Dos 16 técnicos que começam a disputar a Divisão de Acesso a partir deste domingo, só três deles têm mais de 50 anos. Metade nem chegou aos 40. A nova geração de treinadores recebe a oportunidade em um campeonato com clubes tradicionais. Outra característica dessa juventude que começa a mostrar seu trabalho é a mistura de ciência e campo. Onze dos profissionais iniciaram o Ensino Superior, oito inclusive concluíram a faculdade, com Educação Física e Administração como os principais focos. Há uma certeza: se a academia não garante sucesso na profissão, ao menos estabelece uma base.
E há respeito: todos os técnicos fizeram questão de reconhecer virtude tanto na gurizada quanto na velha guarda. E sobre futebol, foram unânimes: a Divisão de Acesso não será mais aquele campeonato de balão para cima, disputa de cabeça, pancadaria e campo embarrado. Ao menos no discurso, os técnicos pregam bola no chão, troca de passes, velocidade e bom futebol.
A Divisão de Acesso tem fórmula simples: oito times em cada chave, quatro avançam para as quartas de final. Os finalistas sobem. O lanterna de cada grupo será rebaixado à Terceirona.
GUARANI-VA
Vanderson Pereira volta à casamata. Após dois anos afastado, o ex-lateral retorna à ativa pelo Guarani-VA. Como jogador, Vanderson, com 39 anos, foi profissionalizado no Inter. Rodou o Brasil até encerrar a carreira em 2012, no Hercílio Luz. E foi em solo catarinense que iniciou a trajetória de técnico, em 2013. No Marau, conquistou a Terceirona. Vanderson fez o curso do Sindicato dos Treinadores do RS. Quer fazer o da CBF.
– O futebol está mais dinâmico. A gente trabalha muito questão de linhas. Não abro mão de jogadores de qualidade e de bola no chão. Gosto de transição rápida, sistema defensivo que compacta, reduz distâncias. Se não tem isso, fica para trás – diz.
LAJEADENSE
Quando parou de jogar bola, Daniel Franco estava saturado do futebol. Desde criança jogando, foi campeão da Copa do Brasil de 1992 com o Inter e largou após um mês no XV de Piracicaba em 2003. Entrou na faculdade de Administração da Ulbra e não queria mais saber do esporte.
Mas, aos poucos, a saudade foi batendo. Daniel recomeçou a vida no futebol no Inter, fez o curso de técnico do Sindicato e voltou à bola. Aos 46 anos, é um dos “veteranos” da Divisão de Acesso, mas um iniciante na casamata. No Lajeadense, busca um lugar na elite do futebol gaúcho.
– Acredito no discurso reto e na meritocracia. No campo, quero velocidade e bola no chão – garante.
BRASIL-FAR
Aos 35 anos, Fernando Agostini é um dos guris da Divisão de Acesso. E virou técnico do Brasil-Far por uma fatalidade. Formado em Educação Física pela UCS, chegou a jogar profissionalmente como centroavante, mas precisou abandonar a carreira por uma lesão no joelho. Começou a treinar times amadores até assumir o sub-19 do Guarany de Camaquã. Foi auxiliar de Badico no Esportivo e continuaria na função em Farroupilha, mas a morte de Irani Teixeira, aos 58 anos, abreviou sua entrada no profissional:
– Já era a ideia inicial do Irani me dar liberdade. Montamos o time juntos. Gostamos do mesmo estilo de jogo, bola no chão, pressão – revela.
PASSO FUNDO
Com 40 anos completados em janeiro, Rodrigo Ferrari afirma estar diante de seu maior desafio como treinador. Ex-atleta de base, formado em Educação Física pela Unisinos, pós-graduado pela Gama Filho e dono da licença B da CBF, o treinador tem oportunidade de comandar um time profissional no Brasil. Já fez isso na Arábia Saudita, no Al-Kwolodd.
Levou para o Passo Fundo conceitos modernos e uma equipe que aposta na ciência do GPS e da análise tática, com os auxiliares Cristiano Garcez e Paulo Renato Vicari, ambos com formação acadêmica.
– Acredito no futebol com conceito, com ideias e com bola no chão – aponta o treinador.
IGREJINHA
Ex-jogador na década de 1990, Éverton Fabbro, 45 anos, é contemporâneo de Daniel Franco. Dividiram até a concentração no Inter. E como o amigo, também optou por uma carreira diferente da educação física quando largou o futebol. Está cursando Administração e Gestão de Pessoas na Faccat.
– É uma tendência nacional essa nova geração que investe em estudo. Basta ver Roger Machado, Fábio Carille, todos são assim – aponta.
Para a Divisão de Acesso, o técnico que conduziu o Igrejinha na Terceirona aposta na manutenção do trabalho, mas mantém os pés no chão quanto ao objetivo na competição:
– Primeiro, precisamos nos manter.
BAGÉ
Carlos Moraes, 42 anos, é formado em Educação Física, com pós-graduação em Treinamento Desportivo. Jamais jogou profissionalmente. Sua vivência no futebol é marcada por ter atuado nas categorias de base e ter comandado jovens em Inter e Juventude e profissionais no Interior: o próprio Juventude, São Gabriel, Glória, Ypiranga, Bagé e Pelotas.
No Bagé, terá Michel Neves – campeão da Libertadores e do Mundial pelo Inter – como auxiliar.
– Minhas últimas equipes eram competitivas, sempre agregando qualidade técnica. É preciso haver leitura de jogo, transições rápidas, chegar à frente e ter competitividade – comenta o treinador.
UNIÃO-FW
Natural de Caxias do Sul, Júlio César Nunes tem a chance de algo raro no Interior: dar sequência a um trabalho. Contratado em 2017 pelo União-FW, se manteve na cidade para comandar o time na busca pelo retorno ao Gauchão. O clube divide suas atenções entre o futebol e sua moderna nova arena, em fase final de construção e utilização. O treinador de 33 anos, formado em Educação Física pela UCS, é o caçula da competição. Apesar disso, tem a experiência de ter passado por Juventude e Caxias, além de ter sido auxiliar de Luiz Carlos Winck e Emerson Ávila no Esportivo.
– Essa safra nova quer mostrar serviço e dar sua contribuição – avisa.
INTER-SM
Vinícius Munhoz, 39 anos, não jogou nem na base. Sua experiência em campo limitou-se a jogos escolares. Por outro lado, atenção para sua vida na casamata: medalha de prata na Olimpíada de Pequim como preparador físico da seleção feminina. Auxiliar de Fernando Diniz, foi indicado pelo treinador para ser seu substituto na Copa Paulista. Aposta troca de passes, movimentação e bola no chão desde o goleiro.
– A direção do Inter-SM apostou na continuidade porque confia em nós, na nossa forma de ver o jogo – diz.
Formado em Educação Física na UFSM, é mestrando. Seu preparador físico, Otávio Bettega, é doutor em ciência do esporte pela Unicamp.
TUPI
Em Crissiumal, Fabiano Borba quer mostra seu valor. A experiência no Aimoré, no ano passado, mostrou-
lhe os lados bom e ruim do futebol. Depois de conduzir o time à semifinal da Copa Paulo Sant’Ana, foi demitido após o primeiro jogo, contra o Pelotas. Aos 39 anos, viu no convite do Tupi a chance de seguir na carreira, que começou no amador EC 12 horas, de Porto Alegre.
– O mercado está abrindo portas para a nova geração. É bom para nós, torcemos um pelo outro – analisa o treinador, que chegou a cursar Educação Física no IPA, mas a necessidade de trabalhar e atender a família lhe obrigou a interromper os estudos, que serão retomados em breve.
YPIRANGA
A carreira de Márcio Nunes de treinador começou meio por acaso. Ele era um zagueiro vigoroso no São Paulo-RG e acabou virando auxiliar de Gilson Maciel após a pré-temporada do ano passado. Quando o treinador foi demitido, ganhou a chance de ser efetivado. Àquela altura, já havia iniciado – e trancado – o curso de Direito na Unisc, de Santa Cruz do Sul.
– Me via seguindo no futebol, então resolvi apostar nessa carreira. Vou fazer o curso da CBF e me aprimorar – conta o técnico de 38 anos.
No Ypiranga, atuará em dois objetivos: se manter na Série C nacional e, principalmente, retornar ao Gauchão, de onde o clube foi rebaixado no ano passado.
GLÓRIA
China Balbino foi um jogador de relativo sucesso no futebol. Zagueiro por formação atuou no Gauchão e também fora do Estado. Quando retornou, virou auxiliar técnico no São José. Alçado a treinador quando Thiago Gomes virou auxiliar de Falcão no Sport, teve uma carreira de conquistas no clube da zona norte da Capital. No Glória, o treinador de 38 anos, aluno de Educação Física na Ulbra, terá a missão de reconduzir Vacaria à elite do futebol nacional.
– A Divisão de Acesso vai ter pegada, mas será muito interessante na questão tática. Os técnicos são muito qualificados e tentando trazer, esses conhecimentos táticos para o jogo – aponta o treinador.
ESPORTIVO
Já faz mais de uma década que Rodrigo Bandeira parou de jogar futebol profissional. Hoje, aos 44 anos, mistura o que aprendeu nos gramados à experiência na casamata, com o curso do Sindicato. O próximo passo é fazer o da CBF. Por enquanto, trabalha para devolver o Esportivo à Primeira Divisão. Para chegar a esse objetivo, acredita em bola no chão, troca de passes, velocidade e qualidade. E conta com um trunfo: a ótima qualidade do gramado do Estádio Montanha dos Vinhedos.
– Estamos cuidando do campo, está em perfeito estado. Isso vai nos favorecer ao longo do campeonato. Vejo que praticamente todos querem jogar bola, viver o futebol – comenta.
SANTA CRUZ
A carreira de Hélio Vieira como técnico de futebol começou imediatamente depois que deixou de ser um zagueiro técnico e vigoroso no Interior. Há 21 anos, montou um time no Brasil-Pel que assombrou o RS, atormentou o Grêmio no primeiro ano e o eliminou no segundo. De lá para cá, rodou pelo Estado e pelo mundo árabe. Hoje, aos 54 anos, quer subir o Santa Cruz para o Gauchão.
Acostumado a tirar equipes do rebaixamento, recebe a chance de começar o trabalho e implantar seu estilo de jogo. E vê com bons olhos a chegada da nova geração:
– É a ordem natural. Mas a experiência pode e deve ser aliada à modernidade do futebol.
AIMORÉ
Se disser que Arilson, 45 anos, é um dos veteranos da Divisão de Acesso, não haverá exagero. Multicampeão como jogador, com passagem pela Seleção e pelo futebol europeu, está há oito anos no Aimoré. Primeiro, na base, onde levou o clube à Taça São Paulo. Depois, no ano passado, no profissional, quando assumiu na semifinal da Copa Paulo Sant’Ana e foi vice-campeão, arrebatando uma vaga na Copa do Brasil 2018.
Em março, fará o curso da CBF. Lá, buscará aprimorar estratégias de treinamento e conceitos de futebol.
–Prego o equilíbrio. Quero que meus times joguem sempre que for possível, mas se precisar tirar, não tem problema também – diz.
PELOTAS
Aos 66 anos, Paulo Porto é o treinador mais velho da Divisão de Acesso. Mas não pense que ele se incomoda com isso. O técnico do Pelotas respeita e valoriza a nova safra.
– De maneira geral, é uma evolução tática que está havendo no futebol brasileiro. E, no Rio Grande do Sul, não é diferente. Os mais jovens têm uma metodologia diferente. E os mais velhos, para não ficar para trás, procuram se qualificar.
Técnico em Contabilidade e formado em Administração, Paulo fez o curso Sindicato dos Treinadores e participou do Footecon depois de se aposentar da profissão de bancário.
– Minha vida foi num campo de futebol, do amador ao profissional.
SÃO GABRIEL
Paulo Matos, técnico do São Gabriel, 58 anos, confia no próprio trabalho:
– Estou estudando futebol há 40 anos.
Na prática, está mesmo. Para ser treinador, Matos fez o curso do Sindicato. Mas a lista do que já trilhou no futebol é grande. Sua carreira como jogador profissional iniciou no Grêmio. Mais tarde, foi auxiliar por quatro anos, trabalhando com nomes como Valmir Louruz. Também foi gerente de futebol.
– Só não fui presidente porque não tenho dinheiro – brinca.
Sobre a Divisão de Acesso, é claro:
– De uns anos para cá, não está mais truculenta. Os treinadores são mais voltados ao jogo, para a bola rolar. Futebol tem que ser vistoso.