O porto-alegrense Thiago Gomes, 34 anos, será o responsável por comandar o Grêmio nas primeiras rodadas do Gauchão. À frente do time de transição, formado somente por garotos, terá a missão não só de buscar resultados satisfatórios nos primeiros jogos da temporada, mas também de revelar novos talentos para o time de Renato Portaluppi.
Entre os jogadores de maior potencial se destacam o atacante Tetê e o volante Victor Bobsin, ambos de 18 anos, que tiveram frequentes convocações para as seleções de base. Além disso, Gomes poderá contar com reforços do grupo principal, como o volante Matheus Henrique e o meia Jean Pyerre, que tiveram nítida evolução sob seu comando ao longo de 2018.
Nesta entrevista concedida ao GaúchaZH, o treinador da equipe de transição conta como está a preparação do time para o Gauchão, lembra sua trajetória no futebol e também explica seus conceitos e métodos de trabalho na base tricolor.
Como está sendo a pré-temporada do time de transição?
Começamos no início de dezembro, já fizemos alguns amistosos. Será um mês e meio de preparação até a estreia no Gauchão. Na primeira semana, fizemos os exames médicos, análise de percentual de gordura, avaliações físicas. Os primeiros três, quatro treinamentos foram mais aeróbicos, corridas contínuas, até para readaptar os jogadores. Depois, começamos as atividades com bola. Mas, nestes treinos, a gente já busca desenvolver as valências físicas também. Desde o início, trabalhamos conceitos com a equipe.
Quais seriam estes conceitos?
Um dos conceitos é pressão. Quero que meu time pressione o portador da bola. Então, crio um treinamento na primeira semana que já esteja conectado com a parte física. Em outro dia, trabalhamos o enfoque de ação pós-perda de posse. Como fazer o meu time retomar a bola para si. Sistematizar o movimento, aquela coisa que o River Plate fez muito bem na última Libertadores. Eles perdiam a bola e pareciam formigas, todo mundo pressionando. São conceitos de jogo e leva tempo para automatizar.
Que técnicas você utiliza para fazer com que os jogadores absorvam isso?
A gente tenta trabalhar muito nesta questão do inconsciente do jogador. É um lado científico do treinamento que eu gosto muito, a tomada de decisão. Você tem estratégias para automatizar algumas ações. Neste exemplo da ação pós-perda, não posso aceitar que um atleta erre o passe e, em vez de tentar recuperar a bola, coloque a mão na cabeça se lamentando. Tenho que tirar isso dele. Sabe quem fazia muito isso? O Jean Pyerre. Eu comecei a incomodá-lo. Cada vez que ele ficasse bravo por um passe errado e virasse de costas para a bola, dez abdominais. No primeiro treino, pagou uns 50. No segundo, 30. Depois ele já estava automatizando para não pagar abdominal. É assim que a gente trabalha a questão do inconsciente.
Como você aprendeu essas estratégias?
Estudando. Sempre gostei de neurociência, mas relacionada ao esporte. As tomadas de decisões são tão rápidas no jogo, que a maioria é feita de forma inconsciente. Os esportes americanos trabalham muito isso, sou muito fã. Nos Estados Unidos, eles trabalham os treinamentos muito em cima dessa questão. No beisebol, por exemplo, demora 7 décimos de segundo, em média, para a bola sair da mão do arremessador até chegar ao taco de quem vai rebater. O movimento de alavanca do braço do rebatedor demora, em média, 0,35 segundo. Então, ele tem os outros 0,35 segundo para decidir se vai rebater. É impossível tomar uma decisão nesse tempo. Tu não pensas. Tens de buscar sinais para decidir de forma automática. E isso vem com a habilidade que o jogador adquire.
O quanto é importante para os técnicos terem esse conhecimento?
Para eu ter a gestão da minha semana de trabalho, se eu tenho conhecimento científico do treinamento, fica muito mais fácil de eu controlar as cargas, volume e intensidade dos treinos. Dentro do grupo, costumo brincar que você tem o G1, aqueles atletas que estão jogando, G2, os que vão para o banco e entram de vez em quando, e o G3, com os caras que nunca entram. Com este conhecimento, consigo ter uma gestão melhor dos três grupos. Porque sei o que eles precisam fazer no dia depois do jogo.
Os jogadores estão preparados para esta carga de informações?
O jogador vem se adaptando a isso. Algo que mudou muito, o atleta está cada vez mais interessado pela informação. É uma nova geração. Hoje, é normal você colocar os dados do GPS no vestiário para os caras. Ali mostra quantos quilômetros o cara correu e quantas ações de alta intensidade ele fez. Também coloco o relatório estatístico de jogo para eles, quantas interceptações, quantos desarmes, bolas roubadas e finalizações cada um deu. Então, tu vais criando a rotina ao ponto de, se tu não colocas os resultados, eles vêm perguntar. Você cria uma competição entre eles, que é uma brincadeira, mas também é de verdade. Quem chuta mais no gol? Quem tem melhor aproveitamento? Os jogadores estão mais interessados nisso.
Isso também facilita o ingresso dos jogadores daqui na Europa?
Muito. O europeu já está na frente da gente neste sentido há muito tempo. Percebo que os clubes evoluíram nesse sentido nos últimos anos. Você vê a categoria de base do Grêmio preocupada em dar assistência, ter um psicólogo, assistente social. Estamos com o projeto de dar aula de inglês para os jogadores também. Aula de media training, para também saber lidar com mídias sociais e com a imprensa. Os cuidados que se precisa ter, mudou muita coisa com o surgimento destas novas mídias.
Você é adepto de treinos de alta intensidade como o Roger Machado fazia aqui ?
Não tenho ideia de como eram os treinamentos do Roger. Só sei pelo o que as pessoas comentam. Mas são métodos de trabalho, cada um tem uma linha. Não acredito que o futebol brasileiro tenha de copiar, como se fez alguns anos atrás, de pegar a metodologia do Mourinho, de periodização tática. Não devemos reproduzir os métodos portugueses, russos, alemães. O brasileiro tem de respeitar as individualidades, a cultura local de cada região do país. Tenho uma metodologia sistêmica e uma progressão de trabalho ao longo da semana. Você falou do Roger, que gosta de trabalhos em campo reduzido. O Renato prefere campo aberto, coletivo. Eu, particularmente, acho que a semana tem de passar por todos estes estágios. Tem de ter a progressão.
Mas as semanas de trabalho estão ficando cada vez mais curtas...
Se tem jogo no meio da semana, aí já não tem espaço para o campo reduzido. No meu método de trabalho, diminuo muito este tipo de atividade. Quando tem jogo na quarta e no domingo, tenho de reduzir o volume de treinamento. O trabalho no reduzido é mais intenso, tem mais mudanças de direção e gera mais danos nas fibras musculares dos atletas. Quanto mais reduzido for, mais risco de ter microlesão. Então, quando tenho dois jogos por semana, vou para outra linha de trabalho. Quando tenho um jogo só, começo com o treino reduzido e vou aumentando para campo aberto ao longo da semana. Solto um pouco o trabalho, como se fosse um coletivo direcionado.
Você já passou por vários clubes do país. Conhece as realidades de cada região?
Tive a oportunidade de trabalhar no Corinthians, no Sport, no Athletico-PR, no Fluminense... Aos 34 anos, estou com uma experiência boa. Comecei a fazer faculdade com 20, com 23 estava formado. Com 21, já era estagiário nas categorias de base do Inter. Fiquei quase seis anos lá, de 2005 a 2010. Fui trabalhar nos Estados Unidos e depois voltei para trabalhar no Athletico-PR para ser auxiliar no profissional. Fui para o São José e depois segui com o Osmar Loss para o Corinthians. Fizemos o início da Série B no Bragantino. Depois, retornei ao São José em 2015 para fazer a Copinha. E foi aí que o Falcão me chamou para trabalhar com ele e o Paulo Paixão no Sport. Fizemos um bom trabalho lá. Depois que ele saiu, fiquei mais 40 dias para ajudar na transição para o Oswaldo de Oliveira. Fui para a base do Fluminense. Depois, veio o Pelotas, um grande desafio. Estava passando por uma fase de reconstrução. A cidade respira futebol. Cheguei com a missão de formar um elenco para jogar a Divisão de Acesso, com recurso muito baixo. Foi uma experiência muito positiva. Muita pressão, o torcedor vai nos jogos. Aí veio o convite para vir ao Grêmio.
Qual foi seu aproveitamento com o time de transição do Grêmio em 2018?
Somando todos os jogos da temporada, a Copa Wianey Carlet e também a reta final do Gauchão sub-20, deu 40 jogos. Tivemos 65%. Um bom aproveitamento de pontos.
Qual jogador mais evoluiu sob o teu comando no Grêmio?
Uma grande evolução foi o Jean Pyerre. O Matheuzinho manteve o nível, o Pepê teve uma grande evolução desde que subiu para o profissional. O Matheus Frizzo também vem em um processo muito bom. Ele era meia, o colocamos atuando como volante e está crescendo. Mas o Jean Pyerre é um caso que vale a pena ressaltar. Ele vinha jogando mais recuado, como volante. Só que o Jean tem uma capacidade de achar o último passe que é muito grande. Fiz o controle nos nossos jogos e percebemos que, nos jogos do Brasileirão de Aspirantes, ele conseguiu, a cada 15 minutos, deixar o atacante na situação de fazer gol. Comecei a incomodá-lo para jogar mais perto do gol. Começa a corrigir com vídeo, nos treinos, cobrar ele para pisar na área. Ele tinha o habito de um volante, de pegar a bola na intermediária, ficar carteando o jogo. O Renato diagnosticou isso também, me falou que o Jean dava o passe e ficava olhando o jogo. A gente tinha de fazer ele entrar mais na área. Começamos a cobrar isso dele e melhorou muito.
O Jean Pyerre não é o tipo de jogador veloz. É possível dar mais intensidade a ele?
Minha professora de fisiologia na pós-graduação tinha um ditado para isso: "Lagartixa nunca vai ser jacaré". Tu não consegues fazer o cara que é lento ficar rápido. Mas você consegue melhorá-lo. Não tem como fazer o Jean treinar e virar o Usain Bolt. Ele vai melhorar em cima da base dele. Vai se tornar um cara mais intenso e mais rápido, mas no limite dele. Nunca vai conseguir chegar na velocidade do Pepê, por exemplo. Por mais que ele treine. O Jean vai melhorar a potência dele, força e velocidade. Fica um pouco mais rápido, mas nos limites que a fisiologia impõe.
Apesar dessa característica, dá para dizer que o Jean Pyerre é um projeto de craque?
Fisiologicamente falando, ele pode perder na velocidade. Mas tu sabes no que o Jean ganha? Nas distâncias totais. Ele não vai ter um pico de velocidade, correr a 35 km/h. Mas o GPS dele vai dar 12 quilômetros percorridos no jogo. Ele tem constância, passa o jogo inteiro correndo. Outra coisa: se ele joga hoje e amanhã você precisa que ele atue de novo, estará praticamente recuperado. Esse é o problema de um cara com fibra rápida. Se você pega o Pepê, ele vai dar tiros em intensidade e no dia seguinte está todo dolorido. O Jean, não. Vai fazer 12 quilômetros enquanto o Pepê corre 10, por exemplo. No dia seguinte, o Pepê vai estar cheio de dor muscular, e o Jean não vai sentir tanto desgaste.
O Jean não corre o risco de virar um Paulo Henrique Ganso? Um cara que é tecnicamente superior, mas que as pessoas criticam por ser lento...
Eu olhando o Ganso jogar, como técnico, quais são as questões que mais me irritariam nele? Não é a lentidão. São as ações sem bola, a competitividade, a concentração na hora de fechar uma linha de passe. Nisso, o Jean está melhorando. Ele tinha isso de ficar lamentando se errasse um passe. O Ganso faz isso até hoje. O companheiro dele perde uma bola e ele não faz força para tentar retomá-la. Só fica olhando. O Jean Pyerre já pressiona e combate o adversário. Virou outro jogador. Ele pode ser mais lento, mas é competitivo.
A má campanha da transição no Gauchão 2018 é um peso que recai sobre os meninos?
Os resultados que este grupo teve ao longo da temporada, que são significativamente melhores, dão mais confiança a eles para iniciarem o Gauchão. Percebo o nosso clima muito leve, eles não estão pressionados. Estamos em um nível bem alto. O que aconteceu talvez não gere tanta pressão em cima deles pelo ano que tiveram e a preparação que estamos fazendo. Um tempo de trabalho bem maior do que na temporada passada. Quando chega uma semana antes da estreia, na metade de janeiro, ele sente que está preparado. Quase 45 dias de trabalho, vai chegar confiante. Eles estão muito empolgados com o Gauchão.
A torcida tem grande expectativa sobre o Victor Bobsin. Como ele está para o Gauchão?
Ele teve um 2018 bem complicado. Teve convocações que o tiraram dos nossos treinamentos. Quando esteve aqui, se lesionou muito. A última foi uma fatalidade: ele estava em casa, descendo as escadas, se enrolou no cachorro, pulou para não pisar nele, caiu e quebrou o dedinho do pé. Teve de fazer cirurgia e colocou um pino no dedo. Mas já está recuperado e treinando com bola.
Ele pode ser um novo Arthur?
É um volante canhoto, de estatura boa, muito técnico. Gosta de participar da construção do jogo. Não é o cara que vai entrar toda a hora para fazer gols e erra poucos passes. Mas não é a característica do Arthur. Ele não tem a mesma fuga e giro com a bola. É um cara maior do que o Arthur. Lembra um pouco o estilo do Maicon: tem muita qualidade e acha passes entrelinhas. Tem um futuro muito grande no Grêmio.
Como vocês estão preparando o Tetê para o Gauchão?
É um menino muito talentoso. Joga pelas beiradas e tem muita qualidade no drible. Muito potencial no confronto individual, gosta de jogar pelo lado direito. Tem o drible para dentro com a perna esquerda. Ele também faz essa jogada pelo outro lado: ameaça vir para dentro e puxa para fora. Não é tão alto, mas tem muita força. Tem velocidade, é jogador muito bom.
Os laterais Felipe e Guilherme Guedes serão seus titulares?
Sim. O Felipe faz a linha defensiva muito bem, é taticamente muito inteligente e marca muito. Não é um cara muito alto, mas é difícil passar por ele. O Guedes tem mais facilidade no ataque. Se o Felipe tivesse o apoio do Guedes e o Guedes tivesse a marcação do Felipe, seria fantástico. Então, estamos trabalhando as características opostas. O Guedes, que é destro, tem bom cruzamento e também bom chute. Mas estamos trabalhando bola aérea e defesa com ele. O Felipe, estamos trabalhando o terço final, o cruzamento e o último passe.
Quais dos garotos que subiram ao profissional e vão jogar desde o início do Gauchão?
O grupo todo se apresenta em 3 de janeiro. Vão fazer as avaliações físicas com o Rogerinho (preparador) e começar os treinamentos básicos. Vai depender de como cada um reagirá. Quem estiver reagindo melhor, o Rogerinho vai conversar com o Renato e dizer quem estará bem e quem não estará. E aí o Renato vai decidir quem será emprestado para a transição. O nosso planejamento é esse. Precisa, antes, todo mundo se apresentar e fazer as avaliações, ver como eles reagem. A grande vantagem é que o grupo do Grêmio é muito profissional. Uma coisa é pegar um jogador que fica 30 dias de férias comendo churrasco, bebendo e dormindo. Ele vai chegar aqui sete quilos acima do peso e totalmente destreinado. Ele vai precisar de 40 dias para jogar. Agora, tu pegas o Matheuzinho. Ele está treinando durante as férias, pode ter certeza. Todos os dias. O Pepê e o Jean Pyerre, também. Seguidamente, o preparador físico fala para o Jean dosar os exercícios. Os meninos têm um bom nível de profissionalismo. O Grêmio tem um grupo muito bom nesse sentido. A tendência é de que estes atletas, em um curto espaço de tempo na pré-temporada, estejam prontos para jogar.