Coube a Dênis Abrahão a responsabilidade de comandar o departamento de futebol nas últimas 14 rodadas de um Brasileirão em que o Grêmio teve pontuação de rebaixamento em todo o campeonato. A missão de evitar a queda para a Série B não foi alcançada, mas o dirigente ainda assim aceitou o desafio de permanecer no cargo para tentar levar o clube de volta à elite do futebol brasileiro.
O amor às cores azul, preto e branco é a justificativa dada por ele sempre que questionado sobre a motivação para aceitar tal tarefa. Para isso, o vice de futebol precisou fazer ajustes profissionais e superar a resistência familiar para seguir em um cargo que gera desgaste e exposição.
Mas, convicto de que fez a decisão certa e de que poderá promover as mudanças tão necessárias no futebol do Grêmio, Dênis Abrahão recebeu a reportagem de GZH em sua sala no CT Luiz Carvalho para falar sobre o planejamento tricolor para a temporada 2022. Confira os principais trechos.
O que te motivou a seguir no cargo na Série B?
Como pode um cara aceitar o desafio que eu aceitei faltando 14 rodadas, todo mundo sabendo que o Grêmio já tinha caído para a Segunda Divisão e eu acreditando que poderia salvar o clube que eu amo? O que me faz acreditar que eu não possa trazer o Grêmio de volta para a Série A? Eu fui partícipe da queda, não fui principal, mas participei. Fiz o meu melhor e, infelizmente, não foi possível, mas quero olhar para frente. É para frente que se olha. Eu aceitei o desafio porque acredito que eu posso ajudar.
Que mudanças precisam ser feitas para a Série B?
É fundamental uma estupenda pré-temporada. O Vagner (Mancini) e sua comissão técnica sabem de que eu vou cobrar muito forte uma pré-temporada. Vai começar no dia 10 de janeiro e ficaremos em pré-temporada, no mínimo, quatro semanas. Eu vou acompanhar a pré-temporada e quero ver o bicho pegar. Não vou aceitar lesão muscular durante o ano a torto e a direito, lesões por falta de uma base fortalecida física e emocional. Vamos ter uma nova realidade. Estamos na Série B, isso tem de ficar muito claro. O time tem de ter a cara do nosso Grêmio. Será uma pré-temporada forte, claro que dentro do padrão e da forma definida pelo treinador junto com o departamento de fisiologia, mas nada será feito sem a concordância do departamento de futebol.
O Grêmio vai manter esse planejamento mesmo se o time de transição tiver um início ruim de Gauchão?
O Vagner já me falou que quer jogar algumas partidas do Gauchão com o time principal antes de completar os 30 dias. Depois de 15 dias, talvez, ele queira fazer alguns jogos. Dei o perfil dos clubes que gostaria de enfrentar. Não clube que esteja voando fisicamente porque haverá um desnível. O Mancini tem o interesse de disputar algumas partidas até para avaliar o potencial técnico do seu grupo de jogadores porque jogo é diferente de treino.
Você falou que a saída do Maicon foi um erro. Esse perfil de liderança será buscado nas contratações?
Quero um Grêmio vibrante. Quero trazer jogadores com forte liderança, mas tem uma grande distância entre a minha vontade e a realidade. Eu tenho que saber encurtar esses caminhos, ter a inteligência de identificar por características e fazer essa conjugação.
Há jogadores resistindo a negociar com o Grêmio por conta da Série B?
Não, pelo contrário. Todo mundo conhece o Grêmio. Qual jogador do futebol brasileiro e até mundial que não gostaria de jogar no Grêmio? Qual jogador não conhece o Grêmio? O Grêmio tem 118 anos, não nasceu ontem, é famoso, é campeão do mundo. O Grêmio é um clube que extrapolou limites, que foi pioneiro em conquistas, que desbravou o mundo. Só isso basta para jogar no Grêmio.
Vamos ter uma nova realidade. Estamos na Série B, isso tem de ficar muito claro. O time tem de ter a cara do nosso Grêmio
DÊNIS ABRAHÃO
vice de futebol do Grêmio
Mesmo com redução na folha salarial, o Grêmio terá um orçamento acima do padrão Série B. Isso gera uma responsabilidade maior?
Não. A folha do Cruzeiro é bem maior do que a nossa. O Grêmio tem compromisso com sua história. O Grêmio tem o seu grande parceiro estratégico que é o torcedor, esse é o maior patrimônio do clube. Eu não fico preocupado por ter uma receita alta por superávit. Eu ficaria preocupado se a receita fosse baixa em razão de um déficit.
Em 2021, o Grêmio não teve um estilo de jogo definido ao longo da temporada. Para o ano que vem, a ideia é recuperar aquele jogo de toque de bola dos bons momentos do Renato ou um futebol de maior força?
Penso que podemos fazer uma mescla de qualidade com competitividade. Você não precisa ter um plantel ruim e experiente ou bom e inexperiente. Eu tenho que ter a inteligência para buscar atletas que queiram dar o salto de qualidade na sua carreira, de entender o projeto do Grêmio como um processo para mudar a vida deles. Assim que estamos trabalhando.
O título da Série B de 2005 foi com muito sofrimento. O que o Grêmio tira de lições de si mesmo e de outros clubes grandes que sofreram na Série B para não acontecer de novo?
O Grêmio na Batalha dos Aflitos foi emocionante. Qual gremista que não se emociona com aquilo? Ali foi a cara do Grêmio. Eu quero passar por isso de novo? Nunca mais, mas aquilo mostra a grandeza, olha a raça, a vontade, a tesão, mas eu não tenho mais saúde para enfrentar tal situação. Aquilo marcou muito em mim, mas não quero mais aquilo. Parabenizo todos aqueles dirigentes, mas quero uma situação diferente. Estamos trabalhando com o intuito de já largar o campeonato mostrando nossa força.
Você falou na necessidade de contratar um armador. Por que o Jean Pyerre não é o meia que o Grêmio precisa?
Acho que por que ele não quer. Ele tem tudo, ele é craque. Eu tenho um carinho muito grande por esse menino e senti muito. Nós sinalizamos em vários momentos, deixamos ele fora de algumas viagens para ver se caía a ficha, mas não caiu. Ele vai ser feliz fora do Grêmio porque tem qualidade. Torço para que se encontre e consiga desenvolver o seu potencial, algo que ele tem muito. Infelizmente, aqui não conseguiu e não sei o porquê. Trabalhamos pouco tempo juntos, mas tenho um grande carinho por ele.
É na dificuldade que a gente cresce, não é na vitória. A vitória muitas vezes bota a sujeira para baixo do tapete. Eu só quero ganhar, não quero perder, mas tu tens que saber por que ganha e por que perde
DÊNIS ABRAHÃO
vice de futebol do Grêmio
Qual será o futuro do Douglas Costa?
Tenho uma reunião na próxima semana com o empresário dele para costurar uma coisa a quatro mãos. Buscaremos algo que seja bom para ele e para o Grêmio. Nós vamos construir um negócio. Conversei com o empresário dele (Júnior Mendonza) e gostaria de elogiá-lo, ele foi muito legal conosco. Temos conversado, esboçamos algumas possibilidades e vamos tentar construir algo bacana para ambos.
Ele vai sair?
Não sei. Futebol é dinâmico, a verdade de hoje pode ser a mentira de amanhã. O futebol é assim.
O Grêmio vai fazer algum movimento em busca de uma reaproximação da torcida?
O Grêmio tem um patrimônio que a gente ainda não sabe o tamanho dele e pode descobrir. Chegou esse momento. Penso que teremos uma união muito grande com torcedores de lugares que o clube não joga há muito tempo. Temos uma oportunidade de mercado, relacionamento, comunicação e carinho com o torcedor que é ímpar.
Tenho em mim um sentimento de muito amor contido que esses torcedores têm para ver o ônibus do Grêmio na sua cidade, ver a camisa. Temos de fazer um projeto para aproveitar a chegada a esses lugares. Isso vai envolver o futebol, mas marketing, consulados e comunicação estarão integrados nesse processo.
No Japão, os caras não usam a palavra crise. Eles tratam como ameaça e oportunidade deixando de lado a ameaça e vão atrás de oportunidades. Quem sabe nós não estamos vivendo essa crise para encontrarmos oportunidade que venham a alavancar o Grêmio como um grande clube que já é, mas que se potencialize perante as dificuldades que estão enfrentando. Que esse momento seja de quebra de paradigmas. Quem sabe o Grêmio não se capitaliza mais? É na dificuldade que a gente cresce, não é na vitória. A vitória muitas vezes bota a sujeira para baixo do tapete. Eu só quero ganhar, não quero perder, mas tu tens que saber por que ganha e por que perde.
O Grêmio não soube por que ganhou nos últimos anos?
Penso que soube, mas ninguém vive na crista da onda o tempo inteiro. A vida é assim. Nós temos de ter essa convicção de que estamos na Série B e temos de tirar o maior proveito do mundo dessa situação desgraçada. Eu preciso viver essa realidade. Se eu entender que estou nessa situação e souber tirar proveito disso, tem oportunidades aí que talvez eu não esteja enxergando agora. Tudo é uma questão de trabalho, de conversa e dedicação. É como eu gosto de futebol, muito trabalho, dedicação e transpiração. É assim que se constrói um ambiente de vitórias.