Proposto como um romance histórico, o texto questiona as relações existentes entre a história e a literatura, mostrando que a primeira lida com a verdade (pretensa) dos fatos objetivos, enquanto o texto literário - resultante de um processo de criação ficcional - é capaz de mostrar a realidade de uma maneira mais rica, múltipla e complexa.
O que observar
O jovem leitor deve ler pelo menos as 20 primeiras páginas do romance para se acostumar com o fato de que a narração e o diálogo entre os personagens se mesclam, sem sinais visíveis de diferenciação, a não ser o uso de maiúsculas no corpo do texto, que indica que alguém está falando.
Atente também que o romance, a rigor, se compõe de três histórias do Cerco de Lisboa (levado a cabo por D. Afonso Henriques em 1147 contra os mouros que dominavam a cidade desde o século VIII): a do historiador, a do revisor e protagonista Raimundo da Silva, e a do próprio narrador da obra.
Já no plano temporal, temos a evocação do passado histórico, sob vários ângulos, e a do presente em Lisboa (fins do ano de 1980).
O desencadeamento da ação narrativa começa pelo NÃO que o modesto revisor de uma editora lisboeta (Raimundo) insere em um trabalho historiográfico, modificando radicalmente o sentido da frase: "Os cruzados NÃO ajudaram os portugueses no cerco da cidade." Este NÃO significará para Raimundo um gesto de rebelião não só contra o texto, mas contra sua própria vida medíocre, abrindo-lhe a possibilidade de escrever uma outra versão do Cerco de Lisboa e também aproximar-se de Maria Sara, a diretora editorial, por quem havia se apaixonado.
Dica final
Em sua narrativa pessoal do Cerco de Lisboa, Raimundo cria personagens que, de alguma forma, traduzem suas próprios fantasias, em especial o amor por Maria Sara. Por isso é que surge em seu texto a dupla amorosa Mogueime (soldado português, espécie de alter-ego do revisor) e Ouroana, que é concubina ("barregã") e vive sob a proteção de um cruzado alemão (Henrique). Além de expor indiretamente sua subjetividade, Raimundo - através da ficção - põe em evidência indivíduos que representam as classes populares, totalmente ausentes do texto historiográfico, e com isso comprova que a literatura tem um poder de revelação do passado tão (ou mais) significativo que o da história.