Enquanto você lê esse texto, torcedores do Flamengo ainda não sabem se poderão assistir Flamengo e Grêmio, marcada para 21h30min desta quarta-feira (15), no Maracanã, partida de volta das quartas de final da Copa do Brasil. O STJD analisa um pedido do clube gaúcho, cujo nome técnico é mandado de garantia de ordem personalíssima, para que a partida se dispute de portões fechados.
Os cariocas comercializaram ingressos escudados em uma liminar na justiça desportiva, cujo recurso pleiteado por 17 integrantes da Série A foi negado pelo tribunal. Essa briga de toga escancara a dificuldade de união entre os atores principais do futebol brasileiro e afasta definitivamente qualquer ideia de liga independente.
Mas antes de entrar no tema, é necessário contextualizar como se chegou até aqui. Esclareça-se que há dois movimentos diferentes, e ambos têm o Flamengo como agente central. Primeiro, a Copa do Brasil. O regulamento previa que as partidas teriam condições iguais dentro da própria fase. Ou seja, se o jogo de ida fosse de portões fechados, o da volta deveria ser assim também.
Grêmio e Flamengo se enfrentaram na Arena sem público, o que era previsto para ocorrer no Maracanã. Porém, como recebeu aval da prefeitura para comercializar o equivalente a 35% da capacidade do estádio (24.783 pessoas), entrou com uma ação no STJD e seu pedido foi considerado procedente pelo presidente do órgão, Otávio Noronha. É nesse caso que está o mandado de garantia impetrado pelo Grêmio, e que não havia sido apreciado pelo tribunal até o fechamento desta edição.
A segunda ação diz respeito ao Brasileirão. Nesse cenário, o caso é um pouco diferente. Não há uma regra sobre a presença de público. O que os clubes fizeram foi um acordo de cavalheiros de só abrir os estádios quando todos tivessem autorização dos órgãos sanitários. O Flamengo não assinou esse trato. E, mais uma vez autorizado pela prefeitura (assim como no RS existe a permissão das autoridades, frise-se), mandará seu jogo, coincidentemente contra o Grêmio, com 40% da capacidade do Maracanã liberada (28.324 torcedores).
É a respeito dessa liberação a ação dos 17 clubes, negada pelo presidente do STJD. Em seu despacho, Otávio Noronha afirmou que a liberação do público por parte da prefeitura é "mais do que suficiente para justificar e legitimar a iniciativa" do Flamengo, "diante da inércia da CBF em rever suas determinações" e negando "deliberações sanitárias das autoridades públicas que são as realmente competentes para coordenar as medidas de controle e combate à pandemia e de retomada às atividades econômicas e sociais".
O resultado causou indignação no Grêmio. O diretor jurídico Nestor Hein usou palavras duras, em entrevista à Rádio Gaúcha, para analisar a decisão:
— Além de ter um time poderoso, fora de campo o Flamengo tem até mais força do que a CBF e os outros 19 clubes brasileiros. Tanto que está prevalecendo a subversão da regra em nome do interesse do Flamengo. Tentamos via STJD e aquele dublê de presidente e menino nem sequer despachou o pedido dos times.
Desunião entre os clubes
Presença de torcida à parte, o imbróglio como um todo deixa claro que não há possibilidade de unir os clubes brasileiros. Existe uma cultura no país de cada um cuidar apenas de si e manter um comportamento individualista. Essa é a opinião do consultor de gestão e finanças do esporte, Cesar Grafietti.
— Sempre fui cético com relação a uma liga. Mesmo naquela tentativa de uns anos atrás, a sensação é de que os clubes queriam mesmo era aproveitar um vácuo de poder na CBF. Porque o futebol é individualista, como a população. Tem dificuldade como os latinos. Espanha e Itália só negociaram coletivamente por força de lei — explica.
O jornalista e advogado especialista em direito esportivo Andrei Kampff concorda:
— Uma liga, para ser criada, precisa ter caminho jurídico, aporte financeiro, proteger mérito desportivo, ter apoio da opinião publica e respeitar decisões coletivas. Isso garante não só legalidade, mas legitimidade para o processo.
Ou seja, tudo o que não está sendo observado.
Uma liga seria importante, de acordo com os especialistas, para questões esportivas, como organização de campeonatos, mas também financeiras. A negociação de transmissão das partidas é outro exemplo.
— Ter uma liga traz vantagens. A maior delas é conseguir coordenar o produto, moldá-lo ao interesse dos participantes. Quando deixa o produto mais forte, consegue vender melhor. E isso só funciona com força coletiva — acrescenta Grafietti.
Ao mesmo tempo em que o clube carioca implodiu qualquer aproximação, essa "união" dos demais, mesmo que momentânea e específica, poderia ser um indicativo de diálogo. Mas seria possível criar uma liga sem o Flamengo? Kampff responde:
— Sim, teria como criar um grande grupo com 19 clubes negociando direitos coletivamente, e o Flamengo não participar. Esportivamente, porém, não é possível simplesmente afastá-lo dos campeonatos. O Estatuto do Torcedor protege mérito esportivo para acesso e descenso. Mas nos demais aspectos não teria problemas, só benefícios.
Enquanto o acordo não vem, resta aguardar o desfecho dessa polêmica. Clubes da Série B já estão autorizados a ter público. Resta ver se os participantes da Série A manterão o acordo ou também passarão a jogar com torcida a partir das próximas rodadas.