Já entrevistei Renato na casa que ele deu para a mãe dele, na zona sul de Porto Alegre, numa manhã em que o meia Osvaldo chegou de surpresa e juntou-se a nós para um café na mesa da cozinha.
Já entrevistei Renato no Estádio das Laranjeiras, num tempo em que ele foi coroado "Rei do Rio", destronando Romário e ganhando o campeonato para o Flumiense. Na parede do vestiário, Renato havia pendurado um pôster do Grêmio, divertindo os cariocas do clube, que brincavam:
– Ele é muito gremista, mas faz gol para o Flu...
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Também entrevistei Renato no Estádio Olímpico e no hotel em que ele foi morar todas as vezes em que treinou o Grêmio.
Essa foi a primeira conversa que tivemos a 8.300 quilômetros de distância, eu em Boston, ele no CT Luiz Carvalho.
Mas o que percebi na entrevista não foi muito diferente do que percebi nas outras. Como sempre, Renato se mostrou confiante, alegre e sincero. Renato é quem é, ele não "se faz". Não é um dissimulado. Os jogadores reconhecem esse predicado e o valorizam. É uma das razões que fizeram com que Renato recuperasse o time do Grêmio e o levasse à final da Copa do Brasil.
Há mais razões. Algumas ele relata a seguir:
Você pegou um time que estava em crise, a equipe melhorou, voltou a ganhar e está na final da Copa do Brasil. Mesmo assim, muitos criticam o seu trabalho como treinador. O que você tem a dizer sobre essas críticas?
Eu trabalhei com os melhores técnicos do Brasil. Os melhores! Eu aprendi com esses técnicos, vi como eles faziam. Eu fui jogador da Seleção Brasileira durante dez anos seguidos. Eu vi aqueles treinadores trabalhando, acompanhei o trabalho deles, aprendi muito. Eu sei como fazer.
Mas quando dizem que você não estuda...
Tem umas histórias que são a maior picaretagem. Esse negócio de o cara ir para a Europa, passar lá uma semana e voltar dizendo que aprendeu muito, que sabe muito, que está diferente depois daquilo. Para com isso! É quem nem você cursar uma semana de Medicina, de Odontologia, e dizer que é médico, que é dentista. Você entra, fica uma semana e sai com o diploma. O cara, para aprender alguma coisa nova lá fora, tem que ficar lá no mínimo, três meses. No mínimo! E olha: não vejo nada de muito diferente lá fora. Para aprender alguma coisa lá fora, de verdade, tem que passar três meses com o Guardiola, com o Mourinho, senão é conversa.
Você passou dois anos parado, no Rio. Como você se manteve atualizado como treinador?
Eu vejo todos os jogos da Série A, vejo todos os jogos da Série B, eu sei o que está acontecendo. Além disso, eu tenho conhecimento, como te disse. Eu sei como fazer. Posso ficar quatro, cinco anos parado, que não vai fazer diferença.
Você teve evolução como treinador ou é o mesmo desde que parou de jogar?
É natural que a gente evolua. A gente vai amadurecendo, vai aprendendo com as coisas boas e com as coisas ruins. A gente aprende muito nos jogos difíceis. Não só nas decisões, mas em qualquer jogo difícil.
O que você pode dizer que aprendeu? No que você está diferente de quando começou como treinador?
Ah, hoje eu conto até dez. Hoje eu troco ideias com os jogadores, troco ideias com eles e com as outras pessoas da equipe, principalmente nos jogos mais importantes. Aprendi muito nesse tempo todo.
Mas ainda há quem questione sua capacidade como treinador...
Eu fiquei parado quase dois anos. Voltei, peguei o Atlético Paranaense do Autuori, o Palmeiras do Cuca e o Cruzeiro do Mano Menezes. Passei por todos eles e estou na final da Copa do Brasil. Isso é sorte ou competência?
Então por que ainda o questionam?
Isso é um por cento. Um por cento, só. O problema desse um por cento não é com o meu trabalho, é com a minha vida pessoal. É ciúme. É inveja. É com a vida particular do Renato. Não com o trabalho.
Você falou que aprende com as coisas ruins. Lembro de uma situação que você enfrentou no Grêmio que foi muito parecida do que aconteceu agora, contra o Cruzeiro. Foi na decisão do Campeonato Gaúcho, em 2011. Você jogou com o time desfalcado, quase todo reserva, e venceu no Beira-Rio. Podia perder de 1 a 0 no Olímpico, mas acabou perdendo o campeonato nos pênaltis. Nesta semana, contra o Cruzeiro, você tinha a vantagem, mas não se arriscou. Fez um jogo de inteligência. É uma prova da sua evolução?
Ah, sim. Nós falhamos muito naquela decisão, e o Inter se aproveitou dos nossos erros. Mas Gre-Nal é isso mesmo, pode dar qualquer resultado. Agora, contra o Cruzeiro, nós fizemos um jogo de xadrez. Fizemos o jogo que tínhamos de fazer. Eu disse pra eles: esse é um jogo normal, temos que jogar como se não tivesse acontecido a partida do Mineirão. Só vamos pensar em segurar o resultado depois da metade do segundo tempo. Antes, não. Só no fim é que a gente pode jogar pelo regulamento. Tem que ter inteligência.
Qual é a diferença dos times do Grêmio que você pegou em 2010 e 2013 e o de agora?
Aqueles times tinham jogadores mais experientes. São todos grupos maravilhosos, mas o de agora tem muitos garotos. Isso é muito bom por um lado, porque eles são ótimos e têm muita vontade, mas têm de ser trabalhados nas decisões. Estamos trabalhando bem para essa decisão.
Como vocês estão se aprontando? Nesses jogos que o time vai ter no Brasileirão, antes da final, você vai escalar os reservas?
Vamos pensar jogo a jogo. Agora, contra o Sport, vão os titulares. Menos aqueles que estiverem sentindo alguma coisa. Depois nós vamos ver.
Como é que você vai fazer enfrentar esse ataque do Atlético Mineiro, com Robinho e Lucas Pratto?
O ataque deles é ótimo, mas nós também temos uma defesa muito sólida. Tenho dito que esse Atlético Mineiro é um dos melhores grupos do Brasil. O Atlético Mineiro, o Palmeiras e o Flamengo têm os melhores grupos do futebol brasileiro. Então, vai ser duro. Mas nós também estamos preparados.
Você foi o principal responsável pelo maior título da história do Grêmio, o campeonato do mundo em 1983. Já pensou o que vai ser se conseguir comandar a conquista de um título depois de 15 anos que o Grêmio não ganha nada importante?
Todo mundo sabe que eu sou gremista, que o Grêmio é importante pra mim. Isso faz com que tenha mais vontade de ganhar esse título.
Você já está pensando no ano que vem, em renovação de contrato?
Não. Agora só penso em ser campeão.
Você ainda mora no hotel?
O hotel é melhor para mim, porque eu tenho comida a hora que eu quero, tenho tudo pronto e arrumado. E eu não posso sair mesmo...
Por que o assédio é grande?
É. O assédio é demais. Claro, isso não é ruim, faz parte do trabalho, mas, então, eu nem desço pra tomar café, nem pra jantar. Só de vez em quando, quanto tem pouca gente no restaurante. Senão eu não consigo ficar em paz. Faço tudo no meu quarto. A minha vida é do Grêmio pro hotel e do hotel pra viagem.
Você sente saudades daquela vida boa do Rio? Ipanema, chopinho, futevôlei...
Não vou dizer que não sinto saudade, só fui ao Rio uma vez, nesse período. Mas nem dá tempo de pensar. Tenho que me concentrar no Grêmio.
Você pensa em fazer um trabalho mais prolongado, ficar mais tempo treinando?
É claro que o melhor é você ter tempo pra treinar e planejar o trabalho, mas eu tenho uma forma de pensar diferente da maioria dos técnicos.
Você prefere não trabalhar tanto?
Caixão não tem gaveta, amigo! De que adianta eu trabalhar, trabalhar, ficar rico e parar com 80 anos de idade? Quero trabalhar, mas aproveitar a vida também. Até porque eu perdi toda a minha infância jogando futebol.
Qual é o seu plano, então?
É fazer mais ou menos o que estou fazendo: trabalhar por seis meses, um ano, e parar por um tempo. Esses caras que trabalham até morrer, eles fazem assim porque não têm muito o que fazer, além de trabalhar. Eu, não. Eu tenho outra vida. Eu gosto da praia, gosto do Rio, gosto de um chope.
Você vai trabalhar até uns 60 anos (Renato tem 54 anos)?
No máximo! Lembra do que disse: caixão não tem gaveta!
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