vivendo as consequências de 2016. É inevitável. Quando ocorre isso, um clube perde prestígio, dinheiro, na marca e até mesmo no processo de captação de novos jogadores. Uma queda traz estragos e afeta em muito as categorias de base — adverte Caetano.
O primeiro passo para recuperar foi a consultoria com a Double Pass. Os belgas estimam que o Inter voltará a ter retorno dos pratas da casa no prazo compreendido entre o final de 2019 e meados de 2020. Para junho, está prevista a conclusão do campo de futebol no espaço das quadras de tênis do Parque Gigante. O Inter quer resgatar a alma do antigo Beira-Rio, onde o pátio abrigava os gramados suplementares e o time principal treinava ao lado da gurizada. Esses campos desapareceram em 2012, devido à obra de remodelação do estádio.
— Esta reaproximação física é fundamental para que as categorias de base voltem a produzir como antes — atesta Caetano.
A comparação com o rival é inevitável. O Grêmio tratou de dar a volta por cima nas categorias de base a partir da gestão Fábio Koff em 2013. Foi aí que o Grêmio passou a investir forte nos "semiprontos", atletas comprados a partir de observações de olheiros. Nesta leva, foram buscados nomes como Luan, Walace, Wendell, Alex Telles, Pedro Rocha, Ramiro, Bressan e Arthur.
O Inter passou a adotar o mesmo procedimento a partir de 2017. A fim de qualificar as equipes de base, captou 86 novos atletas e dispensou 135 jogadores, alegando "baixa qualidade". Entre os nomes buscados em outros clubes estão Sarrafiore, Heitor, Nonato, José Aldo e Carlos Miguel. Caetano admite que o clube precisa voltar a contratar os "semiprontos", como fez em anos anteriores:
— Nossa ideia é voltar ao mercado e buscar jogadores dos 14 aos 19 anos, atletas que sejam destaques em competições importantes, em competições estaduais e nacionais. Vamos apertar os processos para que não ocorram erros. Vamos melhorar a captação de jogadores.
Enquanto o CT de Guaíba não sai da prancheta dos arquitetos — e nada indica que a Cidade do Inter será erguida antes de 2024 —, o clube manterá as categorias de base no CT de Alvorada. Caetano, executivo do Flamengo na época em que Ninho do Urubu foi erguido, destaca que Lucas Paquetá e Vinicius Júnior, que recentemente renderam R$ 256 milhões aos cariocas, surgiram no período de aproximação dos profissionais com os garotos. Ao menos os aspirantes, o sub-20 e o sub-23 estarão nesta temporada aos olhos da comissão técnica do grupo principal.
— A formação de jogadores está na essência do Inter. Assim que pelo menos dois jogadores da base assumirem a titularidade, tenho certeza de que o nosso círculo virtuoso será retomado — finaliza Rodrigo Caetano.
A esperança do Inter é que a fábrica de pratas da casa volte a produzir. Ainda em 2019.
Linha de produção
Desde 2010, 101 jogadores da base tiveram ao menos uma chance no grupo principal do Inter. Veja alguns nos nomes mais conhecidos:
2010
Juan Jesus
Sasha
Leandro Damião
Oscar
Walter
2011
Marquinhos Gabriel
João Paulo
Lucas Roggia
2012
Rodrigo Dourado
Fred
Cláudio Winck
2013
Alisson
Valdívia
Otávio
2014
Alan Costa
Taiberson
Gustavo Ferrareis
2015
William
Gefferson
Alisson Farias
2016
Andrigo
Jair
2017
Iago
Juan Alano
Charles
2018
Sarrafiore
Ronald
Nonato
2019
Pedro Lucas
Roberto
Bruno José
Reforço no caixa
Veja as principais vendas de jogadores do Inter nos últimos 15 anos*
- Oscar: € 32 milhões
- Nilmar: € 25,3 milhões
- Alexandre Pato: € 24 milhões
- Fred: € 15 milhões
- Leandro Damião: € 13 milhões
- Sandro: € 10 milhões
- Rafael Sobis: € 8,5 milhões
- Taison: € 6,3 milhões
- Walter: € 6 milhões
- Alisson: € 8 milhões
- Sidnei: € 7 milhões
- William: € 5 milhões
- Juan Jesus: € 3,8 milhões
- Luiz Adriano: € 3 milhões
- Otávio: € 2,5 milhões
*Valores brutos conforme dados do site alemão Transfermarkt, especializado em transferências no futebol.