Rubem Fonseca registra brutalmente a moderna vida urbana brasileira naquilo que ela tem de inesperado, pungente e assustador. Como nenhum outro escritor contemporâneo, soube captar a violência que impera nas ruas do país, em uma espécie de guerra civil não declarada. Às vezes, essa violência brota das circunstâncias sociais; outras vezes, emerge de pulsões subterrâneas dos indivíduos que experimentam o fascínio do mal, independentemente da classe a que pertençam. Embora tenha escrito bons romances, é no conto que se destaca. Além do pleno domínio da técnica, apresenta um estilo despojado, por vezes elíptico, tendo como base diálogos convincentes. Prefere as narrativas em primeira pessoa e apresenta uma esplêndida capacidade de dar a cada narrador uma voz específica. Adequada a sua classe e a sua geração.
O que observar
1) Repare no núcleo de contos centrados na exposição da violência direta: a dos marginais (Feliz Ano Novo); a dos executivos (Passeio Noturno I e II); a das mulheres (74 Degraus); a da velha aristocracia luso-brasileira (Nau Catrineta).
2) Não esqueça que, em seus relatos, a violência não é o único tema. Rubem Fonseca debruça-se sobre a solidão dos indivíduos na grande cidade, invariavelmente presos a paixões e vínculos efêmeros, restando-lhes apenas a obsessão pelo sexo como única alternativa ao vazio da existência. Repare também nos contos melancólicos em que os protagonistas aparecem derrotados por causa do fracasso de seus sonhos (Abril no Rio, em 1970, Botando pra Quebrar, Corações Solitários, O Pedido)
3) Lembre também da tendência do autor em criar situações de humor negro (Agruras de um Jovem Escritor, Nau Catrineta) e em estabelecer uma reflexão indireta sobre a sua própria concepção de literatura (Intestino Grosso).
Não esqueça
Por sua ampla experiência profissional (de inspetor de polícia a gerente de multinacional) e por sua fina capacidade de observação da sociedade brasileira, Rubem Fonseca foi capaz de escrever, com a mesma verossimilhança, sobre gente do povo e executivos, marginais e empresários, jornalistas, detetives e assassinos profissionais, garotas de programa e pobres-diabos que vagam sem destino pelas ruas do Rio de Janeiro. Tem, pois, como matéria-prima os dois extremos da nação: os que vivem à margem e os que constituem o núcleo privilegiado do sistema.