Após o esclarecimento de que é falso um áudio que relaciona a vacina contra covid-19 com o problema cardíaco que levou o volante Lucas Leiva à aposentadoria, um médico ligado ao caso do atleta gremista deu novas informações sobre o assunto. Ouvido pelo projeto Comprova (coalizão de veículos de comunicação que investiga conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais), o cardiologista Leandro Zimerman, que atende o jogador em Porto Alegre, disse que não viu evidência relacionando a condição de Lucas ao fato de ter recebido a vacina.
— Definitivamente, não é essa a ideia. Não é uma hipótese que estamos levando a sério.
Zimerman relata que uma série de fatos aponta para a ausência de relação, a começar pela época que o jogador de 36 anos recebeu as doses e o tipo de vacina. Além disso, destaca que a chance de miocardite pós-vacinação é muito baixa e, nos casos em que aparece, geralmente ocorre em jovens e adolescentes.
O cardiologista lamentou ainda o teor do áudio que circula nas redes e reforçou que as pessoas devem tomar as vacinas quando forem chamadas:
— A chance de fazer uma miocardite pela vacina é muito menor do que a chance de desenvolver a mesma condição ao pegar o vírus. Então, é óbvio que vale a pena.
Lucas anunciou a aposentadoria do futebol em 17 de março devido a uma fibrose cicatricial do miocárdio. Em coletiva de imprensa, o médico do Grêmio, Márcio Dornelles, disse que o problema provavelmente derivou de uma miocardite — que é uma inflamação no músculo cardíaco com múltiplas causas, mas geralmente resultado de uma infecção no organismo.
Ouvido pelo Comprova, Dornelles ressaltou que o atleta não teve nenhuma alteração cardíaca constatada nos exames realizados em junho do ano passado, quando o clube gaúcho contratou o volante. A condição só viria a ser descoberta em dezembro, na bateria de exames de pré-temporada. Nesse intervalo, Lucas não recebeu nenhuma dose da vacina.
A miocardite já foi descrita, de fato, como um evento adverso extremamente raro das vacinas contra a covid-19, em especial as que usam plataformas de RNA mensageiro, como a Comirnaty, da Pfizer. Mas, ao fazer uma relação com o caso de Lucas, o conteúdo espalha desinformação.
De acordo com nota técnica do Ministério da Saúde, a incidência de miocardite como reação adversa das vacinas contra a covid-19 ocorre na ordem de 0,029 eventos para cada 100 mil doses aplicadas no Brasil, ou um caso a cada 3,4 milhões de doses. A maioria dos pacientes apresenta sintomas leves, dentro de duas semanas, e se recupera. Autoridades de saúde e especialistas ressaltam que os benefícios são maiores do que os riscos do medicamento.
A miocardite pode surgir por múltiplas causas, mas ocorre principalmente por conta de infecção por um vírus. Diversos outros agentes, como bactérias e protozoários, podem desencadear o processo. A maioria das pessoas recupera o músculo normalmente, mas há casos em que as fibras acabam sendo substituídas por tecidos mais rígidos que se assemelham a cicatrizes e apresentam capacidade de contração reduzida.
Além de prejudicar o rendimento físico, a condição pode causar arritmias graves e parada cardíaca diante do esforço mais intenso, como é o caso de atletas de alto rendimento. Lucas não apresentou evolução no quadro nos últimos meses e foi aconselhado a interromper a carreira para não correr riscos de desenvolver uma situação mais grave.