Mesmo nos ambientes mais iluminados pelos holofotes da mídia há personagens quase anônimos que fazem da batalha diária as suas grandes vitórias. No caso da dupla Gre-Nal, sem o suor deles a roda que faz andar esses dois clubes gigantes emperra. Para retratar este bastidor, o Diário Gaúcho inaugura nesta terça-feira a seção Gente como a Gente, que conta a história desses personagens tão desconhecidos como vitoriosos.
No mesmo Olímpico em que o sonho de jogador virou realidade, Estefanos Kostapoulos, o Tefo, começou uma nova etapa de sua vida. O patrão segue sendo o Grêmio, mas a área de atuação é completamente diferente. Há quase dois anos, o centroavante que empilhou gols nas categorias de base se tornou motorista do clube.
A rotina de treinos, que um dia fez parte do dia a dia de Tefo, mudou para um expediente tradicional na Arena, sede administrativa do Tricolor desde o ano passado. Transportar dirigentes e funcionários é uma de suas tarefas. Também leva o material de jogo para partidas no Interior e, às vezes, conduz os juvenis e juniores para disputas na Região Metropolitana.
- Me dou bem com todo mundo, do cara que planta a grama ao presidente. Sempre vivi o Grêmio.
Filho de pai grego e mãe gaúcha, Tefo, hoje com 41 anos, nasceu em Porto Alegre. Criado no bairro Santo Antônio, próximo ao Olímpico, frequentou desde pequeno a antiga casa tricolor. Ainda guri, foi gandula em treinos do time principal. Viu de perto ídolos como Mazaropi e China. No futebol, começou no São José, mas em 1986, quando tinha 12 anos, chegou ao Grêmio.
- Na base, fui perseverando, buscando o meu espaço. Fui subindo de categoria, vendo caras que eu achava muito bons ficando para trás - recorda.
Nos categorias inferiores, o centroavante fez sucesso. Ele conta que foi goleador do Estadual Juvenil e do Estadual Júnior, em 1992 e 1994, além de ter conquistado a artilharia de uma edição da Copa Santiago.
- Era pura paixão. Ficávamos felizes por ganhar almoço e uma ajuda de custo. Hoje, melhorou muito - compara o ex-jogador.
Foto: Adriana Franciosi / Agência RBS
Ainda em 1994, já sob o comando de Felipão, Tefo teve as primeiras chances como profissional. Esteve na famosa tarde em que o Grêmio jogou com três times diferentes pelo Gauchão. Porém, veio a temporada 95. Já sem idade para os juniores, não teve espaço no grupo que disputaria a Libertadores. Culpa a estatura (1,74m), já que Felipão preferia atacantes altos:
- Tinha muita gente na frente, como o Jacques. Quando o Jardel chegou, fui emprestado. Daí, não voltei mais. A idade ensina a gente. Queria ter 19 anos com a cabeça que tenho hoje. E queria ter mais oportunidades também. Tínhamos (jogadores da base) uma ou duas chances.
Time da base onde Tefo atuou. Foto: Arquivo Pessoal
Emprestado pelo Grêmio, rodou por Blumenau, São José e Alianza Lima, onde fui campeão peruano em 1997. Na oportunidade, foi treinado pelo colombiano Jorge Luis Pinto, técnico que levou à Costa Rica às quartas de final da Copa do Mundo de 2014. Para Tefo, um dos melhores treinadores com quem trabalhou:
- Treinos que fazem hoje, ele já dava em 1997. Eram trabalhos individuais, treinos intensos.
Depois, jogou no Glória, de Vacaria, no Madureira-RJ, no Novo Hamburgo e na Associação Sapiranga. Em 2002, antes de completar 30 anos, resolveu encerrar a carreira. Percebeu que não ficaria rico como jogador e que o curto calendário do futebol gaúcho da época não o sustentaria o ano todo. Foi quando o centroavante promissor decidiu mudar o rumo de sua vida.
Do casamento ao time master
Nas idas e vindas ao Olímpico, Tefo conheceu a atual mulher. Quando tinha 18 anos, jogando vôlei nas cercanias do estádio, encontrou-se com Anelise Moura, com quem está junto há mais de duas décadas. A jovem morava quase na porta da antiga casa tricolor.
Tefo tem muitas histórias pra contar. Foto: Arquivo Pessoal
Com tamanha ligação com o clube, era natural que o ex-atleta voltasse a frequentar o ambiente gremista. Em 2004, passou a jogar pelo time master, onde teve a chance de atuar ao lado de ídolos como Tarciso, Gaspar, China e Baidek.
- É uma felicidade estar com eles. Minha mulher sabe: pode ter o casamento do príncipe, se tiver jogo do master, vou no jogo - enfatiza.
Há um ano e nove meses, o centroavante voltou a ser funcionário do Grêmio, agora como motorista. Às vezes, quando transporta times da base, os guris puxam papo. Alertados pelos seus treinadores, sabem que são conduzidos por um ex-boleiro. Quando assiste aos treinos, bate a saudade. Porém, se considera um privilegiado por ainda viver o ambiente do clube.
- Não imaginava voltar ao Grêmio, agradeço a Deus todos os dias. Essa sensação de trabalhar no lugar do qual gosto não tem preço.
* Diário Gaúcho