Além da essencial vitória de quarta-feira na Arena sobre o chileno Iquique, que pavimenta o caminho da classificação tricolor na Libertadores, houve um episódio dentro do estádio gremista que deve ser louvado.
Partiu de gesto espontâneo do grupo Tribuna 77 e tem forte apoio do clube. E recebeu a majoritária, quase que total, acolhida da torcida gremista.
Uma faixa foi estendida em homenagem à Coligay, espetacular torcida transgressora, formada por homossexuais, que peitou a ditadura militar entre a segunda metade dos anos 1970 e a primeira metade dos anos 1980.
Tudo isso no Grêmio!
Este colunista é autor de três livros ambientados no clube. O primeiro foi "Coligay - Tricolor e de todas as cores" (Libretos). O segundo foi "Somos azuis, pretos e brancos" (primeira edição pela L&PM e segunda pela AGE). Depois, fechando a "trilogia tricolor", veio "Viagem à alma tricolor em 7 epopeias" (AGE). Todos, de certa forma, tratam de diversidade. O primeiro, homofobia. O segundo, racismo. O terceiro, a alma de um clube com seu DNA.
Leia reportagem do influente jornal espanhol El Pais sobre a Coligay e seus 40 anos, com referência ao livro que contou sua história (há na versão brasileira do jornal, mas também na versão original, em espanhol)
Por isso, bateu certa emoção ao ver a linda homenagem.
Mais ainda a emoção bateu quando o autor constatou como cada vez diminuem mais os absurdos constrangimentos gremistas, e cresce o orgulho pelo exemplo mundial de respeito às diferenças que o nosso clube deu e dá. Veja bem, não vou contar aqui as 190 páginas do livro, evidentemente. Mas o Grêmio, então presidido pelo atual patrono Hélio Dourado, foi muito além de acolher informalmente a torcida comandada pelo grande Volmar Santos. Até sala eles tinham no Olímpico! Era um acolhimento generoso, um brinde à pluralidade.
O primeiro jogo em que a Coligay esteve presente ocorreu em 10 de abril de 1977. O Grêmio derrotou o Santa Cruz, de Santa Cruz do Sul, por 2 a 1. Foi no Olímpico. Eurico e Ancheta fizeram os gols gremistas. Zezinho o do Santa Cruz.
Essa abertura fantástica voltou ontem a aparecer nas nossas arquibancadas.
Foi um momento de altíssima relevância, um gesto elevado, de evolução.
As pessoas comentam que "Somos azuis, pretos e brancos" tem o mérito histórico de mostrar a negritude incrivelmente originária no Grêmio, ao contrário do que diz a lenda urbana (tudo é explicado e comprovado no livro, e até a forma como foi criada a tal lenda urbana é explicada. Ou seja, o livro não deixa pedra sobre pedra). Mas "Coligay - Tricolor e de todas as cores" vai ainda além. Mostra como o fantástico clube fundado em 1903, pela única motivação de propagar e popularizar o futebol, é, na irônica verdade que contraria as calculadas maldades corruptoras da narrativa histórica, um exemplo absolutamente diferenciado de pluralidade. Um patamar acima do comum!
Para explicar isso, são tantas histórias incríveis, que eu levaria quase 500 páginas, que são o conteúdo dividido entre os três livros.
Começam pelo desbravador (entre os clubes da capital gaúcha!) negro Adão Lima, que defendeu o Grêmio entre 1925 e 1935; passam pelo Lupicínio Rodrigues, seu pai e a paixão tricolor; avançam pelos anos, Bombardão, Everaldo, Tesourinha e suas filhas gremistas; explicam o que é muito mal explicado; e desembocam na atual pluralidade, que teve a Coligay como protagonista em um dos mais ricos entre diversos momentos.
Viva a Coligay! Viva o Grêmio!
Viva o respeito às diferenças!
Abaixo todos os que gritam palavras preconceituosas, em todos os estádios.
Em todo e qualquer estádio!!!
Viva quem foi pioneiro e só agora começa a ser plenamente compreendido.