Há um ano, o diretor executivo da Chapecoense, Rui Costa, foi apresentado na Arena Condá juntamente com o técnico Vagner Mancini para tocar a reconstrução da Chapecoense. Em entrevista realizada na sexta-feira pelo Diário Catarinense, o executivo lembrou que a cidade parecia um grande funeral, com velas nos vestiários e um time praticamente sem jogadores. Por causa disso, foi necessária muita sensibilidade, inclusive nos momentos de grande euforia: como a conquista do título do Estadual, a confirmação da permanência na Série A e a obtenção da vaga na Libertadores.
Passados os desafios de 2017, ainda há outras missões – tão difíceis quanto – em 2018 para Rui Costa, como montar um elenco já sem a ajuda tão grande de outros clubes e preparar o time para a sua segunda Libertadores.
O primeiro será o Campeonato Catarinense, competição em que o executivo pede à federação catarinense para que tenha compreensão, já que o Verdão está disputando o torneio internacional ao mesmo tempo.
Confira a entrevista a seguir.
Como foi o desafio de chegar a Chapecó, e não ter um time e chegar ao final do ano atingindo os objetivos?
Foi um ano de aprendizado, um ano de muita compreensão de que as coisas do futebol não são tão simples assim. O que fizemos foi algo que transcende o meramente desportivo. Desde o início tivemos que trabalhar de uma forma profissional mas dentro de um contexto de comoção, de sensibilidade apurada, de ter cuidado em cada gesto, até as celebrações foram comedidas. Eu te diria que esse foi nosso maior desafio, conciliar o extremo profissionalismo com a sensibilidade de entender que vivíamos um contexto emocional de muita suscetibilidade. Qualquer gesto mal feito poderia gerar uma insatisfação muito grande.
Quando te convidaram para assumir, o que te fez aceitar?
Pode parecer pretensioso, mas eu me sentia preparado. Sabia o que vinha pela frente, a carga que isso ia gerar, o risco para carreira, porque um fracasso aqui poderia ser definitivo para todos nós. Mas quando eu aceitei o convite, entendia que era uma missão, e não é todo homem que consegue na vida ter uma missão como essa. É um trabalho que eu vou lembrar por toda a minha vida, meus filhos, meus netos. Eu não podia simplesmente entender que era só mais um trabalho. Claro que fui remunerado, mas há uma cláusula no meu contrato, que não está escrita, que é o fato de fazer parte desse projeto de reconstrução onde todo mundo abraçou a Chapecoense. Todo mundo tinha a expectativa de que a Chapecoense voltasse a ser um clube de futebol normal. E eu me sentia capaz, junto com meus colegas, tinha certeza de que conseguiria.
Faltou paciência do torcedor em alguns momentos?
O torcedor é paixão e isso leva a comportamentos extremos, para o bem e para o mal, não te dá espaço para a razão. E muitas vezes o olhar que teria que ter para a Chapecoense era o da razão, pois foi um time que começou do zero e nós tivemos partidas em que fomos mal no Catarinense e a torcida vaiou um time que tinha 15 dias de trabalho, mais de 20 atletas desconhecidos, muitos não jogaram juntos. Aí tem um componente que o torcedor nos olhava e pensava: esses aí não são a Chapecoense. Os nossos jogadores querendo se transformar em ídolos e vinha uma ansiedade. Eu dizia no vestiário: “calma, a gente vai conquistar esse espaço”. Mas percebíamos que as pessoas olhavam e pensavam: “por quê esse cara está aqui no lugar de uma pessoa que a gente adorava? Os nossos jogadores eram outros”. Isso foi muito bem trabalhado no vestiário, pois sempre dissemos que nós não viemos aqui para substituir ninguém. Eles são insubstituíveis. Nós viemos ocupar um espaço que foi lamentavelmente desocupado, para que a Chapecoense pudesse prosseguir. Nós vínhamos com uma missão de continuar uma história. Escrever a nossa história para que a Chapecoense continuasse. Nunca vou ocupar no coração do torcedor da Chapecoense a relação que o Maurinho tinha, que o Cadu tinha. A mesma coisa os jogadores. Mas sabíamos que se fizéssemos um excelente trabalho aqui, com o passar do tempo, as pessoal olhariam para nós e diriam: “os caras remontaram um trabalho, um projeto, que vai permitir que sejam dignificados os que não estão aqui”. Imagina o que representaria ter caído para segunda divisão. Seria um novo impacto para o clube. Hoje estamos celebrando o fato da Chapecoense enfrentou uma tragédia e conseguiu passar por isso desportivamente. Não emocionalmente, pois isso não passa nunca, seja conseguindo conquistar o Catarinense, chegando a liderar o Campeonato Brasileiro, conseguindo vaga para a Libertadores. A maior homenagem que podemos fazer é deixar o clube no patamar que eles ao longo dos anos construíram.
Teve momentos complicados, como o da faixa.
A faixa faz parte. Foi uma coisa que a gente via que era direcionada, planejada até. Mas o que mais me entristeceu foi ver o nome do seu Plínio (De Nês Filho, presidente) na faixa. O meu, não tem problema. Mas o seu Plínio não merecia faixa criticando ele, pois durante toda a sua vida se doou ao clube. O que mais me tocou foi naquele período no jogo do Flamengo, pela Sul-Americana quando entrei no campo e uma menina de pouco mais 10 anos, um pouco mais velha que os meus filhos, falou: “Vai embora daqui”. Aquilo sim me magoou. Pensei: “no final do ano essa menina vi pedir para eu ficar”. Viemos devidamente remunerados. Eu não fiz favor para a Chapecoense. Ao contrário, eu me transformei em um homem melhor e em um profissional melhor, mas todos nós nos dedicamos de corpo e alma. Chegávamos às 8h e saímos às 22h. Lembro que faltando cinco minutos para a virada do ano eu liguei para o (diretor de futebol João Carlos) Maringá perguntando sobre um jogador. Ele respondeu: “pensei que tinha me ligado para desejar um feliz Ano Novo”. Respondi: “Depois te desejo, mas tem que ver isso”. Nós tínhamos tamanho empenho para ver o torcedor feliz de novo. O grande reforço era ver o estádio lotado, cantando de novo e a torcida veio, cantou, ligou o celular. Cada vez que eu via aquilo eu pensava que cumprimos a missão.
Este primeiro ano era uma grande missão mesmo.
Quando cheguei na cidade, no dia 9 de dezembro de 2016, encontrei um grande funeral, um grande luto. Quando cheguei no vestiário vi velas em vez de jogadores, isso foi muito impactante e me dei conta de que o desafio seria gigantesco. No outro dia, quando fui comprar roupa, me perguntaram se era eu que tinha vindo reconstruir a comunidade. Disse que vinha reconstruir o time e a pessoa insistiu que era a reconstrução da comunidade que estava destruída. Nós tínhamos que trazer o ambiente de futebol de volta, sorrir na quarta-feira, vaiar no domingo, ser o idiota na quarta, o gênio no domingo. Eu fui xingado e elogiado em outros lugares. Não é definitivo. Isso foi determinante para superar. Quando fiz a coletiva e disse que colocava as duas mãos no fogo pelo grupo é porque eu via coisas que vocês não viam. Eu via jogador jogando machucado, com dor. Eu via jogadores que deram volta ao mundo querendo jogar. Eu via a entrega dos jogadores depois de 54 mil quilômetros de viagem na vitória contra o Palmeiras. Quando cheguei no vestiário, tinha jogador deitado que eu pensei que teria que usar desfibrilador, pois estava branco, mal, cansados, extenuados. Jogador que ganhava R$ 15 mil, R$ 30 mil, jogando contra jogadores com salários de R$ 500 mil, R$ 600 mil, e ganhando deles. Esse tipo de profissional, esse tipo de conduta que vi no vestiário, me levava a imaginar que chegaríamos longe, mas não imaginava Libertadores. Sabia que chegaríamos, a gente queria muito chegar na Sul-Americana. Mas o homem lá de cima nos deu um presente.
O Gilson Kleina mexeu com o time e deslanchou, não foi?
Você tem que mexer, não dá para deixar para o outro ano. O ano poderia ser terrível. Mesmo os erros que cometemos foram por ação, e não por omissão. Todos os ciclos tinham que haver uma mudança. O tempo médio de um treinador é de cinco, seis meses. Às vezes a mudança é necessária. O Gilson conseguiu resgatar tudo de bom que nós tivemos. Ele teve uma sensibilidade muito grande. De forma muito capaz, ele estabeleceu hierarquia, mas se aproximou dos atletas e trouxe ao campo um trabalho de qualidade. Fizemos um contrato até o final de 2018, pois sabíamos que o trem era bom, era de qualidade, só tinha de colocar no trilho de novo. O Gilson trouxe a confiança e equilibrou o time, deu mais experiência para o time, valorizou todo mundo. Enfim, isso foi decisivo.
O erro por ação inclui a Libertadores?
Não. A Libertadores é algo que vai ficar esclarecido. Nós fizemos o que tínhamos que fazer, ganhamos do finalista. Aliás, ganhamos dos dois finalistas da Libertadores no ano, do Lanús e do Grêmio, e na casa deles. Nossa saída da Libertadores começa na Recopa, ali começou um processo de desconstrução da Chape como um coitadinho. Então, pode ter havido um erro administrativo. Mas sou testemunha de que a Conmebol se atrapalhou. Agora temos que entender como vamos tratar esse tema, pois estamos novamente em uma competição da Conmebol. Tem que avaliar, acho, essa presença do presidente no sorteio da Libertadores. Vai ser um momento importante, de aproximação da Conmebol e de como a Conmebol nos vê agora, legitimamente como participante da competição, e não como coitadinhos.
Como estão projetando o próximo ano?
Vejo 2018 como um ano ainda difícil. Porque a performance que fizemos nos coloca como concorrentes e adversários. Não tem mais aquele apelo do clube que fez com que outras equipes emprestassem jogadores com salários de R$ 250 mil e a Chapecoense pagando R$ 80 mil, R$ 90 mil. Por que vou reforçar a Chapecoense se a Chapecoense me tirou a vaga na Libertadores? Segundo por que: será que o torcedor vai aceitar se a Chapecoense ficar em décimo no Brasileiro e for vice-campeã Catarinense? Hoje todo jogador do clube está valorizado. Então, 2018 vai ser um ano de maturidade e de consolidação. Vamos ser o único time catarinense da Serie A, vamos ser o time a ser batido. Serão todos contra nós. Antes éramos nós contra eles. Agora são eles contra nós. Vais ser motivo de palestra, vai ser motivo de premiação. Tenho certeza que, neste momento em que estou dando entrevista, o planejamento dos clubes adversários é: nós temos que tirar a hegemonia desses caras, não podemos perder pelo terceiro ano seguido. Nós somos o protagonista do cenário, nós estamos na Libertadores, na Série A, fomos o oitavo no Brasileiro e estamos com força no Campeonato Catarinense. A responsabilidade aumenta em um ano em que temos que fazer adaptações. O ano de 2018 é de confirmação. O nível de exigência vai ser muito alto.
Vai ter aumento de folha?
O seu Plínio já nos deu um patamar um pouco melhor em percentual. Temos de ser criativos na gestão, de pagar menor e com contrato mais longo, de dar uma luva, bônus no contrato. Essa é uma ferramenta que tem que ser louvável no futebol brasileiro, uma coisa que implantei na Chapecoense: receber por performance. Tem um básico, mas se ele quiser ganhar mais vai ter de por performance, por titularidade. O atleta sabe que, mesmo com contrato de dois, três anos, para ele ganhar mais, vai ter de performar. Se quer ganhar mais, performou e vai ganhar mais. Trabalhamos com tempo de jogo, com titularidade. É mérito. É criar estímulos remuneratórios. Política de premiação muito clara, não atrasa uma hora. Tudo isso cria imagem de credibilidade.
Apesar de ser o quinto ano na Serie A, a Chapecoense é um time de uma cidade de 200 mil habitantes. Como fazer frente aos outros times com maior orçamento?
É difícil. Ontém nós estávamos negociando com um jogador que eu acho que seria um grande diferencial (Rildo, do Coritiba). Aí chegou um clube e ofereceu R$ 200 mil para ele. Acabou a negociação. Porque ninguém vai chegar aqui dizendo “Gosto tanto do verde e branco, e vou abrir mão de R$ 100 mil por mês”. Isso não existe. Todos somos profissionais, vai até um limite. Relacionamento e conhecimento, temos de sobra. Tem quatro ou cinco jogadores revelação de clubes médios que não foram contratados por R$ 30 mil, R$ 40 mil, R$ 50 mil, mas que para nós faz diferença. O futebol da Chapecoense é superavitário. Nós concorremos com times que ganham R$ 170 milhões só da TV. A gente ganha R$ 30 milhões e vamos lá e ganhamos deles. Olha os times que estão abaixo. A quantos pontos ficamos do Flamengo? Dois pontos. Senão teríamos superado um time com um dos melhores executivos do Brasil e uma receita de R$ 600 milhões por ano. Um clube de uma cidade de 200 mil habitantes que ganha duas vezes do Palmeiras, que ganha do Grêmio na Arena, do campeão da Libertadores e pode ser do Mundo. Nosso time foi lá e com entrega e raça ganhou o jogo.
Vão contratar quantos atletas?
Primeiro temos de manter o maior número possível, dentro de um critério técnico. Não posso renovar com todos. Teremos um orçamento conservador, com upgrade, e vamos contratar entre quatro a seis contratações para substituir o que perdemos e fortalecer o grupo.