O lateral-esquerdo Uendel, mais de quatro anos e 131 jogos pelo Inter, será um dos adversários do Grêmio na partida desta quarta-feira (18). Um dos jogadores mais esclarecidos do futebol brasileiro, ele conversou com a reportagem sobre a vida em Cuiabá, sua história no Beira-Rio e as expectativas para o futuro.
Como está a adaptação de um cara do sul catarinense ao calorão de Cuiabá?
É um contraste, né? Mas já nos acostumamos, com o tempo fica mais fácil. Evitamos treinar nos horários mais quentes, fazemos ou bem cedo ou no final do dia. É um clima mais seco, sentimos, mas o ser humano se acostuma com tudo.
Mas a vida é boa? Cidade, clube…
É boa a vida, sim. Me surpreendeu, a cidade. Quanto ao clube, a gente vem municiado de informações, ligamos para os amigos que conheceram, para ter noção do que esperar. E é bem o que esperava. A cidade é ótima, até comentei com minha esposa, que vivemos melhor aqui do que em Porto Alegre na questão de deslocamento, escola para os filhos.
De Porto Alegre ficou só a saudade dos amigos, então?
Porto Alegre é uma cidade pela qual temos muito carinho. Somos de Sombrio, então o RS é a extensão da nossa vida. Temos muitos amigos. Até hoje, quando possível, vamos a Porto Alegre. E, no Inter, foram quatro anos, então não tem como não pensar.
Que balanço faz do período no Inter?
Em termos pessoais, sem dúvida, um balanço positivo. Foram quatro anos de histórias intensas. Começamos na Série B, disputamos campeonatos, fizemos amizades. Mas, na questão esportiva, é claro que faltou conquistar títulos. Não adianta se enganar. Faltaram os títulos. Se tivesse saído do Inter com o Brasileirão e a Copa do Brasil nas costas, teria sido muito diferente, imagina.
É, e foram dois vices. No Cuiabá, a prioridade é se manter na primeira divisão ou dá para pensar em algo a mais?
Nosso objetivo é manutenção na Série A. É um clube que está em construção, tem 20 anos de história. Mas nesses 20 anos foi 10 vezes campeão mato-grossense. Viveu uma escalada muito rápida para a Série A. E depende dessa manutenção para a ascensão. É um clube diferente do que estamos acostumados porque é, de fato, de uma família, os Dresch, que têm uma história linda aqui no Cuiabá. Pegaram o clube na Série D e chegaram à Série A. Eles são apaixonados pelo clube. A ideia deles é ficar três anos na Série A e daí pensar em coisas maiores.
Seu treinador sabe tudo de sua posição…
Ah, o Jorginho era fera. Ele nos ajuda muito. Foi uma referência na posição, titular da Seleção por muitos anos. Tentamos aproveitar de tudo.
Contra o Inter, o Cuiabá certamente saiu lamentando o empate, porque jogou muito melhor. Contra o Grêmio, na atual circunstância, que tipo de jogo espera encontrar?
Verdade, a gente jogou muito bem contra o Inter, a estratégia que pensamos funcionou, mas sabemos que esses times grandes que estão lá embaixo vivem mais pressão. Então vai ser um jogo mais difícil. Mas, em casa, temos de tentar colocar nossa força. É só isso que nos falta, fazer valer mais o fator local, porque fora estamos indo bem.
Você é um dos jogadores mais esclarecidos do futebol. Certa vez, um dirigente comentou: "Uendel foi o primeiro atleta a quem entreguei um contrato e ele leu".
(Risos) É?
Sim! Por isso, pergunto: como tem sido a vida além do futebol?
Você diz como sequência de carreira?
Não só isso. Mas uma vez você disse que não gostava muito de rede social, preferia ler, na época estava lendo a biografia do Michael Jordan. Isso mudou?
Quando cheguei no Inter, era casado, mas não tinha filho. Os dois nasceram em Porto Alegre. Eles demandam muito. Então quando estou em casa, damos o máximo de atenção. Ainda mais que no Inter a gente chegava longe nas competições, finais, semifinais, passava mais tempo longe, tinha pouca folga. Mas o hábito da leitura ainda mantenho, sempre levo livros. Atualmente, faço faculdade de gestão de empresas, depois vou fazer os cursos da CBF. Não que seja algo que eu vá querer fazer, mas vai ajudar a definir o futuro. E sempre procurando evoluir como pessoa. Fiz oito anos de curso de inglês. Tenho uma empresa de investimento, sou parceiro da Montebravo na parte de investimentos, para ajudar atletas. Tem alguns braços para o futuro, mas nada certo.
Mas já pensa em parar?
Quando passa dos 30, começa a pensar. É incrível isso. Antes, nunca passa pela cabeça. Mas quando está em casa, na concentração, esses pensamentos chegam. E é interessante porque todos que falamos sobre isso, dizem: "Vai parar? Então te prepara bem". Porque se não tem certeza, você sai do mercado e não volta mais. Vejo essas três linhas, a do investimento, parecido com o que faz o William Capita, a outra é o futebol que é minha paixão, mas com o ônus de seguir longe da família, não sei se vou querer, não só por esposa e filhos, mas também meus pais, e a questão de empresários, a Elenko (que cuida da carreira) me abriu as portas, acham que tenho perfil.
Consegue repassar isso aos jovens?
Sempre converso com os mais jovens, no Inter era assim. Tinha um pessoal mais novo com cabeça muito boa, o Roberto zagueiro, Nonato, Sarrafiore. Diferente da minha época, que o pessoal tinha a cabeça mais fechada. E passa rápido. Quando tinha 20 anos, me diziam e eu não acreditava. São jogos, jogos, jogos, a temporada passa voando. Tem de tirar proveito. É uma profissão privilegiada, é o sonho de todo garoto, a gente recebe, e muito bem, para fazer o que gosta. Mas alerto: "Cuida do teu corpo, é tua ferramenta de trabalho. Tem que abdicar de algumas coisas prazerosas da idade, que talvez seus amigos estejam curtindo, mas vai valer a pena para dar um futuro melhor".
Essa geração é diferente neste ponto?
Totalmente diferente. Vejo assim: jogador, antes, era jogador só na hora do jogo. O cara bebia e fumava, era normal. Depois, passou a ser jogador nos jogos e nos treinos. E hoje, o jogador é 24 horas. Tem de ter o descanso, cuidar a alimentação. É um pacote completo. Não é só chutar uma bola e sair correndo. O pessoal que está chegando agora da base já tem mais consciência. E a tendência é só melhorar. Nas férias tem jogador treinando e postando nas redes sociais. Daí o cara vê o companheiro treinando e vai fazer também.
E como está a relação com as redes sociais?
Tenho um no Twitter, em segredo, para o mercado financeiro. E no Instagram fiz um, mas mais por causa da família e para manter contatos com os amigos que fiz no futebol. Se souber usar, é o lado bom.
Nesse período sem torcida, a rede social tem sido a arquibancada.
É engraçado isso. Porque às vezes, no Corinthians e no Inter, mal acabava o jogo e o menino abria o Twitter e colocava o nome para ver a reação da torcida estava falando. Eu dizia: "Pô, quer se matar? Toma veneno. Pelo menos é mais rápido". Pode ter 100 elogios, mas se tem um cara te chamando de feio, vai dormir pensando nisso. Entre os jogadores de futebol é pior, está sempre sendo analisado, a cada três ou quatro dias, e é 8 ou 80, não é linear. Então tem que ter cabeça para entender que é algo passional e não profissional. Se precisar dar uma dica aos jovens, sugiro não olhar rede social.
O que tem lido de bom?
Agora estou lendo "Fome de Poder", sobre o Mc Donalds. Já tinha visto o filme e quis ler o livro. Teve também o Big Short, sobre a crise de 2008, também virou filme (A Grande Aposta). Gosto de livros que contam histórias reais, biografias. No esporte, tem a do Agassi, que é referência, entre outras.
Parece que encontrou no mercado financeiro outra paixão.
Pior que é. Pessoal diz que quando o bichinho do mercado financeiro te pica, não larga mais. É bem bacana, um mundo novo que abre. Começa a entender mais as empresas, coisas que vê no dia a dia e nem imagina, faz investimentos. Aprende os balanços das empresas. É relativamente novo, que tenho aprendido diariamente. Agora tenho tentado levar para outras pessoas.
Essas leituras, esses interesses… isso ajuda também no campo?
Sou meio cético. Porque acho que é outro tipo de inteligência. Não é porque o cara lê ou não lê que vai ficar melhor ou pior. Futebol é outra situação, envolve tomada de decisão rápida, confiança. Ajuda na vida pessoal, a crescer, ser alguém melhor. Mas atrapalhar, não atrapalha.
O quarto caminho pode ser comentar, hein?
Ah, já me falaram isso. Mas acho que não é minha praia. Vamos ver (risos)
É mais fácil do que mercado financeiro…
Pô, agora que a gente fica de fora, vê os jogos da arquibancada. E entendemos porque os torcedores reclamam: dali de cima é tão fácil, né?