O anti-herói virou o jogo. Jael, o centroavante que provocava risos entre os torcedores do Grêmio, tornou-se o preferido de quem o rejeitava para começar o clássico deste domingo. Ganha longe de Cícero em preferência e também deixa para trás o recém chegado Hernane Brocador. Aos 29 anos, vive seu momento de maior estabilidade desde 2011, época de sua segunda passagem pelo Bahia, quando os 18 gols marcados lhe renderam o apelido de Cruel.
Jael tinha pouco mais de um mês de Grêmio e apenas 85 minutos em campo quando sofreu, dia 24 de fevereiro de 2017, uma lesão no ligamento cruzado anterior do joelho direito. Ficou quase sete meses parado para tratamento e voltou em 17 de setembro, na derrota por 1 a 0 para a Chapecoense, na Arena, pelo Brasileirão. Como todo o time, teve mau desempenho, mas foi o único a não ser perdoado. Sem crédito entre os torcedores, chegou a ser vaiado na vitória por 1 a 0 contra o Fluminense, partida em que foi substituído por Beto da Silva, autor do gol que garantiu os três pontos.
— Fizeram chacota dele. Nem lembraram que tinha ficado parado mais de seis meses e voltou muito abaixo — diz o ex-centroavante Gilson, com passagem pelo Grêmio na década de de 1990 e hoje com 50 anos.
Renato foi um dos poucos a compreender as dificuldades de um jogador que vinha de longa parada. Tanto que chegou a repreender torcedores que seguiram vaiando Jael nos jogos seguintes.
O apoio fez bem e, a seu jeito, Jael começou a corresponder. Dia 15 de outubro, meio sem querer, após cair em campo, ele criou a jogada que resultou no gol da vitória contra o Coritiba, no Couto Pereira, marcado por Ramiro. Ganhou força, então, a mística de que o ataque passava a funcionar melhor no segundo tempo das partidas, quando o treinador recorria ao centroavante. Em 22 de novembro, na apertada vitória por 1 a 0 contra o argentino Lanús, no jogo de ida das finais da Libertadores, Jael fez o passe para o gol de Cícero e a rejeição da torcida virou amor. Enquetes feitas entre gremistas o apontaram como favorito para começar a decisão do Mundial contra o Real Madrid, mas Renato preferiu Lucas Barrios.
Gilson conheceu Jael em 2008, quando era treinador do Criciúma e o atual centroavante do Grêmio dava os primeiros passos na carreira. Então com 20 anos, Jael tinha muito mais mobilidade e era usado por Gilson como segundo atacante, mais pelo lado do campo. Mesmo que o Criciúma tenha perdido o título estadual daquele ano, foi um dos destaques da competição e acabou sendo levado pelo Atlético-MG.
— Ele é um jogador que se entrega. E agora começou a fazer gols. O momento é bom, tem a confiança de Renato e já evoluiu em relação ao ano passado — observa Gilson.
Jael não é o primeiro centroavante estilo trombador a vestir a camisa do Grêmio. Outro exemplo é Zé Afonso, ainda hoje lembrado pela participação no gol de Ailton na decisão do Brasileirão de 1996, contra a Portuguesa. Também aproxima a biografia dos dois jogadores o difícil relacionamento com os torcedores, por conta das características.
— Aconteceu a mesma coisa comigo. Eu precisava matar um leão por dia. Mas Jael é lutador. Aqui de longe, torço por ele — diz Zé Afonso, que voltou para o Espírito Santo.
Zé Afonso cita um fato concreto para passar a apostar na afirmação de Jael.
— Tenho certeza de que a maré de azar acabou naquele gol contra o Juventude
(o centroavante aproveitou uma falha do goleiro Matheus e fez 1 a 0). Centroavante vive de altos e baixos, tem fases em que a bola não entra. Agora, Jael vai deslanchar de vez.
Quem já foi centroavante de clube grande sabe que a cobrança, por vezes, é exagerada, a ponto de abreviar uma carreira. Christian é um exemplo. No Inter, ele viveu um longo período de contestação, até firmar-se em definitivo no Inter, em 1997. No Grêmio, a chegada deu-se em 2003, período que coincide com crises técnicas que levariam o clube ao rebaixamento na temporada seguinte. Com algumas variações de roteiro, deu-se com Jael história semelhante.
— O pior já passou. Jael já fez o mais difícil, que era marcar o primeiro gol. Não se surpreendam se for um dos principais atacantes do Grêmio no ano — diz Christian.
O ex-camisa 9 dá um suspiro antes de dizer que centroavante é uma profissão à parte, como um goleiro. Só cresce se receber a confiança do treinador.
— Não é fácil ser centroavante. Mas ele tem a confiança de Renato. É um batalhador. Tem suas limitações, como eu tinha as minhas. Vou torcer por ele — promete.