Contar a história da treinadora do Grêmio sem ter um campo de futebol como cenário é impossível: Patrícia Gusmão respira este esporte desde que nasceu. No colo da mãe, assistia ao pai nas quadras de futsal e, mais tarde, acompanhava o irmão mais velho, que era jogador. Natural de Novo Hamburgo, na região metropolitana de Porto Alegre, ela cresceu em uma família movida pelo futebol — seus pais, inclusive, chegaram a trabalhar no clube de mesmo nome da cidade.
— Nem recordo, mas tenho muitas fotos. Em tudo quanto era jogo do meu pai, minha mãe me carregava junto. Foi aí que tudo começou. Eu vivia futebol 24 horas por dia — relembra a técnica do Grêmio.
Num ambiente assim, era natural que Patrícia pegasse gosto pelo campo logo muito cedo. A adolescente tentou teste no Tricolor, mas foi no Inter sua primeira oportunidade. A rotina em solo gaúcho perdurou por 12 anos para a meio-campista, que teve passagem também pelo Juventude, pelo Canoas e pelo Grêmio, acumulando, ao todo, 10 títulos gaúchos.
Porém, viver de futebol sendo mulher no Rio Grande do Sul era ainda mais difícil no começo da década de 2000. E, por isso, a então jogadora migrou para solo paulista, onde a modalidade se desenvolvia com mais estrutura. O Botucatu, na região de Bauru, a 235 quilômetros da capital paulista foi o destino de Patrícia. Na equipe, a jogadora foi campeã estadual e brasileira, antes de passar por São Bernardo do Campo, Ferroviária e Corinthians.
A virada na vida de Patrícia, no entanto, aconteceu em 2010, com 31 anos, quando decidiu arriscar e tentar um caminho totalmente desconhecido depois de uma lesão complicada que a tirou dos gramados por quase um ano. Naquela temporada, trocou o Brasil pela Coreia do Sul. A estrutura era incomparável com a que a jogadora estava acostumada a ver no futebol feminino. Lá, teve condições semelhantes às oferecidas para a modalidade masculina: campos de jogo e de treinamento de primeiro nível, academias modernas, uniformes exclusivos, profissionais de todas as áreas vigiando de perto as jogadoras e imprensa numerosa acompanhando as atividades. A comida local, no entanto, foi um obstáculo, e a meia-atacante perdeu 10 quilos.
Só quem vive o futebol feminino diariamente sabe o que passamos
PATRÍCIA GUSMÃO
Técnica do Grêmio
Duas temporadas em solo coreano, onde recebeu de duas a três vezes mais do que conseguiria juntar jogando no Brasil, prepararam Patrícia para o desafio que enfrenta diariamente até hoje, o de ser treinadora. À bagagem de atleta e à graduação em Educação Física — concluída enquanto ela atuava no RS, no início da carreira —, ela acrescentou a licença B da CBF e o curso de treinador profissional oferecido pela FGF. Quem a vê à beira da casamata percebe a dedicação com que orienta seu grupo.
— O fato de eu ter sido atleta por 20 anos facilita a maneira de lidar com as jogadoras. Procuro entendê-las, pois já estive do lado onde elas estão. Só quem vive o futebol feminino diariamente sabe o que passamos e a importância que cada dia tem — avalia.
Patrícia está recém em sua sexta temporada na profissão, mas acumula três títulos gaúchos. O último foi com o Grêmio, em 2017. Em 2018, Patrícia estava do outro lado, no Inter, como auxiliar técnica de Tatiele Silveira no vice-campeonato. A retomada da modalidade pelo lado gremista e a seriedade do projeto apresentado pela direção tricolor, porém, fizeram a treinadora voltar. E agora ela quer manter a taça exatamente no lugar onde está.
— Manter esse troféu na casa do Grêmio seria muito especial para mim. Respeitamos muito o Inter, que faz um trabalho importante também. Mas Gre-Nal é um jogo diferente, que só quem está lá dentro sabe como é — almeja a comandante.