A escola tem um papel fundamental no desenvolvimento de toda criança. É nela que geralmente fazem os primeiros amigos fora do núcleo familiar, aprendem a se enxergar como parte da sociedade e têm contato com a diversidade. Para a criança autista não é diferente, porém, é também no colégio que alguns desafios extras e preconceitos começam a aparecer.
Laís Francisco, de 35 anos, mãe de Clara, de 3 anos e 9 meses, que tem autismo moderado, má-formação congênita na perna e Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), conta que a filha sofreu preconceito desde a creche por causa dessa condição.
— Ela não podia ir para a creche no mesmo horário que as crianças que não estão dentro do espectro, mesmo ela tendo monitora e professora auxiliar — relata. — Foi quando eu comecei a ver o preconceito. Elas (professoras) não queriam ter a minha filha ali.
Foi só depois que Laís expôs o caso nas redes sociais e procurou o Ministério Público Estadual e o Conselho Tutelar para reivindicar os direitos de Clara que a creche a procurou, dizendo que sua filha poderia frequentar a instituição no mesmo horário que as outras crianças.
Legislação
Segundo Claudia Hakim, advogada especialista em Direito Educacional e neurocientista da área de transtornos do neurodesenvolvimento, as crianças autistas são atendidas principalmente pela Lei Berenice Piana, criada em 2012 como uma Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com transtornos do espectro autista.
Além disso, a Constituição, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Estatuto da Pessoa com Deficiência também determinam direitos dos autistas.
— Elas estão equiparadas às pessoas com deficiência para fins legais — diz Claudia.
Em relação à educação, a lei estabelece uma série de direitos do aluno com necessidades especiais e impõe deveres às escolas — tanto públicas quanto particulares — no que diz respeito à inclusão. Apesar disso, na prática, muitas instituições ainda negligenciam essas regras, o que faz com que os pais e as mães de crianças autistas tenham de recorrer à Justiça para terem os direitos de seus filhos assegurados, como no caso de Laís.
Inclusão
Especialistas em educação especial defendem que a criança autista frequente escolas comuns. No Brasil, toda escola, independentemente se pública ou particular, tem a obrigação de receber alunos autistas.
— A inclusão é feita em sala de aula comum, dentro de um sistema regular de ensino, com as adaptações curriculares e os direitos pertinentes a esses alunos — diz Claudia.
Ana Laura Godinho Lima, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), explica que a criança autista tem o direito de ser educada para viver em comum com as outras pessoas.
— Afinal, o mundo é de todos e essas crianças não vão viver em um mundo segregado e especial — afirma.
A professora ressalta ainda que os benefícios da inclusão não são só para alunos autistas, mas também para os neurotípicos (aqueles que possuem desenvolvimento neurológico considerado "padrão").
— Para as outras crianças (neurotípicas), o benefício é viver em um mundo mais rico e diverso. Elas têm a possibilidade de aprender sobre outras formas de ver o mundo ao conviver com pessoas que são diferentes delas. Também podem aprender com a criança autista, porque toda pessoa tem uma contribuição a oferecer — opina Ana Laura.
Recusa
Apesar de a lei garantir o direito da criança autista em poder se matricular em qualquer escola, nem sempre isso acontece.
— É comum casos de escolas que recusam a matrícula de alunos autistas com a justificativa de que "não têm condições" de atendê-lo sem nem sequer conhecerem o aluno e suas capacidades. Isso é crime — enfatiza Claudia. — Muitos pais chegam até a omitir o diagnóstico do filho por medo da recusa.
A escola pública não pode recusar aluno com alguma necessidade especial. Se não houver vaga disponível nas classes de uma determinada unidade, ela deve remanejar o aluno para outra escola da rede pública. Já a escola particular só pode recusar a matrícula se tiver justificativa legal para isso.
A lei nacional diz que, para cada sala de 20 alunos, até dois podem ter necessidades especiais. Em alguns Estados, como São Paulo, a regra é que, a cada 15 alunos, até três podem ter necessidades especiais. Há relatos, no entanto, de escolas que impõem a "cota" de um aluno por sala e chegam a fazer lista de espera, por exemplo.
Segundo a advogada, a escola particular só pode recusar uma nova matrícula, alegando falta de capacidade, se comprovar que já preencheu as vagas previstas em lei.
O colégio também pode recusar a matrícula do aluno por motivos não relacionados à sua condição. É quando, por exemplo, não há mais vagas nem mesmo para alunos regulares, ou quando o estudante foi expulso, contanto que a expulsão seja justificada e não tenha viés preconceituoso. Os pais devem ser informados do motivo da recusa e podem ir à Justiça se não concordarem com a justificativa.
Escola pública
Segundo Claudia Hakim, a escola pública geralmente está mais preparada para receber alunos com necessidades especiais. Não à toa, Nathalia Barbosa, de 34 anos, decidiu trocar o filho da escola particular para a pública, após ele sofrer um episódio de negligência. Arthur, hoje com 11 anos, tem autismo nível dois de suporte e tinha três anos à época.
— A escola tinha câmeras e nós, pais, tínhamos acesso. Quando acessei, vi que meu filho estava em um canto sozinho e que as professoras o largaram lá por horas enquanto as outras crianças faziam atividades. Elas passavam por cima dele para entrar e sair da sala e o tratavam como se ele não estivesse ali — conta a mãe.
Nathalia concorda, a partir da sua experiência, que no ensino público o suporte e a inclusão são maiores.
— Por conta da legislação, a escola pública tem uma estrutura mais preparada. Na particular, eles aceitaram o meu filho sabendo do diagnóstico, mas não fizeram nenhuma adaptação para atendê-lo de acordo com as suas necessidades, não tinham entendimento. Já na escola pública, ele tem um professor auxiliar preparado para isso.
A escola pública segue as cartilhas de educação inclusiva do Ministério de Saúde. Toda sala de aula com aluno com necessidade especial tem um professor auxiliar. No entanto, Nathalia diz que em relação à adaptação do conteúdo de aulas, o serviço ainda deixa a desejar.