“Eu sentia que tinha um emprego, mas não uma profissão”. Esse foi o pensamento que fez com que Gabi Valente, 40 anos, fizesse uma mudança brusca de carreira há cerca de quatro anos. Diarista e proprietária da empresa Sua Casa Mais Limpa, a moradora do bairro Restinga, em Porto Alegre, conta que já havia passado por várias áreas com contratação CLT, mas não estava realizada. Hoje, a empresa oferece serviços de limpeza, mas também treinamentos, palestras e mentorias.
Um dia, no intervalo de almoço da estética onde trabalhava há um ano e meio, Gabi se deparou com um vídeo em uma rede social em que uma moça lavava a louça e comentava sobre os obstáculos que enfrentou na vida e como parou na faxina.
— Eu vi nela uma replicação, respeitando a particularidade de cada um, mas sempre de histórias tristes que levam a fazer faxina. “Perdi meu emprego”, vou fazer faxina. “Não tenho estudo”, vou fazer limpeza, trabalhar em casa de família. Me parece que sempre é a última opção. Aquilo bateu em mim de uma maneira avassaladora — relembra.
Sem saber nada sobre empreendedorismo ou como administrar o próprio negócio, Gabi pediu demissão do emprego, explicando que queria fazer algo diferente. Chegou a ser chamada de “louca” por querer largar a vaga para fazer limpeza. Na época, seu marido estava desempregado, o que tornava a escolha ainda mais desafiadora para uma família com dois filhos (um com sete e outro com 20 anos, hoje).
Casa Limpa
Sem desanimar e com o propósito em mente, Gabi guardou dinheiro por três meses e escolheu o nome da empresa: Casa Limpa. O negócio iniciou em junho de 2019 e a primeira cliente foi uma moradora do próprio bairro.
Recebendo oportunidades através de indicação, Gabi teve mais um obstáculo no ano seguinte com a pandemia de covid-19, a busca por clientes. Ficando apenas com duas residências, ela percebeu a importância de seu trabalho, ainda mais para quem ficava mais tempo dentro de casa. Foi aí que resolveu que precisava de especialização. Buscou, então, cursos para melhorar suas técnicas e seus equipamentos.
Hoje, eu entendi que eu deveria criar essa realidade, porque é uma profissão muito digna, que serve de rede de apoio para muitas mulheres e muitas famílias, necessária para saúde e bem-estar de todas elas e que merece o respeito
GABI VALENTE
Empreendedora, criadora da Casa Limpa, empresa de qualificação para profissionais da limpeza
— Entendi que eu precisava estudar mais sobre. Fiz curso de qualificação para diarista, limpeza de vidro, revestimento, mudei minha logo, meu Instagram. Fui crescendo, fui para congressos, ganhei premiação. Fui para São Paulo, Rio de Janeiro, comecei a ganhar visibilidade — conta.
Gabi lembra que a mãe foi diarista e que ficou 50 anos na mesma casa, o que fez com que ela mesma precisasse reverter preconceitos e encontrar uma nova visão. Ela defende que, assim como em qualquer profissão, quem trabalha com limpeza também pode se atualizar.
— Eu sou diarista por opção. Eu escolhi exercer. Busquei estudar, porque eu queria uma nova realidade para mim. Hoje, eu entendi que eu deveria criar essa realidade, porque é uma profissão muito digna, que serve de rede de apoio para muitas mulheres e muitas famílias, necessária para saúde e bem-estar de todas elas e que merece o respeito — frisa.
Pensando em levar esse conhecimento adiante, a diarista decidiu realizar cursos gratuitos de capacitação para outras moradoras da Restinga, tratando de temas como educação financeira, saúde postural para evitar lesões e sobre como usar as redes sociais para divulgação do trabalho.
— Eu, que só queria fazer faxina, encontrei um mundo de possibilidades nessa profissão que é tão importante na vida da gente. Essa visão medíocre da profissão se mantém até hoje, e essa é a minha ideia: mudar isso. Que a limpeza seja tratada como uma prestação de serviço qualificado. Eu estudei, eu investi, e é o que eu amo fazer — destaca.