Trouxe dois guris ao mundo. Um Conselho Tutelar menos omisso já teria questionado meu pátrio poder durante jogos como este, contra o Zequinha. São hiatos de tempo em que a alma se desprende, deixando um corpo catatônico incapaz de cuidar de quem quer que seja. Mas meu ponto não é esse, até porque eles já estão grandinhos.
No começo daquela noite agora eterna, tão logo o Pitol agarrou o derradeiro chute dos caras, interrompendo uma apneia de cinco minutos que já ameaçava me matar, um tanto de afeto equivalente ao volume de água da Lagoa dos Patos passou a me inundar. Recebi mais demonstrações de carinho depois dos pênaltis do que nos dois dias mais importantes da minha vida, quando os meninos nasceram.
Talvez esteja aí a mágica que desafia a razão: o Brasil de Pelotas faz as pessoas lembrarem de mim. Não se trata de pouca coisa. Sou um sujeito meio nômade, já morei em tanta casa que nem me lembro mais e de cada uma delas me fui choroso, deixando para trás gente importante. O Xavante, cada vez que apronta uma, me devolve amigos espalhados na estrada.
É algo que ocorre com todos nós. Não somos numerosos, o amor pelo Xavante tangencia a matemática. Mas exercemos o sacerdócio com tanto fervor que a coisa passa a ser um traço preponderante da personalidade. É impossível conviver com um xavante sem ter a total dimensão desta condição crônica e severa de espírito e corpo.
Contingências geográficas hostis me impediram de estar domingo passado às voltas do carpete lá da Zona Norte, onde fui criado. Como um Cardoso nunca foge às lutas convocadas pelo Brasil, o de Pelotas, fomos representados pela minha irmã e uma prima. Houve, claro, transmissão em tempo real da farra. A cada novo vídeo que me chegava ao celular, identificava um rosto querido. As duas passaram a tarde distribuindo abraços em meu nome.
Noites assim confirmam a tese de que o desejo de ser campeão, vindo de um xavante, é a expressão máxima da ganância. Quem vem do lado de lá não é dado a singelezas ingênuas como as nossas. Costuma querer acabar o planeta. A peleia vai ser renhida, não me iludo. Mas, tendo em vista a procedência do adversário, por que não cometer um pecado capital pela primeira vez?