O professor Sergius Gonzaga comenta as leituras obrigatórias para o próximo vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) nesta seção. Hoje, a obra escolhida é do poeta Gregório de Matos Guerra. E fique ligado: os textos exigidos podem ser baixados gratuitamente no site da UFRGS.
Importância
Apesar de seus poemas terem ficados dispersos, mantidos pela tradição oral ou em manuscritos inconfiáveis, e apesar do peso temático e formal das obras de Gôngora e Quevedo em suas produções, a força literária de Gregório de Matos tem grande densidade. Em seus melhores versos, soube adaptar os princípios barrocos às tensões da realidade baiana, estabelecendo uma poesia simultaneamente universal e brasileira.
O que observar
1) A vertente satírica de seus poemas resulta tanto da visão cética dos barrocos (o desengano) quanto da percepção crítica do autor sobre o cotidiano de sua época. Em textos como E pois Cronista Sou, Define a sua Cidade, Epílogos, Aos Vícios, registra sua inconformidade com o mundo baiano, tal como ele era. Apresenta a ótica de um senhor-de-engenho decadente e ressentido, que vê as mudanças econômicas como a subversão de uma ordem que deveria ser perpétua e que se esfacela diante dos olhos. O protesto transforma-se em caricatura, palavrão, praguejar, explosões de um cinismo cru e sem piedade.
2) A vertente religiosa expressa quase sempre o homem que se ajoelha diante de Deus (ou de Cristo), confessa os seus pecados e, confiante na clemência divina, promete redimir-se. ("Pequei Senhor, mas não porque hei pecado / Da Vossa alta clemência me despido").
3) A vertente lírica propriamente dita envolve três temas: o amor idealizado, o amor obsceno-satírico e o fluir avassalador do tempo. A idealização amorosa refere-se a mulheres brancas, das classes superiores, e alcança sua melhor cristalização no soneto Dona Ângela, pequena obra-prima feita de antíteses sobre a duplicidade feminina e sua capacidade de sedução. A segunda tendência é representada pelo longo poema Definição do Amor, em que, após uma detalhada exposição dos aspectos contraditórios do amor - conforme o modelo camoniano e o dos poetas barrocos espanhóis -, Gregório conclui que o amor é apenas "um embaraço de pernas, / uma união de barrigas, / um breve tremor de artérias".
Últimas dicas
Não esqueça que, em seus sonetos, Gregório de Matos vale-se preferencialmente de versos decassílabos (versos de 10 sílabas).
Releia o seu poema mais famoso, À Cidade da Bahia.
É uma das poucas vezes em que o poeta se identifica com a cidade, vendo na decadência desta ("Triste Bahia!, ó quão dessemelhante / Estás e estou do nosso antigo estado!") o seu próprio declínio e acusando a "máquina mercante" (o mercantilismo) como a causa principal de ambas as ruínas. No final do soneto, o autor imagina a cidade retornando à vida frugal (ao velho sistema latifundiário) e abandonando as "drogas inúteis" (os valores materiais do nascente capitalismo).