Poucas coisas nesse mundo têm mais cara de Libertadores para o Inter do que o São Paulo. Afinal, as duas copas coloradas tiveram embates com o São Paulo, na decisão de 2006, e na semifinal de 2010. Neste domingo (14), os dois clubes voltam a se encontrar. Às 16h. No Beira-Rio. No clássico da década passada e que, uma vez mais, tem a ver com a Copa Libertadores da América. Além de ambos seguirem à caça do líder do Campeonato Brasileiro, o Palmeiras, quem ganhar terá pela frente também o caminho aberto para uma vaga direta à fase de grupos da competição continental — sem ter de enfrentar o drama e a incerteza da pré-Libertadores.
De certa forma, Muricy Ramalho é um espécie de fio condutor desse início de rivalidade. Em 2005, enquanto o São Paulo de Autuori conquistava a América e o Mundial, no Beira-Rio, o atual comentarista dos canais SporTV construía o Inter que perderia o Brasileirão no tapetão, mas que conquistaria os seus maiores títulos no ano seguinte — já com Abel Braga: Libertadores, diante do São Paulo de Muricy, e Mundial.
Naquele mesmo 2006, Muricy transformaria o Morumbi numa máquina de ganhar Brasileirões. Foram três em sequência, 2006, 2007 e 2008. Agora, o ex-treinador de Inter e de São Paulo, ele entende que as duas equipes que se enfrentarão no Beira-Rio precisam readquirir confiança.
— Não só pela pontuação, mas, principalmente pela confiança, esse jogo é muito importante para os dois. O Inter perdeu um jogo que ninguém pensava que podia perder, pois o Sport vinha muito mal. É um jogo em que o time deseja ser campeão não pode perder. Já o São Paulo, vem há vários jogos oscilando muito. Será um jogo de recuperação para os dois. Inter e São Paulo vêm pressionados e oscilando — disse Muricy.
Sem contar com um grupo tão qualificado como o do Palmeiras, Inter e São Paulo têm sofrido com as recentes e corriqueiras baixas de seus principais jogadores. E isso tem ajudado nos tropeços de ambos os times.
— O São Paulo ficou sem Everton e Rojas e, quando não teve esses atletas, perdeu uma jogada e uma ideia de jogo. Aí, perde a confiança. O Inter também, em algumas rodadas que vi, jogou sem a sua zaga principal (Rodrigo Moledo e Víctor Cuesta), e sentiu demais. São times que não têm um grande plantel, como tem por exemplo o Palmeiras, que, quando troca o time, não sente. Já Inter e São Paulo sentem muito essas mudanças — agregou Muricy Ramalho.
Espécie de eterno consultor colorado, Muricy esteve em Porto Alegre após a terceira rodada do Brasileirão. O Inter, sob forte desconfiança após um Gauchão desastroso e depois de arrancar no campeonato nacional com maus resultados, vivia tempos de crise. Muricy, então, tratou de elogiar Odair Hellmann e pediu ao presidente do Inter, Marcelo Medeiros, que tivesse fé no jovem treinador.
— Já havia pressão. Mas falei ao presidente: "Vejo um time de futebol aqui, sinto que tem um time que vai se encaixar". O Inter havia perdido para o Palmeiras jogando bem, depois, empatou com o Cruzeiro, mas amassando os caras. A campanha não me surpreende. A diretoria foi firme e correta em não mexer naquele momento — recorda o ex-treinador. — O que a gente tem que pensar é como estavam os dois times no início do campeonato. O São Paulo está há muitos anos sem títulos. Se você perguntasse para a torcida do São Paulo, uma vaga à Libertadores estaria boa demais. O Inter, idem. Não se esperava esse crescimento tão rápido. Os dois times atingiram o objetivo (de brigar pelo título) antes, ao contrário do Palmeiras, que veio crescendo aos poucos. As torcidas têm que ter esse pensamento, que (Inter e São Paulo) são dois times que estão em reconstrução. São times gigantes, que estão se ajustando, mas isso acontece pouco a pouco. Porém, no Brasil, as pessoas são muito exigentes. O Inter onde está muito bem. Agora, é o momento da confiança. Inter e São Paulo continuam na briga — ensina Muricy.
Titular colorado em 2006, capitão colorado em 2010, o ex-zagueiro Bolívar entende que o futuro do Inter no Campeonato Brasileiro será determinado no clássico vintage deste domingo, no Beira-Rio:
— Quando se tem de novo um Inter e São Paulo dessa importância, é impossível não falar das grandes decisões de 2006 e de 2010. A geração que atuou nesses clássicos levou vantagem nas finais e nos mata-matas. Sempre foram jogos emocionantes, jogos grandes, entre gigantes, que dominaram a década. Esse jogo agora é chave para o Inter, pois o time tem o mando de campo, o apoio da torcida e, se quer o título, tem de vencer esse São Paulo. Além disso, tira do caminho um concorrente direto.
Herói são-paulino e autor do gol que deu ao clube o Mundial de 2005 sobre o Liverpool, o ex-volante Mineiro tem origem colorada. Carlos Luciano da Silva foi dispensado das categorias de base do Inter por ser considerado franzino para a função. Rodou por Rio Branco-SP, Guarani, Ponte Preta e São Caetano, antes de se tornar ídolo do São Paulo. Em 2006, era titular do São Paulo vice-campeão da América. Para ele, é a retomada da antiga rivalidade.
— Um novo Inter e São Paulo, uma nova grande decisão, como nos anos 2000. Esse é um clássico sem favorito, uma partida em que só a vitória interessa a cada um deles porque os dois ainda têm grandes chances de título. Teremos um jogo difícil, duro. Esse é o Brasileirão mais equilibrado e emocionante em muitos anos — afirma o porto-alegrense Mineiro, hoje com 43 anos.
Por tudo isso, a releitura do grande clássico da década passada merece um Beira-Rio para 40 mil torcedores. Afinal, o São Paulo costuma estar no caminho dos grandes títulos do Inter.
Linha do tempo
Inter e São Paulo
- 2005 - Inter perde o Brasileirão no tapetão (Caso da anulação de 11 jogos, por suposta suspeita de manipulação de arbitragem)
- 2005 - São Paulo campeão da Libertadores, do Mundial, e conquista pela última vez o Paulistão
- 2006 - Inter é campeão da Libertadores, vencendo o São Paulo na final, e ganha o Mundial sobre o Barcelona
- 2006 - São Paulo campeão brasileiro (Inter é vice)
- 2007 - Inter vive um ano de ressaca e reformulação, após o Mundial, e a temporada é salva pela conquista da Recopa Sul-Americana
- 2007 - São Paulo é bicampeão brasileiro
- 2008 - Inter é campeão gaúcho e conquista de forma invicta a Copa Sul-Americana
- 2008 - São Paulo é tricampeão brasileiro
- 2009 - Inter é bicampeão gaúcho e conquista a Copa Suruga
- 2009 - São Paulo passa o ano sem títulos, e Muricy, tricampeão brasileiro pelo clube, é demitido
- 2010 - Inter conquista a sua segunda Libertadores. No Mundial, perde a semifinal para o Mazembe
- 2010 - São Paulo, de Fernandão, é eliminado na semifinal da Libertadores pelo Inter
- 2011 - Inter conquista o Gauchão e a sua segunda Recopa Sul-Americana. Uma guerra política se inicia no clube, a partir do racha de Vitorio Piffero com o seu antigo grupo, o Movimento Inter Grande, devido a divergências sobre a reforma do Beira-Rio
- 2011 - Ainda no São Paulo, Fernandão encerra a sua carreira como jogador, e volta ao Inter para ser diretor executivo de futebol
- 2012 - O Caso Oscar coloca Inter e São Paulo frente a frente outra vez, mas nos tribunais. O Inter é condenado a pagar R$ 15 milhões ao clube paulista (valor da multa rescisória do meia, que trocou o São Paulo pelo Inter, ainda como jogador das categorias de base, em 2009)
- 2012 - No meio do ano, Inter demite Dorival Júnior e Fernandão assume como treinador. Se encerra a era dos grandes títulos do Inter, e o clube encerra o ano apenas com a conquista do Gauchão
- 2012 - A temporada marca também a conquista mais recente do São Paulo: a Copa Sul-Americana
- 2013 - Inter é tricampeão gaúcho
- 2013 - São Paulo em crise recontrata Muricy. O clube passa por uma forte crise política, com reflexos até hoje
- 2014 - Inter é tetracampeão gaúcho. Vitorio Piffero vence a eleição no fim do ano, sobre Marcelo Medeiros, e volta a ser presidente do Inter
- 2014 - Nem Muricy salvou o São Paulo. O clube participou do Paulistão, do Brasileirão, da Copa do Brasil e da Copa Sul-Americana, passando em branco por todas elas
- 2015 - Inter de Diego Aguirre conquista o pentacampeonato gaúcho e chega à semifinal da Libertadores, sendo eliminado para o Tigres-MEX. Odair Hellmann, então auxiliar de Aguirre, assume como interino e, na estreia, perde o Gre-Nal por 5 a 0
- 2015 - O fim de uma era: Rogério Ceni se aposenta
- 2016 - Inter ganha a Recopa Gaúcha, o hexacampeonato estadual e, no segundo semestre, chega ao ponto mais baixo da sua história: o rebaixamento. Marcelo Medeiros ganha a eleição presidencial contra o então vice de finanças da gestão Piffero, Pedro Affatato
- 2016 - O São Paulo encerra o Brasileirão no meio da tabela, mas mantendo como patrimônio o fato de jamais ter caído para a Série B
- 2017 - Após grave crise institucional, o Inter consegue voltar para a Série A, mas sem título. Foi vice-campeão. O América-MG ganha a Segundona. Enquanto isso, a gestão Piffero é investigada e denunciada por irregularidades na administração do clube
- 2017 - Após permanecer 14 rodadas no Z-4, São Paulo escapa do rebaixamento, mas faz a sua pior campanha na história do Brasileirão de pontos corridos
- 2018 - Inter mantém Odair Hellmann como treinador, mesmo após a eliminação no Gauchão, e ainda sonha com a conquista do Brasileirão
- 2018 - Em março, São Paulo demite o ex-Inter Dorival Júnior e contrata o ex-Inter Diego Aguirre. Como jogador, no Brasil, o uruguaio foi atacante de Inter e de São Paulo