DNA é aquilo que nos torna únicos. Cada torcida tem suas características, suas cores, suas dores e amores. Torcedores de um mesmo clube dividem o mesmo DNA, mas entre os milhares de gêmeos há aqueles que apesar de todas as semelhanças ainda se destacam. Viram uma espécie de símbolo.
São esses ícones dos estádios que terão suas histórias contadas na série DNArquibancadas. Serão 12 reportagens, uma para cada clube que disputa o Gauchão 2024. Nelas, aparecerão personagens do passado e do presente. Gente muito conhecida e outros que são anônimos para muitos, mas que resumem em sua personalidade a identificação máxima com o seu time de coração. A primeira história é a de Marcola, torcedor-símbolo do Brasil de Pelotas.
As redes sociais nem sequer estavam sendo gestadas décadas atrás e o Brasil de Pelotas já tinha o seu influencer. Fosse Marcola um homem do nosso tempo, ele teria milhares de seguidores. Sua paixão pelo Xavante viralizaria. Ele marcou uma época que não existe mais.
Nascido Argemiro Severo Gonçalves, Marcola foi uma celebridade que atravessou o tempo nas ruas de Pelotas. Principalmente na região do Mercado Central, onde batia ponto cedo da madrugada para iniciar sua jornada de trabalho, quanto no Bento Freitas, onde estava sempre presente, às vezes ficando até mesmo quando não tinha mais ninguém no estádio.
— Naquela época, todo mundo queria tirar foto com ele. Dar bebida para ele. Ele ficava vendo o jogo da tela e dizendo "Vai Brasil", às vezes o Brasil nem estava atacando. Às vezes era a tela que segurava ele — relata o narrador esportivo Cláudio Silva.
Ser um influenciador já tinha seus benefícios. Marcola nunca foi sócio e nem perdia jogo no Bento Freitas, o que não significa que pagava ingresso para acompanhar as partidas. Era um figura tão querida que tinha trânsito livre no estádio. Ele ia chegando, entrando e ficava. Muitos dias até mais do que o recomendado.
Era comum que Marcola exagerasse nas doses em dias de jogos do Brasil de Pelotas. Há diversas histórias que ele ficava pelo estádio e dormia debaixo das arquibancadas. Vizinhos da casa xavante levavam comida para aplacar a fome e cobertas para combater o frio.
— Era um personagem incrível. Ele vivia pela cidade narrando os jogos do Brasil pelas ruas. As narrações sempre terminavam com um gol do Brasil, claro. No Bento Freitas, ele era uma pessoa aclamada. Não teve outro igual a ele — enfatiza Cláudio Andrea, ex-presidente do clube.
Também gostava de dar uma espécie de volta olímpica ao redor do gramado para incentivar os torcedores. Era um momento em que todos se levantavam para aplaudi-lo.
— Ele era um torcedor raiz. Desfilava no estádio. O Marcola fez parte da minha carreira. Ele entrava no vestiário e conversava muito com os jogadores — destaca Bira, ex-atleta do Brasil.
No livro do centenário do clube, comemorado em 2011, Marcola tem uma página dedicada à sua memória. O texto é ilustrado com foto e o desenho de um cartunista do grupo Walt Disney. Ao lado, uma foto de seus tempos de arquibancada. Uma camisa batida do Brasil e um boné desgrenhado do clube.
A simplicidade de falar e de se vestir era uma espécie de carisma que atraía a todos os torcedores, não apenas os xavantes.
— Ele se encaixa completamente na identidade do torcedor popular do Grêmio Esportivo Brasil. Ele vendia essa imagem. Todo mundo gostava do Marcola — ressalta Andrea.
Não foram poucas as vezes em que policiais o cercavam. As pessoas próximas da cena temiam que Marcola fosse preso, mas o humilde torcedor nunca seria detido. Eles queriam, na verdade, ajudá-lo a retornar para casa ou ficar em um lugar mais confortável para passar a noite.
Em 1997, Marcola foi incluído na Calçada da Paixão, a calçada da fama do Brasil. No evento, o torcedor-símbolo xavante vestia seu traje de gala, com camisa e boné do clube. Com a voz baixa, quase inaudível, agradeceu e elogiou a iniciativa do clube.
Ele viveu seus últimos dias no Asilo de Mendigos de Pelotas. Morto em 2002, Marcola deixou como legado a eterna paixão pelo Brasil de Pelotas.