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Dia da Consciência Negra
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"Penso em parar de jogar", afirma atleta de futsal vítima de racismo no RS; pesquisadoras apontam caminhos para mudanças

TJD puniu atleta do time adversário com dois jogos de suspensão. No âmbito criminal, investigação está em aberto na Polícia Civil. No Dia da Consciência Negra, Zero Hora ouve os envolvidos e levanta sugestões de como o esporte por auxiliar no combate à discriminação racial

Rafael Favero

Esporte

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Felipe Mohr / Vamo Dale / Divulgação
Natural de Canoas e morador de Porto Alegre, Jhonatan Silva atua como fixo no Vamo Dale, time de futsal da Capital.

As férias de Jhonatan Silva no futsal começaram mais cedo neste ano. E o motivo foi amargo. O atleta do Vamo Dale, de Porto Alegre, afirma ter sido vítima de racismo em uma partida contra a AVF, em Manoel Viana, na Fronteira-Oeste. 

O caso foi julgado pelo Tribunal de Justiça Desportiva (TJD) em 22 de outubro. O órgão puniu Vitor Otávio Irizaga com dois jogos de suspensão. Por outro lado, Jhonatan, que alega ter sido chamado de "macaco" pelo jogador adversário, viu o seu time ser eliminado da competição por não ter dado continuidade ao jogo após a briga generalizada que se formou a partir do lance. 

A partida, em 12 de outubro, era válida pela volta das quartas de final da Série Prata. A injúria racial teria ocorrido quando faltavam cerca de cinco minutos para o final da primeira etapa. 

Ele se virou e falou para mim "macaco pau no c*

JHONATAN SILVA

Jogador do Vamo Dale, de Porto Alegre

Paralela ao julgamento no âmbito desportivo, existe uma investigação em andamento da Delegacia de Polícia de Manoel Viana. O acusado ainda não foi ouvido. 

— Eles estavam ganhando por 2 a 1. Eu dividi uma bola com ele (Vitor), na frente do banco do meu time. Ele se virou e falou para mim "macaco pau no c*" — lembra Jhonatan, que é morador de Porto Alegre e trabalha como carregador em uma transportadora. 

Jhonatan diz que já sofreu racismo em quadra em outra oportunidade, também jogando pelo Vamo Dale, mas que, pela primeira vez, o caso foi adiante. A punição do TJD, na opinião do fixo, foi branda. Ele teme que, pela falta de uma pena mais firme, a situação se repita. 

— Não dá para acreditar que as pessoas ainda são racistas. Não quero que ninguém passe mais por isso. Eu queria que as autoridades olhassem bem o que aconteceu. Penso em parar de jogar futsal, justamente por conta disso — desabafa.

A AVF está na final da Série Prata, e Vitor Otávio pode entrar em quadra. Os dois jogos de suspensão foram cumpridos na semifinal. Vitor Otávio nega a acusação de Jhonatan. 

— Jamais falaria isso para uma pessoa, porque não gostaria que falassem para a minha família, que tem pessoas negras. O que eu falei foi "pau no c* do c*". Foi até uma sacanagem puxarem para esse lado. A punição, que foi dada com base em um vídeo, para mim, não tem base alguma. Eu não chamei o atleta do Vamo Dale de macaco — contrapõe. 

Jamais falaria isso para uma pessoa, porque não gostaria que falassem para a minha família

VITOR OTÁVIO IRIZAGA

Punido por injúria racial pelo TJD, jogador da AVF nega a acusação

Dois dias depois do ocorrido, a Federação Gaúcha de Futebol de Salão (FGFS), organizadora do campeonato, publicou uma nota, na qual reforçava "seu compromisso com o respeito, a inclusão e a igualdade dentro e fora das quadras" e que continuaria "atuando com seriedade em prol de um ambiente esportivo, justo e seguro para todos". 

No texto, divulgado nas redes sociais e assinado pelo presidente Ivan Rodrigues dos Santos, a entidade explicou que aguardava informações do Vamo Dale e o relatório da arbitragem para que "as providências cabíveis" pudessem ser tomadas, "conforme previsto em nosso regulamento e no código disciplinar"

Esporte x racismo

Para entender como times e entidades podem contribuir para o combate ao racismo, Zero Hora conversou com quem mergulha no assunto. Foram ouvidas três pesquisadoras do Grupo de Estudos sobre Esporte e Discriminação (GEED) do Museu da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 

Para a bibliotecária Lueci da Silva Silveira, mestre em Educação pela UFRGS, o esporte é utilizado historicamente como instrumento de união entre negros e brancos. Para ela, é preciso explorar o potencial desse setor da sociedade para criar ações de conscientização. Segundo Lueci, o que ocorre dentro de quadras ou estádios ajuda na transformação das relações sociais, do lado de fora. 

— Nelson Mandela afirmava: “O esporte tem o poder de mudar o mundo. Tem o poder de inspirar, tem o poder de unir as pessoas de um jeito que poucas coisas conseguem” — sublinha Lueci. 

A museóloga Sibelle Barbosa da Silva aponta que alguns clubes já desenvolvem ações relacionadas à discriminação racial, em especial nos espaços dedicados à memória das instituições. Contudo, assim como a colega de GEED, cobra avanços. 

— O Bahia tem um núcleo de ações afirmativas, que dialoga com o museu do clube, e esse espaço cultural promove ações educativas diretas de combate à discriminação racial. O Grêmio criou o Clube de Todos, que tem promovido interna e externamente ações educativas com escolas, com o apoio do Observatório Racial do Futebol. O Inter está com uma ação em novembro de mediação antirracista em seu museu para o público escolar. O grande desafio é dar prosseguimento e ampliar esses programas educativos, os tornando permanentes, pois o espaço do esporte é uma grande ferramenta de mudança social que deve ser utilizado com torcedores, atletas e funcionários desses espaços — avalia Sibelle, mestre em Museologia. 

O grande desafio é dar prosseguimento e ampliar esses programas educativos, os tornando permanentes, pois o espaço do esporte é uma grande ferramenta de mudança social

SIBELLE BARBOSA DA SILVA

Pesquisadora do Grupo de Estudos sobre Esporte e Discriminação

A jornalista e publicitária Soraya Damasio Bertoncello, mestra em Comunicação Social, reforça que debates sobre o racismo não devem acontecer apenas em datas especiais, como o Dia da Consciência Negra, ou quando há casos de racismo. Além disso, destaca que é preciso iniciativas de acolhimento das vítimas, sem esquecer daquelas de pequenas equipes, sem tanta visibilidade da mídia. 

Na opinião de Soraya, os clubes têm de pensar em ações que ultrapassem campanhas pontuais, as que se resumem ao marketing. As punições, de acordo com sugestão da pesquisadora, devem levar à perda de pontos e eliminações, e as equipes devem ter comportamentos que busquem educar os torcedores.

— O racismo acontece, por exemplo, no futsal, que tem menos visibilidade que o futebol de campo. E, no final das contas, o clube punido foi o clube que fez a denúncia? Por que isso segue acontecendo? A gente tem que entender que o esporte é uma paixão nacional, principalmente o futebol, e precisamos usar essa potência como uma ferramenta efetiva de mobilização e discussão. É uma mobilização que não pode ficar restrita a novembro — acrescenta Soraya. 

O GEED da UFRGS existe desde 2018 e atualmente reúne 16 pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento. O grupo é parceiro do Observatório da Discriminação Racial no Futebol e colaborou na elaboração do Relatório da Discriminação Racial no Futebol, considerado referência em dados sobre o assunto no futebol brasileiro. 


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